domingo, 13 de outubro de 2019

A denúncia - alicerce da democracia americana ?


            
          O sociólogo e jornalista americano Tom Mueller passou o último triênio entrevistando cerca de 200 agentes e ex-agentes públicos americanos que denunciaram, por vias legais na maioria dos casos, comportamentos  inadequados, condutas impróprias de superiores e corrupção institucional em órgãos estatais.
            O resultado de seu empenho? Mueller diz: "as pessoas costumam torcer pelos denunciantes em filmes de Hollywood, mas não enxergam a destruição que acontece de fato na vida deles."
             Por que os denunciantes delatam? Muitos denunciantes, incluindo os liga-  dos a agências de Segurança Nacional (...) eram membros da mesma espécie: a de pessoas com consciência, que enxergam que alguma coisa está errada, não se conformam com a corrupção institucional e se sacrificam para denunciar aquilo, por meios legais e institucionais, não para promoção individual.
              O senhor disse que essa é uma categoria rara  de seres humanos. Por quê?
              "A maioria de nós, quando nos deparamos com um caso hipotético, achamos que fariamos a coisa certa, assim como os denunciantes.  Mas quando estamos dentro de uma equipe forte e unida, por ordem de um líder carismático, a maioria não tem a clareza de pensamento ou a força de caráter para resistir às ações do grupo e fazer a coisa certa. A maioria não entende as terríveis perdas que os denunciantes sofrem."

               "Quais são as consequências do ato de denunciar?"

              "Todos os 200 denunciantes que entrevistei sofreram  terríveis consequências por seus atos de consciência. Perderam seus empregos, seu patrimônio, sua vida pessoal ficou esfacelada, foram perseguidos, presos e denunciados. Desde o início da denúncia nos EUA, os denunciantes do governo que colocam seu nome e rosto em suas revelações não se saíram bem, sobretudo os da comunidade de inteligência. Eles são tipicamente manchados pela mídia, processados e demitidos.

                  "Exemplos?"

               "Inúmeros. Patrick Eddington, um ex-agente da CIA que revelou que sua agência e os militares estavam encobrindo a exposição dos soldados americanos a toxinas, durante a Guerra do Iraque de 1991, foi processado e teve sua casa invadida por agentes do FBI, Por uma década, não conseguiu emprego. Eddington voltou ao serviço público, mas constitui exceção. Em 2007, quatro altos funcionários da Agência de Segurança Nacional denunciaram, por meio de canais oficiais, fraudes e má conduta na agência que facilitaram os ataques de onze de setembro. Foram identificados, tiveram suas casas invadidas por agentes do FBI e suas vidas pessoais devassadas, foram ameaçados de processos e tiveram as carreiras no serviço público encerradas. O Departamento de Justiça de Barack Obama empregou de forma agressiva a Lei de Espionagem para processar funcionários que compartilhem  informações confidenciais com jornalistas, em alguns casos  considerando  os próprios jornalistas como co-conspiradores.

           "O senhor defende que o ato de denunciar é um dos alicerces da democracia nos Estados Unidos. Por quê? "

             Os Pais fundadores desta nação são os exemplos clássicos de denunciantes.  Eles agiram para denunciar a Coroa britânica e deixaram gravados na Constituição a proteção e até o incentivo da denúncia.  Os fundadores trataram os denunciantes com grande respeito e aprovaram leis que os protegiam. Os próprios fundadores se comportaram como denunciantes. Pense nisso: eles, conscientemente e sob enorme risco, negaram a autoridade de seu divino monarca, o rei George III, para seguir uma autoridade superior: Verdade e  Justiça. Eles quebraram sua lealdade à Mâe Grã-Bretanha para seguir lealdades mais altas à sua nova Nação e à Humanidade. Eles acreditavam na importância soberana do indivíduo  e consciência individual.  Eles afirmaram não só o direito, mas também o dever de cada individuo de revelar irregularidades que coloquem o público em perigo. Para mim, isso é um evidente comportamento de denunciante.

( Fonte: O Estado de S. Paulo   )

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