Com o imprevisível Donald Trump na presidência, as próximas eleições prometem
surpresas. Para determinar quem há de sofrer tais reviravoltas, é outra
estória, que nem sempre o conhecimento da política pode assegurar.
Veja-se, v.g., o artigo de Frank Bruni, do New York Times. A sua aparente simpatia pelos democratas deve ser
verificada com o paciente cuidado de um minerador, que não se deixe enganar
pelo enganador brilho de uma pedrinha aqui e outra acolá.
No Alabama, v.g., a recente vitória na primária por um dito fóssil da política,
contra o candidato favorecido pela Casa Branca pode ser representativa de um
momento isolado ou de uma tendência.
Como um observador vacinado contra o gerrymander, me surpreende o otimismo
quanto a uma possível volta dos democratas para a maioria na Câmara baixa. Ainda não se esqueceu que, excetuados os dois
primeiros aninhos dos mandatos de Barack Obama, o partido do burrinho esteve
sempre na minoria no que tange à Camara dos Representantes. Após lograrem aprovar a Reforma da Saúde (a lei do tratamento custeável), legislação esta,
denegrida por decênios e, entretanto com
fôlego suficiente para vencer os desafios do Supremo, e mais tarde de
Administração Republicana que na própria hübris
pensara possível esquartejá- la, agora me compraz ouvir, por vez primeira, que afinal de contas a meta de o Partido
Democrata alcançar a maioria tanto no Senado, quanto na Câmara, não é mais um
sonho de verão, mas sim algo que possa acontecer.
As administrações ruins - como a de
Trump - podem ser generosas com a oposição. Antes o gerrymander funcionara como uma senhora pedra no caminho dos
democratas. Autoridades jornalísticas como Elizabeth Drew escreveram acerca
desse flagelo na política americana, que é o gerrymander, sobretudo a sua influência na Casa de Representantes,
influência esta que só permitiu a Obama ter esse Ramo de Legislativo favorável
à sua presidência, no seu biênio inicial, quando Nancy Pelosi como Madam Speaker lograra fazer aprovar a Reforma da Saúde. Ainda há poucas
semanas ela voltou a mostrar a sua qualidade, rechaçando a demencial investida
do líder Mitch McConnell no Senado, e
permanecendo em vigor, não obstante os frenéticos esforços da maioria do GOP no Senado, que pensava poder ver-se
livre de tal para eles engonço, saído dos tempos de Pelosi na presidência da
Câmara.
Surpreende-me,
por conseguinte, que a peçonha do articulista se volte contra a líder democrata
Pelosi, dela fazendo pouco como se fora um sáurio liberal do estado da
California. Para ele, te-la como líder da bancada de representantes democratas
equivaleria a condená-la à minoria.
Parece
estranho e sem embargo é tristemente previsível essa suposta ojeriza à líder que
guia a bancada minoritária democrata por todos esses anos, em que a Casa de
Representantes empalidecera na política, funcionando apenas como máquina dirigida
para atrapalhar o morador da Casa Branca.
Se
Nancy Pelosi aguentou o rojão da travessia do deserto, agora que se
principia a discernir no horizonte que é possível chegarem os democratas a ser
maioria, tanto na velha Câmara do gerrymander,
quanto no Senado, será boa, na verdade, preciosa oportunidade de que os
democratas voltem a ter voz em capítulo. Afastar da Câmara a nuvem negra do gerrymander - ganhar 24 assentos na
próxima eleição intermediária, com a preciosa ajuda de um governo medíocre como
o de Trump, torna-se agora não só possível,
mas também provável, e é um fanal que brilhará especialmente para
representantes da qualidade da Pelosi.
Segundo o artigo de Frank Bruni, há
outra ironia que pode repontar na próxima curva do caminho. Ele nos recorda que
situação similar no passado surgira com o governo do sucessor de F.D.R., aquele
que eles carimbaram de medíocre e que os surprenderia com a foto histórica do
sorridente Harry Truman segurando o jornal que proclamava a "vitória"
de Dewey na eleição de 1948...
Há muitas coisas erradas na política
americana. A longa caminhada para mandar para o museu o atual sistema de
votação indireta para presidente já começa a pedir para que se vire a página de
um esquema do século XVIII para outro do século XXI. É embaraçoso que a democracia americana tenha
que 'explicar' a vitória de candidatos minoritários como George Walter Bush contra
Albert V. Gore, no limiar do século, e agora, Donald J.Trump contra Hillary R.
Clinton. Por vezes, o 'vencedor' como Trump se vê quase forçado a inventar escalafobéticas
estórias de estrangeiros engrossando o número de sufrágios, como na sua por
vezes fértil imaginação teria ocorrido com a votação numérica, essa patética
gata borralheira americana, que em todas as demais democracias que se prezam
serve para determinar quem ganhou e quem perdeu...
(Fontes: The New York Times,C.
Drummond de Andrade, Elizabeth Drew)
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