Com o impeachment de Dilma e a ascensão de Temer, os custos da governabilidade
despencaram e alcançaram os níveis mais baixos da série histórica (média de
15,4 pontos). Além disso, houve uma
inversão radical na sua composição, com 70% dos recursos distribuídos entre
parceiros da coalizão e 30% direcionados ao PMDB.
Nota-se ainda o aumento do número de propostas
legislativas de autoria do Executivo, inclusive reformas constitucionais, a
indicar que o Presidente recuperou o poder de agenda no Congresso. Por fim a
taxa de sucesso dessas iniciativas cresceu consideravelmente.
Isto é, como o gráfico indica, o governo Temer tem sido mais eficiente que seus
predecessores, com aumento do apoio legislativo obtido a um custo relativamente
baixo.
Dito de outro modo, Temer tem sido mais feliz que seus anteces-sores ao perseguir o
objetivo de todo presidente na administração de um governo racional: maximizar
o apoio político com o menor custo possível.
Num ambiente multipartidário, os riscos de
conflitos entre o Executivo e o Legislativo
podem ser multiplicados ou reduzidos de acordo com as escolhas que o
presidente faz para gerenciar sua coalizão. Portanto, ao definir quantos e
quais partidos integrarão sua base, o Chefe do Executivo precisa levar em conta
a preferência ideológica desses parceiros, determinar a quantidade de poder e
de recursos que serão compartilhados entre eles e, finalmente, analisar se a
preferência da sua coalizão espelha a preferência do Congresso.
Essas escolhas são muito
importantes, pois elas têm consequências decisivas para a capacidade de governo
de um presidente e para a qualidade de suas relações com o Legislativo.
Quanto maior o número de partidos
na base, quanto maior a hetegeneidade ideológica entre eles, quanto menor a
proporcionalidade na alocação de recursos (políticos e monetários) e quanto
maior a dife-rença entre as preferências da coalizão e as do plenário do
Congresso, maiores serão as dificuldades de coordenação dos aliados e por
conseguinte, maiores os custos de
governabilidade.
Entretanto, quero destacar que o
equilíbrio em uma coalizão não é estático. Pode variar diante de choques
externos ou internos (crise econômica, escândalo de corrupção, etc.) e quando
os membros da coalizão (presidente e partidos) decidem renegociar a aliança à
luz de novas condições (uma sigla passou a ser mais importante ou o presidente
se fragilizou, por exemplo).
Modificados os termos da
negociação, o governo precisa alcançar novo equilíbrio, o que engendra uma nova
matriz de custos.
Diferenças. Quando se analisam esses fatores, ficam evidentes as dis-paridades
das escolhas de montagem e gerência de alianças.
FHC,
por exemplo, montou uma coalizão com um número baixo de parceiros (média de 4 e
4,6 siglas). A heterogeneidade ideológica de seus governos foi muito parecida e
relativamente baixa.31 e 30,5 pontos, respectivamente - cálculo feito a partir
dos dados de ideologia partidária propostos por Timothy Power e Cesar Zucco
(2012), através de pesquisa de opinião entre os próprios legisladores.
Com a chegada do PT ao poder,
especialmente no primeiro mandato de Lula,
a heterogeneidade ideológica da coalizão governista aumenta bastante,
alcançando o patamar de 48 pontos,na média.Parti- cularmente nos seus primeiros
meses de governo, a base aliada atingiu o pico de diversidade ideológica na
série, com 54 pontos.
No segundo mandato do petista, o valor
médio da heterogeneidade da coalizão caíu um pouco, mas ainda permaneceu
comparativamente muito alto, com 42 pontos. O número de siglas na base
governista também era elevado (média de 7,7 e 9,1 partidos no primeiro e
segundo governos, respectivamente).
Dilma
também montou coalizão com um grande número de le-gendas (média de 7,8 e 7,9
partidos). No primeiro mandato, a heteroge- neidade média da base voltou a
subir para 45,5 pontos, demonstrando mais uma vez a dificuldade do PT de montar
alianças congruentes com seu perfil ideológico.
Após sua
reeleição, com uma estratégia clara de sobrevivência política, Dilma reduziu bastante a
heterogeneidade média de sua coalizão, mas ainda assim para um nível elevado
(quase 37,7 pontos).
Temer,por
sua vez, lidando com a maior fragmentação partidária da história do
presidencialismo brasileiro, montou uma coalizão com o maior número de aliados
(dez). Ainda assim, tem conseguido gerenciar a coalizão ideologicamente menos
heterogênea da série, apenas 27,1 pontos na média.
Essa constatação empírica joga por
terra a pressuposição de que fragmentação partidária necessariamente leva presidentes
a gerenciar coalizões ideologicamente heterogêneas ou mais caras.
Divisão de
Poder.
Com relação à concentração de poder, ela foi medida pelo índice de
coalescência, consagrado na literatura (Octavio
Amorim Neto, 2006), que mede o
grau de proporcionalidade entre o gasto com os partidos e o peso de cada um
deles na coalizão- quanto mais próximo de cem, mais proporcional é a divisão de
poder.
