Embora
supostamente as duas intervenções não hajam sido coordenadas, a impressão é de
que correspondam à sensação de desconforto do estamento político americano
diante do comportamento e das atitudes do novo presidente Donald Trump.
Reporto-me nesse sentido às alocuções do ex-presidente George W. Bush e do
também ex-presidente Barack Obama.
Mesmo que a reação haja sido espontânea
e não combinada, semelha difícil não entrever nas declarações dos dois
antecessores a reação bipartidária contra o rumo que vem tomando a presidência
de Trump, com o regurgitar de teses como o isolacionismo e a consequente
desconfiança diante do estrangeiro e da suposta ameaça que viria a colocar para
a Nação, que muito deve ao aporte
trazido pela imigração.
Tampouco não se terá presente que, logo
após de sua posse, o presidente Trump traria uma leva de medidas
anti-imigratórias, que visavam notadamente a países árabes e muçulmanos. Também
creio não se terá esquecido do papel maiúsculo de então modesta autoridade
substituta na Secretaria responsável pelas questões migratórias. Como se terá
presente - e tomo a liberdade de reevocar a sua participação pelo seu caráter
relevante, que tanto se insere na reação atitudinal da autoridade americana,
qualquer que seja a respectiva hierarquia funcional.
Nesse contexto, quero crer que uma funcionária
de nível ainda modesto se inseriu, por sua coragem e competência funcional, no
seleto grupo de funcionários que respeitam a Lei, ainda que diante da nova e poderosa
autoridade. Como não se terá esquecido,
Sally Yates, então interina na Secretaria da Justiça, não trepidara em
derrubar a primeira leva de medidas anti-imigratórias do presidente Trump.
Por
força disso, ela seria prontamente afastada, e um pouco mais tarde travaria
memorável diálogo com o senador republicano Ted Cruz, do Texas, que, com ar
patronizante, pergunta à testemunha Sally Yates convocada a subcomitê judiciário
do Senado: A senhora está familiarizada com a 8 USC Seção 1182? "Não assim
de improviso", respondeu Yates. Com ar professoral, Cruz complementou:
"a autoridade coercitiva estatutária para a Ordem Executiva que a senhora
se recusou a cumprir, e que determinaram a sua demissão."
Para esclarecer
mais, Cruz leu uma parte do estatuto, que autoriza o Presidente de "suspender
a entrada de todos os estrangeiros ou de qualquer classe de estrangeiro como
imigrantes", aduziu o sorridente Senador Cruz.
Diante disso, a senhora Yates exclamou:
"conheço esse estatuto! E também estou familiarizada com uma cláusula
adicional da Lei sobre a Imigração e a Nacionalidade (INA) "que reza que
ninguém terá tratamento preferencial ou será discriminado na outorga de um
visto por causa de raça, nacionalidade ou lugar de nascimento".
Essa parte
da Lei eu penso que foi promulgada depois da disposição estatutária que o
senhor acaba de mencionar.
Enquanto Subsecretária a senhora Yates assinalou,
que, além do texto acima citado, ela tinha que verificar se a Ordem Executiva
de Trump violava a Constituição.
Esta
resposta memorável de uma ex-subsecretária de Justiça, dava uma lição de
democracia americana, mas pelo visto o republicano Ted Cruz diante da resposta
dessa corajosa funcionária desapareceria em seguida, já despojado da sua
anterior segurança de quem acredita vá tosquiar alguém - e, na verdade, a
democracia americana e a sra. Yates seriam quem ministraria a lição para o
senador que logo desapareceria de cena.
Voltando às duas reações do estamento
político americano, nem o discurso de George W. Bush, nem aquele de Barack
Obama passam a ideia de terem sido coordenados, mas é como se fora. O nome do
Presidente Donald Trump tampouco é mencionado, mas para quem ouve as duas
intervenções, é como se fora.
E essa concordância dos dois
antecessores diretos de Trump - aquele republicano e este democrata - se
reflete em uma série de observações, que não carecem de apontar de quem se
trata, para que a referência continue óbvia e flagrante.
O mal-estar da presidência Trump e a sua
constante menção de questões que dividem e que, ao invés de unir, tendem a
acirrar os ânimos, traz para o centro do diálogo matérias que carregam desconforto, transmitindo dos Estados Unidos uma visão conflitiva que não se
coaduna com a perspectiva desses dois seus antecessores, ambos presidentes de
consenso, e que se incluem entre aqueles que completaram os rituais dois
mandatos.
( Fontes: Rede Globo, The New York Times,
The New Yorker )
Nenhum comentário:
Postar um comentário