Xi
Jinping nunca foi surpresa para os especialistas. Com a sua admiração por
Mao, a força da respectiva biografia e apoio interno comunista, ele jamais terá
dado indicações de eventual 'fraqueza' ou tendências liberalizantes.
As fotos divulgadas pela mídia, sob o
peso de enormes bandeiras amarelo e
vermelho, e os dísticos da foice e do martelo, transmitem a mensagem do
homem de terno escuro que sozinho discursa no pulpito da vez, encimado por fileiras
de temíveis dignitários, quebradas
aqui e ali - mas nunca nas primeiras filas - pelo raro e discreto brilho de mais
claros tecidos femininos.
À frente está Xi, sinalizando para os
anônimos delegados da vez, as ordens que o primeiro quinqüênio felizmente
conclui, e as rituais determinações do segundo.
Embora a decoração possa ser diversa, o
cerimonial das ditaduras raramente muda. Talvez a intrínseca força da
personalidade da vez tenda a mandar sinais para os conhecedores que transmitam variáveis correntes, mas se nos ativermos
ao conjunto, essas variações costumam ser muito raras. Através dos tempos, tais
hieráticos quadros nos falam do poder cuja diversidade será sempre ilusória.
Ao contrário das democracias, a regra
estará na unidade das formações. Se os tempos são diversos, a monotonia
desaparece e ressalta a originalidade singular do grupo. Por isso, os líderes
serão tanto mais temíveis e criativos, quanto mais irrequieta e turbulenta a
assembléia.
Recordo-me das imagens da assembléia
revolucionária francesa, irrequieta e percorrida por ondas humanas, que ali
espelham as paixões populares. Ver assim na tribuna a composta figura do líder
Maximilien de Robespierre, com a sua peruca velho
regime, não nos transmite impressões dos tempos da monarquia, mas o impetuoso
despertar das multidões, que, através do laço pungente da câmara de Abel Gance
nos lança e nos confronta sob a metafórica força de enormes vagas oceânicas.
Ali vemos, em aparente desordem, a
pujança da turba ingente, que, a um tempo, assusta e entusiasma. Talvez sejam
os poderes do demo, misturados aos da divindade, que em tempos diferentes e,
por conseguinte, difíceis, não só atemorizem, mas também motivar possam.
Tenham-se, por conseguinte, bem
presente não só as armadilhas, senão a aparência tão desregrada quanto
imaginosa das verdadeiras revoluções.
Quão diversa é a ordem das comportadas
ditaduras se se ousa compará-la à irrequieta, imprevisível e impulsiva
imaginação do ideário das ingentes fantasias da irrepressa contestação.
Dessarte, os grandes elogios da
História, essa velha meretriz para quem o mundo não tem segredos, seja de
alcova, seja da liberdade sem peias, não se dirigem a essas amorfas massas de
compostos anônimos assistentes, senão às desregradas turbas que a cultuam, quer
no cúmplice segredo dos próprios recintos, quer na aberta entrega à solene
missa e, ainda melhor, nas uníssonas sinfonias dos alçados, álacres alaridos
das alegrias estranhas que se escondem nos espaços do espírito sem a estreiteza
nem a estolidez das ditaduras,sejam elas orientais ou ocidentais.
( Fonte: O Estado de S.
Paulo; Napoléon, de Abel Gance (1927) )
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