Temer,
além de reduzir o número de ministérios, decidiu com-partilhar muitos espaços
com os aliados. Essa estratégia levou sua coalizão a apresentar o nível mais
alto de proporcionalidade da série (média de 80,4 pontos).
As gestões do PT, em contraste,
tiveram tendência de baixo com- partilhamento de poder com aliados. Lula, em seu primeiro mandato, alocou
21 (60%) dos seus 35 ministérios para membros do próprio PT, que ocupava 18%
das cadeiras na Câmara. O PMDB, que detinha 15% de cadeiras na Câmara, recebeu
dois ministérios (6%). Em consequência, a proporcionalidade de sua coalizão foi
relativamente mais baixa (média de 65,5 pontos).
No segundo mandato, Lula melhorou a proporcionalidade da
coalizão (média de 69,1 pontos), mas o índice de coalescência ainda ficou
abaixo do registrado nos governos FHC
(média de 71,4 e 73,8).
Dilma
manteve prática muito parecida com o padrão monopolista do governo Lula, com
46% dos ministérios distribuídos para o PT no primeiro mandato, partido que
ocupava 17% de cadeiras na Câmara. A proporcionalidade de sua coalizão ficou em
torno de 68,9 pontos. No seu segundo
mandato, fez um esforço considerável de compartilhamento de poder com os
aliados, alcançando média de 75,6 pontos.
A decisão de Dilma de montar coalizões menos heterogêneas e menos monopolistas
proporcionaram uma redução em seus custos de gerência. É possível, porém, que
esse esforço tenha ocorrido tardiamente,
pois não foram efetivos para evitar a quebra da coalizão e barrar seu impeachment.
E mesmo que do ponto de vista
aritmético coalizões petistas tenham sido majoritárias, suas preferências
ideológicas, na média, ficavam distantes das preferências do plenário. A
exceção ficou por conta do segundo mandato de Dilma, quando, numa tentativa quase desesperada de sobrevivência,
aproximou-se da mediana do plenário.
FHC
e Temer, por outro lado, montaram coalizões que, na média, espelharam as
preferências ideológicas do plenário.
Os impactos das escolhas na gerência da
coalizão vão além dos custos da governabilidade. A depender das circunstâncias,
eles podem afetar a dinâmica do Congresso e ajudar a determinar o resultado da
eleição para a presidência da Câmara, por exemplo, peça-chave no controle da
agenda legislativa.
Jogar o
Jogo. Com frequência, o papel relevante de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no impeachment
de Dilma é tomado como elemento exógeno, como se sua ascensão repentina fosse
obra do imponderável. Essa perspectiva, no entanto, desconsidera como e porque
ele chegou ao co-mando da Câmara.
A emergência e a atuação de Cunha
resultaram das escolhas de gerência de coalizão do PT, e não de
disfuncionalidades do presidencialismo de coalizão ou de idiossincrasias da
personalidade do ex-deputado. Não fosse a estratégia monopolista de gestão da
base aliada e a tentativa petista de desidratar o PMDB, talvez a eleição para
a presidência da Câmara tivesse desfecho diferente.
Para um parceiro político que já
não vinha sendo recompensado de acordo com o seu peso no Congresso durante
todos os governos petistas, a quebra da coalizão parecia uma questão de tempo e
de oportunidade. O acúmulo de animosidades era evidente.
Naturalmente, a exposição de contas secretas
de Cunha, feita no bojo da Lava-Jato, abalou o equilíbrio da coalizão. O preço
que ele cobrou pela sua proteção se tornou proibitivo para o governo e o PT,
mesmo diante dos riscos de que o então presidente da Câmara desse sequência aos
sucessivos pedidos de impeachment.
O jogo, assim, adquiriu uma
dimensão de sobrevivência individual,e as promessas do governo de salvar Cunha
da cassação deixaram de ser críveis; desde o julgamento do mensalão pelo
Supremo Tribunal Federal,os órgãos de controle saíram do controle dos
políticos.
Diante de sucessivos
mal-entendidos, insatisfações pelas pro-messas não cumpridas e pelo acesso
reduzido ao poder e a recursos controlados desproporcionalmente pelo PT, os
aliados começaram a construir alternativas para aumentar o seu poder de barganha nas negociações e tentar reequilibrar a distribuição de poder
e recursos.
Em presidencialismos
multipartidários, portanto, o presidente precisa saber manusear as ferramentas
de manutenção e gerência de sua coalizão se quiser ser efetivo no Legislativo a
um custo de governabilidade relativamente baixo.
Além do mais, o Executivo não pode
ignorar as preferências do Congresso se desejar terminar o seu mandato, mesmo
que isso implique perdas de sua popularidade e/ou ajustes momentâneos de sua
preferência política.
Numa
inversão do ditado americano sobre o governo paralisado diante de uma ineficiênte
gerência de coalizão,o contrário do progresso
deixa de ser o Congresso e passa a ser o
próprio presidente.
( Fontes: Carlos Pereira em Folha de S. Paulo )
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