domingo, 1 de outubro de 2017

As eleições intermediárias

                    

        Com o imprevisível Donald Trump na presidência, as próximas eleições prometem surpresas. Para determinar quem há de sofrer tais reviravoltas, é outra estória, que nem sempre o conhecimento da política pode assegurar.
        Veja-se, v.g.,  o artigo de Frank Bruni, do New York Times. A sua aparente simpatia pelos democratas deve ser verificada com o paciente cuidado de um minerador, que não se deixe enganar pelo enganador brilho de uma pedrinha aqui e outra acolá.
         No Alabama, v.g., a recente vitória na primária por um dito fóssil da política, contra o candidato favorecido pela Casa Branca pode ser representativa de um momento isolado ou de uma tendência.
         Como um observador vacinado contra o gerrymander, me surpreende o otimismo quanto a uma possível volta dos democratas para a maioria na Câmara baixa.  Ainda não se esqueceu que, excetuados os dois primeiros aninhos dos mandatos de Barack Obama, o partido do burrinho esteve sempre na minoria no que tange  à Camara  dos Representantes.  Após lograrem aprovar a Reforma da Saúde (a lei do tratamento custeável), legislação esta, denegrida por decênios  e, entretanto com fôlego suficiente para vencer os desafios do Supremo, e mais tarde de Administração Republicana que na própria hübris pensara possível esquartejá- la, agora me compraz ouvir, por vez primeira,  que afinal de contas a meta de o Partido Democrata alcançar a maioria tanto no Senado, quanto na Câmara, não é mais um sonho de verão, mas sim algo que possa acontecer.
        As administrações ruins - como a de Trump - podem ser generosas com a oposição. Antes o gerrymander funcionara como uma senhora pedra no caminho dos democratas. Autoridades jornalísticas como Elizabeth Drew escreveram acerca desse flagelo na política americana, que é o gerrymander, sobretudo a sua influência na Casa de Representantes, influência esta que só permitiu a Obama ter esse Ramo de Legislativo favorável à sua presidência, no seu biênio inicial, quando Nancy Pelosi como Madam Speaker lograra fazer aprovar a Reforma da Saúde. Ainda há poucas semanas ela voltou a mostrar a sua qualidade, rechaçando a demencial investida do líder Mitch McConnell no Senado, e permanecendo em vigor, não obstante os frenéticos esforços da maioria do GOP no Senado, que pensava poder ver-se livre de tal para eles engonço, saído dos tempos de Pelosi na presidência da Câmara.
        Surpreende-me, por conseguinte, que a peçonha do articulista se volte contra a líder democrata Pelosi, dela fazendo pouco como se fora um sáurio liberal do estado da California. Para ele, te-la como líder da bancada de representantes democratas equivaleria a condená-la à minoria.
      Parece estranho e sem embargo é tristemente previsível essa suposta ojeriza à líder que guia a bancada minoritária democrata por todos esses anos, em que a Casa de Representantes empalidecera na política, funcionando apenas como máquina dirigida para atrapalhar o morador da Casa Branca.
      Se  Nancy Pelosi aguentou o rojão da travessia do deserto, agora que se principia a discernir no horizonte que é possível chegarem os democratas a ser maioria, tanto na velha Câmara do gerrymander, quanto no Senado, será boa, na verdade, preciosa oportunidade de que os democratas voltem a ter voz em capítulo. Afastar da Câmara a nuvem negra do gerrymander - ganhar 24 assentos na próxima eleição intermediária, com a preciosa ajuda de um governo medíocre como o de Trump, torna-se agora não só possível, mas também provável, e é um fanal que brilhará especialmente para representantes da qualidade da Pelosi.
        Segundo o artigo de Frank Bruni, há outra ironia que pode repontar na próxima curva do caminho. Ele nos recorda que situação similar no passado surgira com o governo do sucessor de F.D.R., aquele que eles carimbaram de medíocre e que os surprenderia com a foto histórica do sorridente Harry Truman segurando o jornal que proclamava a "vitória" de Dewey na eleição de 1948...
         Há muitas coisas erradas na política americana. A longa caminhada para mandar para o museu o atual sistema de votação indireta para presidente já começa a pedir para que se vire a página de um esquema do século XVIII para outro do século XXI.  É embaraçoso que a democracia americana tenha que 'explicar' a vitória de candidatos minoritários como George Walter Bush contra Albert V. Gore, no limiar do século, e agora, Donald J.Trump contra Hillary R. Clinton. Por vezes, o 'vencedor' como Trump se vê quase forçado a inventar escalafobéticas estórias de estrangeiros engrossando o número de sufrágios, como na sua por vezes fértil imaginação teria ocorrido com a votação numérica, essa patética gata borralheira americana, que em todas as demais democracias que se prezam serve para determinar quem ganhou e quem perdeu...


(Fontes: The New York Times,C. Drummond de Andrade, Elizabeth Drew)  

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