Merece atenção especial o editorial
hodierno do Estado de S. Paulo, a propósito da prisão preventiva mantida
pelo TRF 3º dos irmãos Joesley e Wesley Batista, decretada pelo Juiz da 6ª Vara
Federal de São Paulo, em inquérito que apura o uso indevido de informação privilegiada
em operação financeira.
Também a nova Procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, enviou parecer ao STF a favor da manutenção da prisão
preventiva de Joesley Batista e de Ricardo Saud, decretada pelo Ministro Luiz
Edson Fachin após o então procurador-geral
Rodrigo Janot, relatar de gravação
com indícios de irregularidade, no que tange à notória colaboração
premiada dos dois indigitados acima com
a PGR.
Diante da impressão de que a Justiça
afinal conseguiu superar sua tradicional morosidade, é importante, no entanto,
ter presente que a ocorrência de tais melhorias foi produto de mudanças na
legislação, que terá permitido aos responsáveis agilizar as investigações.
Como enfatiza, no entanto, o Estadão
nem todas as mudanças na lei penal e processual penal merecem aplausos
irrestritos. Com efeito, e dependendo de sua interpretação, não poucas dessas
alterações podem configurar um perigoso atropelo do devido processo penal.
É o que estaria ocorrendo com a Lei
12.403/11, que ampliou a aplicação das chamadas medidas cautelares. Nesse
sentido, a legislação passou a permitir, dentro de caráter de normalidade - e
não como exceção - a antecipação de medidas que deveriam ser aplicadas apenas
no fim do devido processo legal.
Sob tal pressuposto, se a prisão é
uma pena, habitualmente ela deve ser aplicada somente depois de o Estado
comprovar, por meio do cumprimento rigoroso do processo penal, quem foi o
criminoso. Ao aplicar medidas
restritivas de liberdade no início do processo penal - e, às vezes, antes mesmo
do processo, em fase investigativa -, fere-se o princípio da presunção de
inocência, dando por certo que o réu, ou o investigado, é culpado.
Dentro desse tortuoso raciocínio,
o uso generalizado da prisão preventiva no País nos últimos tempos evidencia
que ela se tornou uma antecipação de pena, o que é manifestamente ilegal. Com
frequência, por conseguinte, veem-se pedidos de prisão do Ministério Público
sem uma mínima fundamentação, havendo apenas alusões a eventuais e genéricos
riscos à investigação, à instrução criminal, à ordem pública e à aplicação da
Lei penal. Não raro, o raciocínio de
fundo é simplório: o réu é culpado e, portanto, ele tentará destruir as provas
e, nesse contexto, será preferível prendê-lo...
Esta Lei nº 12.403/11 exige,
em verdade, aplicação cuidadosa. Pois ela permite ao Juiz, em caso de
descumprimento de medida cautelar, decretar a prisão preventiva do acusado,
ainda que a pena prevista para o suposto crime não seja a prisão de seu autor
(!). Antes de ser condenado, o acusado poderia, em tese, receber uma pena mais
pesada do que aquela que poderia receber ao final do processo - o que é um
óbvio contrassenso.
Por certo, às vezes, a prisão
preventiva será necessária. O que não se pode fazer é transformá-la em
algo habitual, como se ela solucionasse o problema da impunidade. A
solução é justamente fazer cumprir o processo penals. Não é apenas prender.
Essa antecipação das
consequências do processo penal - o fenômeno que juristas chamam de "cautelarização do processo" - induz a grave erro. Transmite a impressão de que a justiça foi
feita quando, em verdade, ela ainda está em suas fases iniciais.
Ora, sem processo, não há
justiça possível. Os atalhos para a
eficácia do Judiciário são, na verdade, caminhos para o arbítrio.
( Fonte: O Estado de S.
Paulo )
Creio este editorial como
de grande importância. A antecipação da pena - na sua face virtual - é decerto
uma simplificação perigosa e cômoda para tentar diluir a difundida impressão da
morosidade na Justiça. É preferível que a justiça seja lenta, ao invés de
demasiado rápida, para que se evite a injustiça do pré-carimbo de culpado.
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