A
ameaça do Reino Unido de deixar a União Europeia sem um acordo, repetida por
mais de uma vez nos últimos dias pelo Primeiro Ministro Boris Johnson, reavivou
o desejo de unificação das Irlandas e pode, por conseguinte, prejudicar o acordo de paz que pôs um término a três
décadas de conflito entre as duas Irlandas, com pelo menos 3600 mortos. Trazer à baila o tema também teve o efeito
colateral de reatiçar o desejo de independência da Escócia.
Johnson esteve a 31de julho (quarta) na Irlanda do Norte , após visitar
a Escócia a 29 (segunda) e o País de Gales a 30 (terça) de julho, com o
objetivo de apresentar seus planos para o Brexit, e tentar angariar apoio dos países
para endurecer as negociações com a União Europeia. Em tal sentido, o premier se encontrou com os principais partidos da região para tratar da questão.
A presidente do principal partido nacionalista irlandês, o Sinn Fein,
fez um alerta ao Primeiro Ministro: ela
convocará um referendo sobre a
reunificação das duas Irlandas, se o Reino Unido deixar a União Europeia sem um
acordo. Nesse sentido, Mary Lou McDonald disse, referindo-se aos integrantes do
Partido Democrático Unionista, majoritário na comunidade protestante e
partidário de um "Brexit duro":
"Pedimos que ele não se renda aos unionistas e não se transforme em
mensageiro do DUP".
É de notar-se que o partido tem dez deputados
no Parlamento de Londres, o que permite a Johnson e ao Partido Conservador
governarem, sem necessidade de outros apoios.Essa suposta vantagem, na verdade,
complica a questão, e tira a flexibilidade de quem for Primeiro Ministro, como
a própria Thereza May já o experimentou. Como já foi referido, ela pensara
possível governar com uma maioria própria, e para tanto cometeu o erro de
convocar eleições. O resultado para ela só não foi desastroso, porque logrou
trazer para recompor a maioria (havendo perdido cadeiras em Westminster) o tal
Partido Democrático Unionista. Esse erro, além de custar-lhe a dependência a um
partido menor, é agora transferido para o novo Primeiro Ministro Johnson.
O Primeiro Ministro, parlamentares eurocéticos
e os unionistas irlandeses querem eliminar dos termos do acordo com a UE uma
controvertida salvaguarda para evitar a reintrodução de uma "fronteira
física" entre a Irlanda, membro da U.E., e a província britânica da
Irlanda do Norte. Para eles,o fim da
salvaguarda, chamada de "back-stop", é necessária para o Brexit se
consolidar e para o Reino Unido não perder a soberania sobre o território
norte-irlandês.
Mas a construção de um eventual posto de fronteira seria contrário a um
dos pontos-chave do acordo de paz da Sexta-Feira Santa, que pôs fim, em 1998,
ao conflito histórico entre os católicos, republicanos e nacionalistas , e os
favoráveis à união com o Reino Unido, chamados de unionistas, em sua maioria
protestantes.
Embora os governos de Dublin e Bruxelas
tenham reiterado que a cláusula
irlandesa é "intocável", o
premier Johnson quer suprimi-la e, se não o conseguir, advertiu que retirará
seu país do bloco europeu em 31 de outubro próximo vindouro, com ou sem acordo.
O Chefe do governo da
Irlanda, Leo Varadkar, disse que a
questão da unificação da Irlanda e da Irlanda do Norte, governada pelos
britânicos inevitavelmente surgiria se o Reino Unido deixasse a União Europeia
sem um acordo. "Elementos de nosso establishment político nos dizem que agora não é hora de discutir a unidade
irlandesa. Eles estão errados. Agora é exatamente o momento certo para discuti-la",
disse Varadkar. "O governo precisa começar a planejar a união."
No mesmo sentido, os escoceses
também avaliam um possível pedido de referendo para decidir sobre sua separação
do Reino Unido. Enquanto Inglaterra e País de Gales votaram pela saída do Reino
Unido da União Europeia, mais de 60% da Escócia votou para ficar. Na capital,
Edimburgo, três em cada quatro habitantes não querem deixar o bloco.
O Governo
comandado pelo Partido Nacional Escocês (SNP) prevê que o Brexit deixará os escoceses
em média US$ 3.000 por ano mais pobres, acabará com oitenta mil empregos e
contaminará o ambiente de negócios por décadas.
Por isso, o sentimento generalizado é o de que o Brexit pode termianr
com uma união de mais de trezentos anos.
A líder do SNP, a primeira ministra Nicola Sturgeon, descreve o plano do Brexit
como "totalmente caótico" e já afirmou que só vai esperar o
desenrolar do processo para convocar o plebiscito.
Para Amanda Sloat, ex-funcionária do Departamento
de Estado americano e especialista em Brexit na Brookings Institution, em
Washington, a maneira co-mo o processo do Brexit tem sido conduzido facilita a
ascensão do discurso separatista. "Tanto norte-irlandeses quanto escoceses
votaram para permanecer na União Europeia, e desde que o voto pela saída
ganhou, sentem que é o momento de pleitearem a própria saída, por um desejo de
se manterem ligados à Europa",
disse Sloat ao Estado. "No caso da
Irlanda do Norte, no entanto, esse processo é perigoso, porque pode reavivar um sentimento ainda latente e
recente de confronto e ódio entre os que defendem a per- manência no Reino
Unido e os nacionalistas que querem a unificação com a Irlanda."
(
Fonte: O Estado de S. Paulo )
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