sábado, 5 de outubro de 2019

Censura envergonhada ?


                                   
      Consoante matéria em suplemento da Folha - Com a Cara na Porta - nos últimos dois meses, chegam a seis os cancelamentos de produções culturais por estatais e pelo ministério da Cultura, o que tende a de forma inelutável a levantar suspeitas de censura entre membros da classe artística e Procuradores de Justiça.
         Assim, só nesta semana, três eventos que já tinham sido programados pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco do Brasil foram suspensos. Qual é a sua característica comum?  Com efeito, todos eles se propõem a abordar assuntos que vem desagradando a simpatizantes de Jair Bolsonaro, v.g., incluem temáticas havidas como tabu, i.e. abrangem temáticas LGBT, a par de críticas ao período militar.
            Dessarte, a unidade da Caixa Cultural no Rio de Janeiro cancelou o patrocínio a dois projetos que já tinham sido aprovados em edital.  Um deles  foi a mostra da cineasta Dorothy Arzner, que pretendia discutir  temas feministas e homossexualidade.
           Tampouco parece ter agradado  às autoridades responsáveis que às vésperas da abertura, no último sábado (28), um ciclo de palestras sobre democracia, história, ciência e ambiente também foi suspenso.
             Produtores do evento Aventuras do Pensamento  recebera na quinta-feira, dia 26, um e-mail de cancelamento.  A justificativa foi  a de que os organizadores mudaram títulos de palestras sem aviso prévio antes de assinarem o contrato. Procurada, a assessoria da Caixa diz que as razões para a decisão foram unicamente técnicas...
               A série de conferências, voltada a estudantes de dez a quinze anos, chegaria à sua terceira edição e seria aberta pelo professor de filosofia e presidente do Cebrap, Marcos Nobre, numa aula sobre democracia.  Entre os títulos que foram modificados está o da palestra da pesquisadora Tatiana Roque - alterado de "História da Matemática" para "Por que acreditar na Ciência?"
                Os organizadores dizem que a postura crítica dos palestrantes a agendas de Bolsonaro teria sido a real razão para o veto ao projeto. Roque, por exemplo, é filiada ao PSOL.
                  A programação, na qual a Caixa investiria R$ 90 mil, incluía ainda falas da escritora Conceição Evaristo, do cientista Mario Novello, do ensaista José Miguel Wisnik e do líder indígena Ailton Krenak.
                    Os curadores evitam falar em censura, mas dizem estranhar a decisão da instituição e desconfiar da versão oficial.
               Eles relatam ter ouvido informalmente que projetos financiados pelo banco público estão passando por crivo da Secom, a Secretaria Especial de Comunicação Social da P.R. antes que sejam liberados.
                "Iniciamos a produção do ciclo e assinaríamos o contrato duas semanas atrás.  A Caixa começou a pedir documentos, prontamente encaminhados", diz Hermano Callou, um dos idealizadores do projeto.
                " De fato, houve mudança de títulos das palestras, mas isso é normal e nunca foi considerado impeditivo (para realização). Eles sempre estiveram  cientes dos nomes dos palestrantes e de seus currículos."
                 Segundo Callou, que é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os organizadores se dispuseram a resgatar os títulos anteriores, mas a Caixa não concordou. No e-mail em que informou a desistência de apoiar a iniciativa, a instituição argumentou que o edital dá a ela o direito de anular o patrocínio caso haja alteração do projeto ou impossibilidade técnica.
                  Para Marcos Nobre, o caso desperta preocupação. "Um ato dessa natureza é grave porque não está isolado, faz parte de um contexto de graves indícios à liberdade de pensamento no Brasil."   
                   " Acho que pode ter havido restrição política da Caixa, mas não que seja uma restrição partidária ou ideológica à esquerda", diz Tatiana Roque. "É mais um veto ao papel do intelectual e do cientista, que está sendo visto como ameaça aos poderes instituídos."
                   Em nota, a Caixa informa que o projeto original "foi alterado pelo proponente, demandando nova etapa de análise pela patrocinadora"."Nos termos da sistemática de seleção de projetos vigentes, aplicável a todos os concorrentes, não havia tempo hábil para nova avaliação prévia para subsidiar a contratação."
                    Ainda segundo o banco, o projeto poderá  ser reapresentado em outra ocasião. Para Marcella Jacques, curadora do painel que celebraria a diretora lésbica Dorothy Arzner, o cancelamento da mostra se soma à campanha contra "temas que têm sido combatidos pelo governo atual."
                      "A gente acredita que é um ato de censura pelo tema", afirma a produtora, que preparava o evento para novembro. Ela foi notificada sobre o recuo em um e-mail. "Questionamos a diretora de marketing, e ela negou que fosse por causa do conteúdo do evento. Alegou que seriam problemas de estrutura, porque o prédio está em reforma", diz.
                      Depois de várias cobranças, a Caixa respondeu aos organizadores do evento que "revê sua pauta cultural a todo momento" e que "a garantia de execução de um projeto só se estabelece a partir da assinatura do contrato entre a instituição e a proponente." Afirmou, outrossim, que a decisão, no caso da mostra, se deu por "restrições logísticas e operacionais",  O patrocínio previsto era de R$ 120 mil.    Sem a liberação do valor, a Ventura Produções, da qual Jacques é sócia, terá de arcar  com os custos até o cancelamento.
                        A Assessoria de Imprensa da Instituição não se pronunciou sobre o cancelamento. Informou que não teve tempo hábil para levantar as informações - o pedido foi enviado na tarde de segunda-feira (30) e ficou sem resposta até o início da noite de terça-feira (1º).
                        Em nota à Folha, a Secom diz "que não veta ou controla conteúdos de apresentações culturais".  Segundo a pasta, uma instrução normativa estabelece que "propostas de patrocínio com valores iguais ou superiores a R$ 20 mil são enviadas para consulta da Secom para conformidade processual e documental".
                          Ainda de acordo com a Secretaria,  "o critério de avaliação do conteúdo é de inteira responsabilidade do órgão proponente", no caso, a Caixa.
                         No Rio de Janeiro, nesta semana, também houve o cancelamento de sessões de "Caranguejo Overdrive", peça já programada pelo Centro Cultural Banco do Brasil, segundo os produtores. As sessões aconteceriam nos próximos dias 9 e 10, em uma programação comemorativa dos trinta anos do CCBB, e chegaram a ser divulgadas na internet. Segundo produtores do espetáculo, o cancelamento não foi justificado.
                           Eles afirmam ainda que o texto do espetáculo, que já tem uma carreira de cinco anos de apresentações em diversos estados, foi sendo modificado de acordo com o contexto político e passou a abordar questões relacionadas à Amazônia e às milícias. Procurado, o CCBB informou que está em contato com a produção do evento comemorativo para verificar a necessidade de ajuste na programação da qual a peça faz parte.
                             Em setembro, uma peça que tem entre os personagens uma travesti também enfrentou problemas na Caixa de Brasília.  A Cia. Dos à Deux deixou de apresentar "Gritos" depois que a instituição pediu detalhamentos sobre a peça. Na configuração aprovada originalmente, a companhia encenaria duas produções. A Caixa, contudo, só cobrou informações extras sobre a história que trata de gênero e que contém cenas de nudez.
                               A Folha pediu à Caixa uma lista de todos os projetos de seu edital cultural mais recente que tiveram o patrocínio anulado e as justificativas. Indagou ainda se é comum haver cancelamentos de atividades aprovadas em seleções públicas da instituição. Ainda não houve resposta.

