Boris
Johnson ao forçar o dúbio recurso do prolongamento do recesso parlamentar
até o dia catorze de outubro - e para tanto pedindo à anciã Rainha Elizabeth II que aceitasse esse fechamento temporário do Parlamento - pisou
em área que é tristemente sua característica.
Ao recorrer a medidas que
fechem - ainda que temporariamente - a faculdade do Parlamento discutir ideias
e proposições, Johnson adentra uma área
em que o espectro do caráter repressivo e anti-democrático de uma forçada
proibição do debate e da circulação das ideias levante a sua catadura.
O Parlamento britânico já
estava de recesso, mas voltaria a funcionar na próxima semana. Com a medida, Johnson impôs à assembleia uma "folga" de cinco semanas.
Agora, a Oposição e os conservadores que são contra um
Brexit sem acordo disporão apenas de
duas semanas para agirem.
A própria opinião pública
reagiu. Assim, que a Rainha aceitou o pedido do Primeiro Ministro, muitos
ingleses protestaram nas ruas. Diversas manifestações foram registradas em diversas cidades, entre
as quais Edimburgo, Cardiff, Manchester, Bristol, Cambridge e Durham.
Em Londres, houve grande mobilização, na
área de Westminster, onde se acha a sede do Parlamento e o Palácio de
Buckingham. Os manifestantes pediam o
fim do "golpe" e a renúncia do Primeiro Ministro.
Johnson é avaliado como um dos
principais eurocéticos do Partido Conservador e, não por acaso, foi um dos líderes
do plebiscito convocado pelo inepto Brad
Cameron, que dera asas ao Brexit,
em 2016. Como o Economist tem demonstrado em sua cobertura da crise, o que mais
assusta em Boris Johnson é o fato de
que por suas atitudes ele surja como alguém levado não pelo juizo, mas pelo
descontrole, o que em português é descrito por um termo aqui impublicável.
Já durante a crise que levara à
renúncia de sua medíocre antecessora, Theresa
May, ele já dera sinais de preferir
uma ruptura radical com Bruxelas, embora, como se assinale, nunca o
tenha dito claramente.
Não caíu nada bem tal autoritária manobra do
Primeiro Ministro, tanto que o acusaram seja a Oposição, seja a sua própria
bancada tory, de autoritarismo. Com
efeito, na visão dos deputados, o primeiro-ministro está tentando tirar do
Parlamento suas prerrogativas
legislativas e democráticas.
Nada menos que o
presidente da Câmara dos Comuns, John
Bercow, afirmou: "É um ultraje constitucional". Bercow, no
passado recente, demonstrara o próprio poder ao bloquear algumas decisões de Theresa May. "É óbvio que o propósito desta suspensão seria impedir que o Parlamento
debate sobre o Brexit e cumpra seu
dever de definir o rumo do país."
Johnson negou as acusações de que estaria
forçando um Brexit sem acordo. Deu a
respeito desculpas que pela vacuidade, mais parecem deboche: " O objetivo
da medida é preparar sua agenda legislativa, "financiar o sistema de
saúde" e "combater a criminalidade." "Haverá tempo o suficiente
para debater o Brexit", afirmou
ele.
Exceto alguns
conservadores e eurocéticos radicais, ninguém acreditou nas desculpas do
Primeiro Ministro. Nesse contexto, o lider do Labour Party, Jeremy Corbyn, propôs apresentar uma moção de
censura contra Johnson assim que os
deputados voltarem do recesso, na próxima semana. Se a manobra funcionar, ele assumiria o governo
temporário e convocaria novas eleições.
Para o analista de
risco Dean Turner, do UBS
Wealth Management, o risco de um Brexit
sem acordo é cada vez maior. "Na
prática, a suspensão do Parlamento dá menos tempo ao Parlamento de vetar um Brexit sem acordo. (Os deputados) terão
de agir com muita rapidez e de modo decisivo,
o que não está acontecendo."
As reações nos Estados Unidos e na
UE decorrem de uma visão oposta. Guy
Verhofstadt , coordenador do Parlamento Europeu nas negociações do
Brexit, criticou a medida: "Tomar o controle, nunca pareceu tão sinistro.
Como parlamentar, minha solidariedade com aqueles que lutam para terem suas
vozes ouvidas. Suprimir o debate não ajuda a proporcionar um bom relacionamento
entre a UE e o Reino Unido."
Já a aliada do Presidente Macron, Nathalie Louseau
perguntou: " Que doença atinge a democracia britânica para temer um debate
importante como este?"
Por sua vez Trump fez um comentário em que se
alinha com Johnson, com que tem tantas
afinidades: "Será muito difícil para os trabalhistas conseguirem uma moção
de desconfiança contra Johnson. Ele é o que o UK (Reino Unido) está procurando e fará um
grande trabalho."
Para marcar o descrédito da manobra de
Johnson - de anunciar o recesso - uma petição popular contra essa manobra recolheu
um milhão de assinaturas. Isso é bem mais de o número mínimo de cem mil firmas exigido
para que a questão seja debatida pela Câmara dos Comuns.
Será que a espúria manobra de Boris Johnson, diante
dessa enorme reação popular, terá assim mesmo sucesso? Se tal ocorrer, o que
pensar da mãe de todas as democracias ?
(
Fontes: O Estado de S. Paulo, The Economist )
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