Com a partida da Rocinha da guarnição do
Exército, a edição de domingo de O Globo em sua primeira página assinala
melhoras na qualidade de vida que a
violência tende a expulsar das favelas.
A favela deixa de ser o que as Unidades
de Polícia Pacificadora (UPPs) iriam trazer no plano inicial, conforme exibido
na colossal montagem da 'recuperação do Morro do Alemão' pela unidade da polícia pacificadora.
Nunca uma mentira teve tanto poder de
persuasão. Montou-se um teleférico, comissionou-se uma novela pela tevê e se
teve o dúbio privilégio de assistir a uma estória da Carochinha, só que entre
os assistentes estava presente a vontade de acreditar que as favelas podiam ser
integradas e virarem bairros da cidade do asfalto.
Como a primeira favela pacificada, a
de Santa Marta já era considerada como plenamente integrada, o negócio era
pensar grande e imaginar um futuro melhor para todos, moradores do asfalto e
ex-favelados, ora destinados a uma existência quase-normal.
A Rocinha, a maior favela de todas, teria uma
estrutura de bairro citadino. Nesse sentido, o programa das UPPs incluía clínicas de família, agências
bancárias, mas também bibliotecas e escolas de musica.
Não há de esquecer-se que a TV Globo
fez várias novelas de que uma parte transcorria em favelas, com serviços de
transporte (moto-boys), restaurantes, além de agências bancárias.
Ao abandonar a segurança nas
favelas, o esquema das UPPs cortou a veia principal da esperança e das
realizações a ela conexas.
Estava ali o viço da esperança no
aguardo de um tempo novo que virasse a página de tudo de mau e ruim que por lá
passara. Ao desestruturar o esquema, ao negar-lhe fundos, a administração
estadual brincava com o que não podia sequer deixar entrever a possibilidade.
Pois se a esperança é uma planta
que responde a quem lhe trata com respeito e carinho, ela também - e sobretudo
na sua fase primeira, em que vai mostrando que a realidade por feia e bruta que
seja, pode ser mudada com o desvelo, o
apoio da comunidade e a sua continuação dia após dia. Ela é delicada e exige
apenas de seus jardineiros que eles perdurem na própria atividade. Nada mais
belo do que a radicalidade da esperança.
Como toda a planta, e em especial
na sua fase de crescimento e afirmação, a esperança só exige que a comunidade a
abrace com força, de forma que as incertezas do crescimento sejam pronto
superadas pela certeza do sucesso e desse reforço que vem naturalmente de uma
planta sadia, de que se retira com oportunidade o inço dos desvios, das
atitudes antissociais.
Toda a vegetação nasce pequena, ela
carece, como toda criatura, de desvelo, apoio e sobretudo pertinácia.
Se falta à comunidade essa união
na esperança e no trabalho, como poderá ela ultrapassar a fase do crescimento e
das dúvidas?
Por isso, a imagem de tais
projetos não pode ser a fogueira, eis que as labaredas vão alto, mas em geral
ela se auto-consome.
A pertinácia da formiga, da
confiança que supera o obstáculo inesperado, a vontade de chegar lá, foi o que faltou.
E se falha um elo da cadeia,
o seu viço e a sua força irão desaparecendo.
Crescem as quizílias. A
dúvida está em toda a parte. E será assim que os projetos melhores irão se
desfazendo, eis que se irão afrouxando os
laços fortes de esperança.
Ao sentir-se então que ela
partiu, o projeto se desfaz, e como o organismo sem defesas, ele vai ser
invadido por toda parte, até que fique irreconhecível.
(
Fonte: O
Globo )
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