A imagem é retirada de poema de Carlos
Drummond de Andrade, que não carece de apresentação. É o que no momento
a antiga colônia britânica - Hong Kong
- repre-senta para a República Popular da China.
Xi Jinping
tem decerto estado a braços com o problema que, de repente, por conta de reação
autoritária trazida pela nova Chefe do Executivo do Território, Carrie
Lam, que a princípio terá pensado tratar-se de coisa de somenos, e que
tal ameaça ela a resolveria com
presteza.
Como
na China não há democracia, tampouco em Beijing se perde tempo computando
perspectivas de resistência a uma determinação imperial. Carrie Lam procedeu,
por conseguinte, com a ligeireza que devotara à questão, que na sua ótica de
fiel servidora a colocaria bem próxima dos chefes em Beijing: nada menos que um projeto de lei que lhe ensejaria
começar a própria "missão" com normativa para a transferência de
suspeitos de delitos para a China continental e, por conseguinte, às suas
cortes subordinadas ao Partido Comunista.
Se a
Chefe do Executivo teve dúvidas quanto a possíveis dificuldades e resistências
na antiga colônia de Sua Majestade, não as deixou transpirar. Terá consultado a documentação e a legislação pertinente ?
Somente o futuro, que é muito tardo, em termos de informação, nos regimes
autocráticos, e que sói caminhar com os trôpegos, vacilantes passos da dúvida,
poderá talvez dizê-lo. Por isso, ao deparar a mesmice das ditaduras, não é de
crer que, enquanto servidora categorizada
do poder imperial, como imaginar que ela poderia sequer ousar contrariar, mesmo
que em tímidas obtempera-ções às ordens
de Beijing ?
Terá acaso consultado os maços das negociações entre o poder colonial
inglês e o governo chinês?Terá porventura atentado às promessas feitas quanto à relativa
liberdade de que disporia a antiga colônia ? Não é de crer-se que os seus olhos
de burocrata se terão detido por muito nesses ecos do passado colonial.
Por outro lado, como referi, de resto, em meu último blog sobre the time of troubles, os manifestantes passaram a ocupar o
aeroporto da cidade. Não posso fiar-me pelas impressões que tive quando da
minha visita a Hong Kong, em 1997, poucos meses antes da transferência da
colônia para a RPC. Ignoro, por conseguinte, se foram feitas mudanças no
terminal do aeroporto.
De qualquer forma, se a inserção do terminal nas visitas dos
manifestantes não teria interferido a princípio na programação dos vôos,
constituiu apenas um intervalo de relativa brevidade, eis que a escala da
manifestação passou um tanto
rapidamente para um desenvolvimento que
a própria dinâmica dos protestos levou a
interferir com a programação dos voos, com os consequentes atrasos e transtornos
nos horários, com a inevitável
remarcação, e consequente impacto muito
maior no horário dos vôos e nos demais previsíveis distúrbios decorrentes. Não
é necessário, de resto, ser um especialista em voos de companhias aéreas para prever
que uma radicalização desse gênero pôde inviabilizar, em um breve espaço de
tempo, o aeroporto, pelo menos temporal
e conjunturalmente, o que terá um
impacto previsível, tendo ele uma movimentação de passageiros que está
classificada como a oitava entre os aeroportos mundiais.
Movido pela consequente confusão e os transtornos decorrentes, o
aeroporto de Hong Kong decidiu cancelar ontem - dia onze de agosto - todos os
seus 150 vôos diários.
O funcionamento recomeçou por volta de oito da manhã de ontem, dia doze,
com a saída gradual dos manifestantes, e sem intervenção policial. Entrementes, crescera a pressão da metrópole.
Beijing afirmou ver "sinais de
terrorismo" nos protestos de Hong Kong: com a invasão das salas de
embarque e desembarque, os manifestantes fecharam, na prática, o oitavo
aeroporto, em termos de movimentação de passageiros, de acordo com a
classificação mundial.
Não sei se a hübris terá contribuído para uma perda de controle tanto sobre a
realização dos protestos, quanto em seus eventuais efeitos sobre os usuários. Faltou
à direção do movimento o necessário equilíbrio, para que tal controle fosse
mantido, preservando a seriedade das manifestações, e evitando-se que a radicalização e os respectivos excessos
produzissem um efeito contrário,
contribuindo na prática para retirar das ações a sua objetividade.
Desmandando-se, houve o inevitável descontrole, que contribuíu para facilitar a
reação da metrópole.
Ter-se-á presente que,
pelo princípio instaurado quando do acordo de devolução - "um país, dois
sistemas", - Hong Kong até hoje goza de liberdades inexistentes na RPC, e em tese,as teria garantidas até
2047 (cinquenta anos depois da cessão).
Contribui, no entanto,
para o clima de contestação em Hong Kong, a conscientização de parte de largo
segmento da população de que Beijing mina cada vez mais os direitos assegurados
em 1997, dentro do sempre lembrado lema "um país, dois sistemas".
Com o endurecimento
do discurso de Beijing, nas últimas semanas, e o consequente incremento da
ameaça de intervenção, a situação vai-se encaminhando para as difusas ameaças
de intervenção: "os manifestantes radicais
de Hong Kong recorreram em diversas ocasiões a objetos extremamente perigosos
para atacar os policiais, o que constitui crime grave e revela sinais
incipientes de terrorismo", afirmou o porta-voz do Escritório de Assuntos
de Hong Kong e Macau, Yang Guang.
Já na semana
passada, o porta-voz Yang afirmara que "quem brinca com fogo morre
queimado", declarou com a falta de objetividade que caracteriza esses
representantes de ditaduras e regimes autoritários, que uma "minoria
minúscula" representa "grave
desafio à prosperidade e à estabilidade de Hong Kong''. Nesse contexto, o porta-voz denunciou que
manifestantes lançaram bombas incendiárias contra a polícia.
Essas ações ocorreram após um
fim de semana de confrontos entre policiais e ativistas, nos quais as duas Partes intensificaram a própria
determinação radicalizante com novas táticas.
Desde sexta-feira,
nove de agosto, os manifestantes receberam no aeroporto os passageiros com
cantos, gritos de ordem e panfletos para explicar o movimento. Depois de passarem pela
alfândega, os visitantes eram
recepcionados por uma multidão vestida com roupa preta. "Bem-vindos à cidade
do gás lacrimogêneo", estampava um
cartaz.
Um membro da Administração Donald Trump pediu
ontem, doze de agosto, a "todas as partes" que evitem a violência em
Hong Kong, nesse sentido fazendo apelo para o respeito das "diversas
opiniões políticas".
(
Fontes: Carlos Drummond de Andrade, opiniões contrastantes da metrópole chinesa
e
dos ativistas de Hong Kong.)
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