De uns tempos para cá dizer que aumentou o
uso da bicicleta no Rio seria uma imprecisão.
Pois os ciclistas - em Ipanema, pelo menos - estão em toda parte.
Mas
não imagine, caro leitor, que essa explosão da bicicleta se situe nas ruas e
logradouros cariocas. Ela, na verdade, tem aumentado bastante, mas esse
incremento não se vê especialmente nas ciclovias, nas ruas e avenidas. Os ciclistas preferem a prudência e para
tanto invadem espaços que não lhes pertencem.
Quanto estive - e não faz muito - em Paris, a utilização da bicicleta
também me despertou a atenção, porque divergia bastante da época anterior em
que tivera a felicidade de residir por uns três anos na cidade luz. Uso o perfeito do passado e não por acaso. Faz muito
tempo em que a carreira diplomática me levou àquela metrópole da Humanidade.
E por
que razão o emprego da bicicleta diferia
então de o que ele é atualmente ? Hoje a
bicicleta é muito mais utilizada para o transporte individual do que no
passado. Embora também sirva para fins de passeio, o usuário ciclista francês
utiliza vestuário próprio, pelo menos com uma espécie de capacete de couro
para proteger-lhe a cabeça, além de calçado próprio para tal transporte. Mas
essa diferença com o informalismo do ciclista brasileiro não se limita à
vestimenta. O ciclista francês procura ater-se à sua via, e respeita todas as
sinalizações do trânsito, parando nos sinais, como se fora um veículo como os
outros, o que de fato o é a bicicleta em Paris.
A
despeito do individualismo desse transporte, em Paris o ciclista não invade
espaços que sabe não serem seus, e assim procede não só por disciplina, mas
também por inteligência, para adequar-se às vias que mais lhe protegem. Não
ignoro que no Brasil - e nas grandes metrópoles, como Rio e São Paulo - também
o ciclista tem todo interesse em adequar-se às leis do trânsito, porque elas
também existem para eles.
Sem
embargo, no Rio, é muito comum ver ciclistas virem pela contramão, como um -
que depois se desmanchou em desculpas - e que quase atropela minha esposa. Isto seria inadmissível na Cidade-Luz não só
porque existem disposições regulamentares, mas também pela circunstância de
que os usuários desse meio de transporte têm muita consciência de o que ele lhes
oferece, e de o que devam ter presente em termos da própria segurança e
daquela dos demais.
Ao
ver um ciclista carioca, em geral se contempla o retrato do individualismo,
levado infelizmente às últimas consequências, porque pressupõe uma rebeldia
que não faz nenhum sentido, se pedala-se
uma bicicleta que pela sua intrínseca
fragilidade carece de que os demais também obedeçam as regras do trânsito.
Assim, ao invés de o que fazem em Pindorama, é também do respectivo
interesse não só respeitar os sinais - ao contrário do trêfego ciclista carioca
que vinha pela contramão e à toda, pondo em risco a segurança de minha esposa.
Tais senhores, depois do incidente, se desmancham em mesuras e desculpas.
Creio muito melhor dispensá-las, enquanto se obedece, no interesse comum, à lei
que é para todos.
Por
isso, me permito discordar quando entoam loas ao ciclista tupiniquim. Além de
falta de cultura, a ausência de disciplina e de respeito à lei do trânsito é triste
mostra de irresponsabilidade coletiva.
O que se vê - e em forma crescente - em
termos de invasão pelas bicicletas do espaço próprio dos pedestres - que é a
prosaica calçada - reflete não só falta de um mínimo de disciplina citadina,
mas também olímpica indiferença da autoridade responsável em determinar as
necessárias condições que devam presidir à circulação das bicicletas.
Temos
o hábito de mascarar a verdade com determinações, por vezes germânicas na
aparência, mas demasiado tupiniquins na realidade. É uma autoridade vazia, que
na verdade constitui apenas máscara que poderia ser usada ... no carnaval. Se
ele nasceu em Veneza, onde solitários e tristonhos, pierrôs nos aparecem,
vagando por ruelas e canaletas,
atravessando pontes por onde se esgueiram águas escuras,saídas quiçá do Canal
Grande, e em meio ao branco encardido das demais casinholas, enquanto se caminha
depressa, buscando a Praça de São Marcos, esse salão de baile, ao pé da
Catedral.
Mas voltemos ao torrão de Marcello
Crivela, o sucessor de Eduardo Paes. Ao bem-sucedido ativismo do nosso
ex-prefeito, que venceu o desafio das Olimpíadas, resultado que só seria
possível com grande ativismo e enorme disposição para o trabalho, ora nos deparamos com a placitude de seu
sucessor. Talvez a disposição do segundo esteja na ordem das coisas, como no
quadro da filosofia chinesa com o yin e o yang.
Se não é pouco enfrentar em Pindorama o que representam como pedra no
caminho as Olimpíadas - e sou insuspeito
para declarar que Eduardo Paes venceu tal desafio, ao contrário de o que
vaticinavam os nossos amigos paulistas - quero crer que agora já é tempo de o
Senhor Marcello Crivela dizer ao que veio, fazendo-se mais presente nessa um
tanto abandonada mas mui leal cidade de
São Sebastião do Rio de Janeiro.
(
Fontes: Arnold Toynbee, Carlos Drummond de
Andrade, Paris e Veneza )
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