Transcrição da matéria da Folha Ilustrada:  "Com a Cara na Porta"

Procuradores abrem procedimentos para apurar suspensões. 
O  cancelamento do espetáculo "Abrazo" da companhia Clowns  de Shakespeare, pela Caixa Cultural do Recife, e o veto a projetos audiovisuais - financiados com verba pública - por meio de uma portaria assinada pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra,geraram reação nas Procuradorias do Rio e de Pernambuco.
No mês passado, o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro instaurou procedimento para apurar as razões da suspensão do edital que seria financiado pelo Fundo Setorial do Audiovisual, destinado a projetos para TVs públicas e que tinha categorias de investimento em séries LGBT,
          Um dos questionamentos da Procuradoria é  o de que o processo de seleção já estava em sua fase final. Também é apurado o destino de verbas que já haviam sido empregadas neste programa.
            O MPF encaminhou ofícios ao Ministério da Cidadania e à  Ancine, requisitando informações sobre a suspensão e sobre suposta decisão governamental de não aprovar  programas com temáticas LGBT,
            A portaria de Terra  foi expedida dias depois de Jair Bolsonaro criticar, em vídeo nas redes sociais, a inclusão de uma categoria com esse foco.
           Segundo a Assessoria de Imprensa do Ministério da Cidadania "o edital suspenso não havia sido discutido por este governo",  Por abarcar recursos públicos de R$ 70 milhões, diz a nota, "o governo resolveu suspender com a intenção de analisar os critérios de sua formulação", O edital previa essa possibilidade de suspensão ou anulação, ainda segundo a resposta da Pasta.
             Sobre "Abrazo", o MPF em Pernambuco expediu recomendação para a Caixa retomar o espetáculo infanto-juvenil, o que não foi cumprido.
               Procurada, a Caixa informou que foi notificada em relação à recomendação e que responderia à entidade dentro do prazo legal.

( Transcrição pelo Blog da reportagem da Folha - Ilustrada : Com a Cara na  Porta. )

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