sexta-feira, 25 de outubro de 2019

O Brexit ou a Escolha da Mediocridade


                   
           Tanto em Theresa May, quanto no seu sucessor, Boris Johnson, a deterioração da posição inglesa é uma incômoda realidade. Em passado demasiado recente, a Inglaterra escapara de que as inúteis convocações de referendo para sair da União Europeia tivessem êxito, por uma conjunção de fatores que impedia que o desejo de dar as costas à Europa se realizasse.  O sonho imperial continuou a fermentar, levando primeiros ministros como Tony Blair a aceitar como válido que o Reino Unido brincasse com o apelo do abismo, e sob vários pretextos concordasse com a realização de tão inúteis quão perigosos referendos, que em arriscado, leviano mesmo jogo,  para atender a apelos da direita e dos saudosistas da grandeza imperial - e uma vez mais correr o risco de que os sonhos dos nostálgicos do antigo poder imperial e da Inglaterra rainha dos mares os arrancassem da terrível decadência - e o que ainda pior lhes parecia a tais fantasmas do passado, a convivência diuturna nos salões da autoridade europeia, o que representava a confirmação de que a Rainha dos Mares ora vivia cercada pelos anões do Continente.

                 Esse temor difuso da pequena Europa - e o leitor me perdoará a repetição - já se poderia observar nas visitas de David Cameron à sede em Bruxelas da União Europeia. Via-se nas transmissões televisivas o próprio desconforto, como se ele se sentisse incomodado na assemblear companhia dos representantes daquela pequena Europa, que acorrem, numerosos, aos grandes salões da Organização Europeia - e o fazem com orgulho, dada a conquista que o organismo de Bruxelas reflete do sonho multissecular - a conjunção de pequenos povos e, até mesmo, grandes que tinham superado séculos de desperdício por meio de governo que a todos representa, e que pela sua presença implica na superação de continente que era presa de infindáveis rixas, disputas  e conflitos,  expressos seja em mofinos dissídios, seja  em enorme  e até agressivo esbanjamento da riqueza, consumida tanto em áridas querelas, quanto na desunião  de contínuas rixas, e incessantes pequenas guerras, na grande mas também confinada Europa, a consumir-se nas porfias das ambições respectivas, que sóem traduzir-se em lutas intermináveis.                                                             

              Por causa de mais um referendo que Cameron pensara fosse pro-forma,  o Reino Unido veio, numa sucessão pouco feliz de primeiros ministros, cair em inútil, leviana prova, em que díspares ambições se digladiam. Convocado para o verão, depois da estúpida morte de uma representante trabalhista, abatida por um débil mental pro-Brexit, que mais se poderia esperar dessa provação artificial, escolhida para o esparso mês estival, senão o reencontro com um destino que gerações com luzes maiores haviam no passado sabido rasgar, ao aceitar o desafio de uma organização que crescia, a um império que tão lenta, quanto seguramente acenava reconciliar-se com os reptos de um presente que inda por vezes rejeitava ver-se no espelho de um destino que, por ser comum, devia ser aceito com a mesma indústria e determinação que lhe assinalavam a história.

                      Agora o destino da antiga rainha dos mares parece haver caído nas mãos de quem, apesar de entrado em anos, ainda semelha um jovem,  com personalidade briosa mas por vezes inconsequente. Ao vê-lo encolhido no assento reservado a outras grandezas, ao espectador há de assustar a aparência quase juvenil, de alguém que, por artes desconhecidas, foi parar em tais alturas, as quais, no entanto, pelo ar enrodilhado, dá a impressão de não estar no lugar certo, aonde o precederam dignas, graves e estáticas figuras, talvez procedentes de outras situações que o mundo lá fora terá feito esquecer.
                           E, sem embargo, por quê esses enrodilhados senhores não atentam para a sempre nova realidade de um povo ora insatisfeito, a quem não agrada a volta ao passado e sim o mergulho confiante na nova - e velha - realidade do Mercado Comum, que mais passe o tempo, mais segura e, sem embargo, generosa se aparenta, porque, se passaram os dias do domínio dos mares, descerrou-se às ilhas que o povo romano abrira para o Continente, um novo futuro comum, cujo desafio será por elas arrostado com a marca e a força de sempre.                      
                              Não mais figuras que parecem temer novas intempéries, como se os calafrios das roupas inadequadas lhes entorpecessem o ingresso em novos ambientes. É mais do que tempo de abandonar as maneiras confrangidas e os baldos intentos de escapar de novos, imprevistos desafios.

                                É hora de transformar velhas roupas em novos trajes e, ao invés de enrolar-se em cediços abrigos, aceitar o repto do presente, acolhido com alegria pela passada geração, e abraçá-lo com o mesma força e destemor que os acompanhara em passagens pregressas, e que o Povo generoso, que nas ruas evidencia o juízo de que nunca será  tarde para refazer o velho caminho, e abraçar com a antiga força o desafio que o rochedo de Gaulle pensara colocar-lhes à frente, e que carece de ser vencido, para que o Povo britânico se junte à provada experiência, a que se devem abandonar as antigas ilusões que o Passado retém consigo, e que aos campos santos  pertencem.


( Fontes:  O Estado de S. Paulo e leituras pregressas )

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