Convocados por Papa
Francisco, a partir de domingo, 184 bispos se reunirão para o Sínodo da
Amazônia,que se propõe discutir, durante 20 dias, no Vaticano, a presença da
Igreja Católica na Hiléia.A questão ambiental estará no centro das discussões -
até por causa dos incêndios florestais - mas o olhar dos clérigos se volta
também para temas que podem refletir
tendências de polarização na Santa Sé, e até discussões sobre ordenação de
casados e ampliação da presença feminina.
Os dois temas estão no documento preparatório
para o Sínodo porque a escassez de sacerdotes impede a expansão da Igreja na
região amazônica. Se a Igreja vai adaptar suas diretrizes sobre esses assuntos,
só se saberá quando o Papa proferir a exortação apostólica pós-sinodal - que
não tem data estipulada para acontecer. Mas o fato é que o sínodo ocorre em um
momento em que Papa Francisco é de uma certa forma confrontado pelos dois
lados.
Há um núcleo de insatisfação que
se pode identificar na Igreja alemã, em que segmentos germânicos levantam
questionamentos sobre os objetivos do Sínodo. Dessarte, na extrema direita da
Igreja - para usar termos comuns à polarização - cardeais chegam a verbalizar
que Francisco renuncie, e nesse sentido conclamam os fiéis a jejuarem para que
as "heresias" supostamente pregadas pelo Pontífice não venham a ser
aprovadas (sic). No outro extremo, ainda na Alemanha, progressistas germânicos
estão prestes a realizar o Caminho Sinodal para discutir se o celibato
obrigatório é a melhor maneira de um sacerdote viver no século XXI e questionar
o fato de que as mulheres não poderiam ser ordenadas como diaconisas ou padres
- o Papa, aliás, até pediu um estudo
teológico a respeito, que negou a existência histórica.
E, a respeito, há pressões
diárias. Ontem, v.g., houve novos protestos da associação Voices of Faith, que
reúne religiosas de todo o mundo e reivindica do Santo Padre que as mulheres
tenham direito a voto no sínodo - há trinta e cinco delas entre os
participantes, mas só com direito à observação.
Indagado a propósito, o secretário-geral do evento, cardeal Lorenzo
Baldisseri, tornou a dizer nesta quinta que só terão voto os bispos e as
pessoas autorizadas pelo Santo Padre.
Ao grupo mais tradicional, que pede sua
renúncia - e que por conseguinte se acha na beira da contestação - Francisco
não responde. Aos alemães, Francisco escreveu carta dirigida aos fiéis na qual
diz "compartilhar a preocupação sobre o futuro da Igreja na
Alemanha". Não obstante, também alertou sobre o risco de se colocar em
pauta processos que podem prejudicar a unidade da Igrja. Para ele, separadas, a
Igreja universal e as Igrejas particulares "se enfraquecem, secam e
morrem."
Renúncia.
Só a possibilidade de abrir brechas pastorais já movimenta críticos. Os
conservadores normalmente evitam se pronunciar abertamente - mais ciosos da
unidade da Igreja, temem que seus pronunciamentos coloquem "mais lenha na
fogueira". Mas como em tudo há exceções, v.g. o autor chileno José Antonio Ureta,
ultra-conservador, ligado à Sociedade de Defesa da Tradição,Família e
Propriedade (TFP). Para ele, como
brincou Francisco há pouco tempo, há algo de "comunista" nessas
ideias. "Não é novo. A Teologia da
Libertação busca isso desde os anos setenta."
Há quinze dias, o cardeal
americano Raymond Burke e o bispo Athanasius Schneider (auxiliar de Castana, no
Casaquistão) assinaram uma declaração de oito páginas na qual lançaram um alerta contra seis "graves erros
teológicos e heresias" no documento preparatório do Sínodo. Assim,
reforçam a posição do cardeal
alemão Walter Brandmuller, que
considerou o evento próximo de contradizer "o ensino irrevogável da
Igreja".
As críticas falam de
"panteismo implícito", uao de "superstições pagãs e
xamanismo" e redução a costumes aborígenes, além das críticas a ordenações
de casados e à concessão de ministérios a mulheres. O documento de trabalho do
Sínodo, defendido ontem pelo relator, o brasileiro D. Cláudio Hummes, fala da
possibilidade de se discutir a questão dos "viri probati", homens
reconhecidos pela comunidade e de fé comprovada que se responsabilizariam por
alguns sacramentos em locais isolados - e supririam a falta de padres. Na mesma
linha, se cobra o reconhecimento das mulheres - que se encarregam de grande
parte do serviço religioso na região.
Quanto ao Instrumento de trabalho , o cardeal
Hummes afirmou que "não é do Sínodo, mas para o Sínodo". "É a voz do povo local.."
Baldisseri destacou que não se trata de um "documento pontifício",
mas de uma coleta das expressões do povo da Amazônia. "É o ponto de
partida para começar a trabalhar."
Para os opositores, porém,
essa partida leva à heresia. Para combatê-la, sugerem "jejum" e até
renúncia de Francisco. Já o Papa, após viagem a Moçambique ,no dia dez, avisou
que não tem "medo de cismas". "Mas oro para que não ocorram. O
caminho do cisma não é cristão."
"O Papa não quer uma
ruptura com o corpo da Igreja", explica Maria Clara Bingemer,
professora titular do Departamento de Teologia da PUC-Rio. "Após o Sínodo
da Família, Francisco já abriu o discernimento das igrejas locais sobre a
Eucaristia para os casados de segunda união. Depois deste sínodo, é capaz de ter
abertura de uma brecha para a ordenação de padres casados, como quer a
Alemanha. Mas é tudo muito lento, mesmo." Na mesma linha, até assessores
próximos do Pontífice, como o cardeal canadense Marc Oullet, se dizem "céticos"
quanto a qualquer nova diretriz pós-sínodo.
Estar no meio desse embate
é exatamente o grande mérito deste
pontificado, afirmam os teólogos. "O caráter mais profético de Francisco é
que ele se torna um homem de diálogo quando a sociedade ocidental parece ter
desistido de dialogar", afirma Francisco
Borba, coordenador do núcleo de Fé e Cultura da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP).
Papa Francisco faria a síntese:
reconhece a necessidade de um arejamento doutrinal, mas mantém posições como a
valorização do misticismo e a pregação de que gênero é apenas o biológico.
( Fonte da transcrição: O Estado de S.
Paulo )
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