quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Johnson força a barra no Brexit


                                  
            Boris Johnson ao forçar o dúbio recurso do prolongamento do recesso parlamentar até o dia catorze de outubro - e para tanto pedindo à anciã Rainha Elizabeth II que aceitasse esse fechamento temporário do Parlamento - pisou em área que é tristemente sua característica.
                 Ao recorrer a medidas que fechem - ainda que temporariamente - a faculdade do Parlamento discutir ideias e proposições,  Johnson adentra uma área em que o espectro do caráter repressivo e anti-democrático de uma forçada proibição do debate e da circulação das ideias levante  a sua catadura.
                    O Parlamento britânico já estava de recesso, mas voltaria a funcionar na próxima semana. Com a medida, Johnson impôs à assembleia  uma "folga" de cinco semanas.
                   Agora, a  Oposição e os conservadores que são contra um Brexit sem acordo disporão apenas de duas semanas para agirem.
                     A própria opinião pública reagiu. Assim, que a Rainha aceitou o pedido do Primeiro Ministro, muitos ingleses protestaram nas ruas. Diversas manifestações  foram registradas em diversas cidades, entre as quais Edimburgo, Cardiff, Manchester, Bristol, Cambridge e Durham.
                       Em Londres, houve grande mobilização, na área de Westminster, onde se acha a sede do Parlamento e o Palácio de Buckingham.  Os manifestantes pediam o fim do "golpe" e a renúncia do Primeiro Ministro.
                      Johnson é avaliado como um dos principais eurocéticos do Partido Conservador e, não por acaso, foi um dos líderes do plebiscito convocado pelo inepto Brad Cameron, que dera asas ao Brexit, em 2016. Como o Economist tem demonstrado em sua cobertura da crise, o que mais assusta em Boris Johnson é o fato de que por suas atitudes ele surja como alguém levado não pelo juizo, mas pelo descontrole, o que em português é descrito por um termo aqui impublicável.
                      Já durante a crise que levara à renúncia de sua medíocre antecessora, Theresa May, ele já dera sinais de preferir  uma ruptura radical com Bruxelas, embora, como se assinale, nunca o tenha dito claramente.
                       Não caíu nada bem tal autoritária manobra do Primeiro Ministro, tanto que o acusaram seja a Oposição, seja a sua própria bancada tory, de autoritarismo. Com efeito, na visão dos deputados, o primeiro-ministro está tentando tirar do Parlamento suas prerrogativas  legislativas e democráticas.
                       Nada menos que o presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, afirmou: "É um ultraje constitucional". Bercow, no passado recente, demonstrara o próprio poder ao bloquear algumas decisões de Theresa May. "É óbvio  que o propósito desta  suspensão seria impedir que o Parlamento debate sobre o Brexit e cumpra seu dever de definir o rumo do país."
                        Johnson negou as acusações de que estaria forçando um Brexit sem acordo. Deu a respeito desculpas que pela vacuidade, mais parecem deboche: " O objetivo da medida é preparar sua agenda legislativa, "financiar o sistema de saúde" e "combater a criminalidade." "Haverá tempo o suficiente para debater o Brexit", afirmou ele.
                       Exceto alguns conservadores e eurocéticos radicais, ninguém acreditou nas desculpas do Primeiro Ministro. Nesse contexto, o lider do Labour Party, Jeremy Corbyn, propôs apresentar uma moção de censura contra Johnson assim que os deputados voltarem do recesso, na próxima semana.  Se a manobra funcionar, ele assumiria o governo temporário e convocaria novas eleições.
                        Para o analista de risco Dean Turner, do UBS  Wealth Management, o risco de um Brexit sem acordo  é cada vez maior. "Na prática, a suspensão do Parlamento dá menos tempo ao Parlamento de vetar um Brexit sem acordo. (Os deputados) terão de agir com muita rapidez e de modo decisivo,  o que não está acontecendo."
                         As reações nos Estados Unidos e na UE  decorrem de uma visão oposta. Guy Verhofstadt , coordenador do Parlamento Europeu nas negociações do Brexit, criticou a medida: "Tomar o controle, nunca pareceu tão sinistro. Como parlamentar, minha solidariedade com aqueles que lutam para terem suas vozes ouvidas. Suprimir o debate não ajuda a proporcionar um bom relacionamento entre a  UE e o Reino Unido."
                            Já a aliada do Presidente Macron, Nathalie Louseau perguntou: " Que doença atinge a democracia britânica para temer um debate importante como este?"
                             Por sua vez Trump fez um comentário em que se alinha com  Johnson, com que tem tantas afinidades: "Será muito difícil para os trabalhistas conseguirem uma moção de desconfiança contra Johnson. Ele é o que o UK (Reino Unido) está procurando e fará um grande trabalho."
                               Para marcar o descrédito da manobra de Johnson - de anunciar o recesso - uma petição popular contra essa manobra recolheu um milhão de assinaturas. Isso é bem mais  de o número mínimo de cem mil firmas exigido para que a questão seja debatida pela Câmara dos Comuns.
                                Será que a espúria manobra de Boris Johnson, diante dessa enorme reação popular, terá assim mesmo sucesso? Se tal ocorrer, o que pensar da mãe de todas as democracias ?


( Fontes: O Estado de S. Paulo, The Economist )

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