Tanto em Theresa May, quanto no seu sucessor, Boris Johnson, a deterioração da
posição inglesa é uma incômoda realidade. Em passado demasiado recente, a
Inglaterra escapara de que as inúteis convocações de referendo para sair da
União Europeia tivessem êxito, por uma conjunção de fatores que impedia que o
desejo de dar as costas à Europa se realizasse.
O sonho imperial continuou a fermentar, levando primeiros ministros como
Tony Blair a aceitar como válido que
o Reino Unido brincasse com o apelo do abismo, e sob vários pretextos
concordasse com a realização de tão inúteis quão perigosos referendos, que em
arriscado, leviano mesmo jogo, para
atender a apelos da direita e dos saudosistas da grandeza imperial - e uma vez
mais correr o risco de que os sonhos dos nostálgicos do antigo poder imperial e
da Inglaterra rainha dos mares os arrancassem da terrível decadência - e o que
ainda pior lhes parecia a tais fantasmas do passado, a convivência diuturna nos
salões da autoridade europeia, o que representava a confirmação de que a Rainha
dos Mares ora vivia cercada pelos anões do Continente.
Esse temor difuso da pequena
Europa - e o leitor me perdoará a repetição - já se poderia observar nas visitas
de David Cameron à sede em Bruxelas da União Europeia. Via-se nas
transmissões televisivas o próprio desconforto, como se ele se sentisse incomodado
na assemblear companhia dos representantes daquela pequena Europa, que acorrem,
numerosos, aos grandes salões da Organização Europeia - e o fazem com orgulho,
dada a conquista que o organismo de Bruxelas reflete do sonho multissecular - a
conjunção de pequenos povos e, até mesmo, grandes que tinham superado séculos
de desperdício por meio de governo que a todos representa, e que pela sua
presença implica na superação de continente que era presa de infindáveis rixas,
disputas e conflitos, expressos seja em mofinos dissídios, seja em enorme e até agressivo esbanjamento da riqueza,
consumida tanto em áridas querelas, quanto na desunião de contínuas rixas, e incessantes pequenas
guerras, na grande mas também confinada Europa, a consumir-se nas porfias das ambições
respectivas, que sóem traduzir-se em lutas intermináveis.
Por causa de mais um
referendo que Cameron pensara fosse pro-forma, o Reino Unido veio, numa sucessão pouco feliz
de primeiros ministros, cair em inútil, leviana prova, em que díspares ambições
se digladiam. Convocado para o verão, depois da estúpida morte de uma
representante trabalhista, abatida por um débil mental pro-Brexit, que mais se
poderia esperar dessa provação artificial, escolhida para o esparso mês
estival, senão o reencontro com um destino que gerações com luzes maiores haviam
no passado sabido rasgar, ao aceitar o desafio de uma organização que crescia,
a um império que tão lenta, quanto seguramente acenava reconciliar-se com os
reptos de um presente que inda por vezes rejeitava ver-se no espelho de um
destino que, por ser comum, devia ser aceito com a mesma indústria e
determinação que lhe assinalavam a história.
Agora o destino da antiga rainha dos
mares parece haver caído nas mãos de quem, apesar de entrado em anos, ainda
semelha um jovem, com personalidade
briosa mas por vezes inconsequente. Ao vê-lo encolhido no assento reservado a
outras grandezas, ao espectador há de assustar a aparência quase juvenil, de
alguém que, por artes desconhecidas, foi parar em tais alturas, as quais, no
entanto, pelo ar enrodilhado, dá a impressão de não estar no lugar certo, aonde
o precederam dignas, graves e estáticas figuras, talvez procedentes de outras
situações que o mundo lá fora terá feito esquecer.
E, sem embargo, por quê
esses enrodilhados senhores não atentam para a sempre nova realidade de um povo
ora insatisfeito, a quem não agrada a volta ao passado e sim o mergulho
confiante na nova - e velha - realidade do Mercado Comum, que mais passe o
tempo, mais segura e, sem embargo, generosa se aparenta, porque, se passaram os
dias do domínio dos mares, descerrou-se às ilhas que o povo romano abrira para
o Continente, um novo futuro comum, cujo desafio será por elas arrostado com a
marca e a força de sempre.
Não mais figuras
que parecem temer novas intempéries, como se os calafrios das roupas
inadequadas lhes entorpecessem o ingresso em novos ambientes. É mais do que
tempo de abandonar as maneiras confrangidas e os baldos intentos de escapar de
novos, imprevistos desafios.
É hora de
transformar velhas roupas em novos trajes e, ao invés de enrolar-se em cediços
abrigos, aceitar o repto do presente, acolhido com alegria pela passada
geração, e abraçá-lo com o mesma força e destemor que os acompanhara em
passagens pregressas, e que o Povo generoso, que nas ruas evidencia o juízo de
que nunca será tarde para refazer o
velho caminho, e abraçar com a antiga força o desafio que o rochedo de Gaulle
pensara colocar-lhes à frente, e que carece de ser vencido, para que o Povo
britânico se junte à provada experiência, a que se devem abandonar as antigas
ilusões que o Passado retém consigo, e que aos campos santos pertencem.
(
Fontes: O Estado de S. Paulo e leituras
pregressas )
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