terça-feira, 13 de agosto de 2019

No meio do caminho, uma Pedra


                 

         A imagem é retirada de poema de Carlos Drummond de Andrade, que não carece de apresentação. É o que no momento a antiga colônia britânica - Hong Kong - repre-senta para a República Popular da China.
  
       Xi Jinping tem decerto estado a braços com o problema que, de repente, por conta de reação autoritária trazida pela nova Chefe do Executivo do Território, Carrie Lam, que a princípio terá pensado tratar-se de coisa de somenos, e que tal ameaça ela a  resolveria com presteza.
          Como na China não há democracia, tampouco em Beijing se perde tempo computando perspectivas de resistência a uma determinação imperial. Carrie Lam procedeu, por conseguinte, com a ligeireza que devotara à questão, que na sua ótica de fiel servidora a colocaria bem próxima dos chefes em Beijing:  nada menos que um projeto de lei que lhe ensejaria começar a própria "missão" com normativa para a transferência de suspeitos de delitos para a China continental e, por conseguinte, às suas cortes subordinadas ao Partido Comunista.

         Se a Chefe do Executivo teve dúvidas quanto a possíveis dificuldades e resistências na antiga colônia de Sua Majestade, não as deixou transpirar. Terá consultado  a documentação e a legislação pertinente ? Somente o futuro, que é muito tardo, em termos de informação, nos regimes autocráticos, e que sói caminhar com os trôpegos, vacilantes passos da dúvida, poderá talvez dizê-lo. Por isso, ao deparar a mesmice das ditaduras, não é de crer que, enquanto  servidora categorizada do poder imperial, como imaginar que ela poderia sequer ousar contrariar, mesmo que em tímidas obtempera-ções  às ordens de Beijing ?
           Terá acaso consultado os maços das negociações entre o poder colonial inglês e o governo chinês?Terá porventura atentado às promessas feitas quanto à relativa liberdade de que disporia a antiga colônia ? Não é de crer-se que os seus olhos de burocrata se terão detido por muito nesses ecos do passado colonial.
             Por outro lado, como referi, de resto, em meu último blog sobre the time of troubles,  os manifestantes passaram a ocupar o aeroporto da cidade. Não posso fiar-me pelas impressões que tive quando da minha visita a Hong Kong, em 1997, poucos meses antes da transferência da colônia para a RPC. Ignoro, por conseguinte, se foram feitas mudanças no terminal do  aeroporto.  

              De qualquer forma, se a inserção do terminal nas visitas dos manifestantes não teria interferido a princípio na programação dos vôos, constituiu apenas um intervalo de relativa brevidade, eis que a escala da manifestação  passou um tanto rapidamente  para um desenvolvimento que a própria dinâmica  dos protestos levou a interferir com a programação dos voos, com os consequentes atrasos e transtornos  nos horários, com a inevitável remarcação, e  consequente impacto muito maior no horário dos vôos e nos demais previsíveis distúrbios decorrentes. Não é necessário, de resto, ser um especialista em voos de companhias aéreas para prever que uma radicalização desse gênero pôde inviabilizar, em um breve espaço de tempo,  o aeroporto, pelo menos temporal e conjunturalmente,  o que terá um impacto previsível, tendo ele uma movimentação de passageiros que está classificada como a oitava entre os aeroportos mundiais.

                     Movido pela consequente confusão e os transtornos decorrentes, o aeroporto de Hong Kong decidiu cancelar ontem - dia onze de agosto - todos os seus 150 vôos diários.

                      O funcionamento recomeçou por volta de oito da manhã de ontem, dia doze, com a saída gradual dos manifestantes, e sem intervenção policial.  Entrementes, crescera a pressão da metrópole. Beijing afirmou ver "sinais de terrorismo" nos protestos de Hong Kong: com a invasão das salas de embarque e desembarque, os manifestantes fecharam, na prática, o oitavo aeroporto, em termos de movimentação de passageiros, de acordo com a classificação mundial.
                       Não sei se a hübris terá contribuído  para uma perda de controle tanto sobre a realização dos protestos, quanto em seus eventuais efeitos sobre os usuários. Faltou à direção do movimento o necessário equilíbrio, para que tal controle fosse mantido, preservando a seriedade das manifestações, e evitando-se  que a radicalização e os respectivos excessos produzissem  um efeito contrário, contribuindo na prática para retirar das ações a sua objetividade. Desmandando-se, houve o inevitável descontrole, que contribuíu para facilitar a reação da metrópole.

                          Ter-se-á presente que, pelo princípio instaurado quando do acordo de devolução - "um país, dois sistemas", - Hong Kong até hoje goza de liberdades inexistentes na RPC, e em tese,as teria garantidas até 2047 (cinquenta anos depois da cessão).

                            Contribui, no entanto, para o clima de contestação em Hong Kong, a conscientização de parte de largo segmento da população de que Beijing mina cada vez mais os direitos assegurados em 1997, dentro do sempre lembrado lema "um país, dois sistemas".
                            Com o endurecimento do discurso de Beijing, nas últimas semanas, e o consequente incremento da ameaça de intervenção, a situação vai-se encaminhando para as difusas ameaças de intervenção:  "os manifestantes radicais de Hong Kong recorreram em diversas ocasiões a objetos extremamente perigosos para atacar os policiais, o que constitui crime grave e revela sinais incipientes de terrorismo", afirmou o porta-voz do Escritório de Assuntos de Hong Kong e Macau,  Yang Guang.
                            Já na semana passada, o porta-voz Yang afirmara que "quem brinca com fogo morre queimado", declarou com a falta de objetividade que caracteriza esses representantes de ditaduras e regimes autoritários, que uma "minoria minúscula" representa  "grave desafio à prosperidade e à estabilidade de Hong Kong''.  Nesse contexto, o porta-voz denunciou que manifestantes lançaram bombas incendiárias contra a polícia.
                            Essas ações ocorreram após um fim de semana de confrontos entre policiais e ativistas, nos quais as duas Partes  intensificaram a própria determinação radicalizante com novas táticas.
                            Desde sexta-feira, nove de agosto, os manifestantes receberam no aeroporto os passageiros com cantos, gritos de ordem e panfletos para explicar  o movimento. Depois de passarem pela alfândega, os visitantes  eram recepcionados por uma multidão vestida com roupa preta. "Bem-vindos à cidade do gás lacrimogêneo",  estampava um cartaz.
                             Um membro da Administração Donald Trump pediu ontem, doze de agosto, a "todas as partes" que evitem a violência em Hong Kong, nesse sentido fazendo apelo para o respeito das "diversas opiniões políticas".

( Fontes: Carlos Drummond de Andrade, opiniões contrastantes da metrópole chinesa e dos ativistas de Hong Kong.)



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