O sociólogo e jornalista americano Tom Mueller passou o último triênio
entrevistando cerca de 200 agentes e ex-agentes públicos americanos que
denunciaram, por vias legais na maioria dos casos, comportamentos inadequados, condutas impróprias de
superiores e corrupção institucional em órgãos estatais.
O resultado de seu empenho? Mueller
diz: "as pessoas costumam torcer pelos denunciantes em filmes de Hollywood,
mas não enxergam a destruição que acontece de fato na vida deles."
Por que os denunciantes delatam?
Muitos denunciantes, incluindo os liga- dos
a agências de Segurança Nacional (...) eram membros da mesma espécie: a de
pessoas com consciência, que enxergam que alguma coisa está errada, não se conformam
com a corrupção institucional e se sacrificam para denunciar aquilo, por meios
legais e institucionais, não para promoção individual.
O senhor disse que essa é uma
categoria rara de seres humanos. Por
quê?
"A maioria de nós, quando
nos deparamos com um caso hipotético, achamos que fariamos a coisa certa, assim
como os denunciantes. Mas quando estamos
dentro de uma equipe forte e unida, por ordem de um líder carismático, a maioria
não tem a clareza de pensamento ou a força de caráter para resistir às ações do
grupo e fazer a coisa certa. A maioria não entende as terríveis perdas que os
denunciantes sofrem."
"Quais são as consequências
do ato de denunciar?"
"Todos os 200 denunciantes que
entrevistei sofreram terríveis consequências
por seus atos de consciência. Perderam seus empregos, seu patrimônio, sua vida
pessoal ficou esfacelada, foram perseguidos, presos e denunciados. Desde o
início da denúncia nos EUA, os denunciantes do governo que colocam seu nome e
rosto em suas revelações não se saíram bem, sobretudo os da comunidade de
inteligência. Eles são tipicamente manchados pela mídia, processados e
demitidos.
"Exemplos?"
"Inúmeros. Patrick Eddington, um ex-agente da CIA
que revelou que sua agência e os militares estavam encobrindo a exposição dos
soldados americanos a toxinas, durante a Guerra do Iraque de 1991, foi processado
e teve sua casa invadida por agentes do FBI, Por uma década, não conseguiu
emprego. Eddington voltou ao serviço público, mas constitui exceção. Em 2007,
quatro altos funcionários da Agência de Segurança Nacional denunciaram, por
meio de canais oficiais, fraudes e má conduta na agência que facilitaram os
ataques de onze de setembro. Foram identificados, tiveram suas casas invadidas
por agentes do FBI e suas vidas pessoais devassadas, foram ameaçados de
processos e tiveram as carreiras no serviço público encerradas. O Departamento
de Justiça de Barack Obama empregou
de forma agressiva a Lei de Espionagem para processar funcionários que
compartilhem informações confidenciais
com jornalistas, em alguns casos considerando os próprios jornalistas como
co-conspiradores.
"O senhor defende
que o ato de denunciar é um dos alicerces da democracia nos Estados Unidos. Por
quê? "
Os Pais fundadores desta nação são os exemplos
clássicos de denunciantes. Eles agiram
para denunciar a Coroa britânica e deixaram gravados na Constituição a proteção
e até o incentivo da denúncia. Os
fundadores trataram os denunciantes com grande respeito e aprovaram leis que os
protegiam. Os próprios fundadores se comportaram como denunciantes. Pense
nisso: eles, conscientemente e sob enorme risco, negaram a autoridade de seu
divino monarca, o rei George III, para seguir uma autoridade superior: Verdade
e Justiça. Eles quebraram sua lealdade à
Mâe Grã-Bretanha para seguir lealdades mais altas à sua nova Nação e à
Humanidade. Eles acreditavam na importância soberana do indivíduo e consciência individual. Eles afirmaram não só o direito, mas também o
dever de cada individuo de revelar irregularidades que coloquem o público em
perigo. Para mim, isso é um evidente comportamento de denunciante.
(
Fonte: O Estado de S. Paulo )
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