Deveria ser um festival de country music. O palco designado, o Mandalay Bay Resort and
Casino, na meca (versão americana) da jogatina, Las Vegas.
Acorreu muita gente jovem, que gosta
dessa típica música americana.
O único problema quanto ao caráter
da diversão é que da janela de um hotel,
em andar alto, panorâmico mesmo, e por
isso com visão privilegiada sobre
a festança, estava presente também um sexagenário aposentado.
Era Stephen Paddock, de 64 anos.
Há alguma coisa que deve ser muito
ofensiva para esses aposentados, que gostam de jogar, mas também de atirar.
Lá estava ele com a arma
automática, que lhe possibilitou matar 58 pessoas e ferir umas quinhentas.
Em termos de massacres, é performance que impressiona.
O velhote aposentado está morto. Não
está esclarecido se ele se matou ou se foi abatido por um policial.
Mas o que mais me impressiona é a
repetição - e seria monótona se não fosse bárbara e estúpida - dessas
ocorrências nos Estados Unidos. Dir-se-ía que há muita gente doente, mas sempre
armada até os dentes, pela incrível facilidade com que adquirem tais máquinas
da morte, capazes de desempenhos a assombrar especialistas no ramo, pelas
facilidades que apresentam em abater indivíduos à distância, jovens alegres e
desconhecidos, que pensavam estar ali para divertir-se. O roteiro é decerto monótono, porque as
vítimas assassinadas morrem sem qualquer motivo, a não ser, é lógico, o covarde
temor do Congresso americano em regular - enquanto se sucedem os massacres - a
aquisição dessas jóias do armamentismo moderno.
Cinicamente fundados em uma das
primeiras emendas da Constituição americana - no tempo das diligências e dos
bárbaros indígenas que atacavam os americanos, suas carroças e rebanhos, só
porque eles adentravam terras que os índios julgavam suas, lá estando há
centenas de anos - consideram muitos americanos um sacrossanto direito o porte
de armas.
Como se há de intuir, esse 'direito'
moderno de adquirir arma automática, com a possibilidade de abater - pois é esta
a palavra - desconhecidos, embora seres humanos, e às centenas, foi erigido na
prática a um apanágio constitucional do bom patriota americano.
É um golpe cruel o da N.R.A. (National
Rifle Association) e o das indústrias produtoras de armas.
É o direito de matar. Todas as
reservas são afastadas como curriculum
vitae, problemas de comportamento, e até o ponto em
que se vende no mercado, para qualquer um (em geral, sem perguntas), e se põe
nas mãos delicadas dos assassinos verdadeiras máquinas da morte, capazes de
tais hecatombes que são a macabra distinção do ethos americano. Se nem massacre em escola infantil e um presidente
choroso foram capazes de amolecer os corações da N.R.A., das usinas de armas de
todo gênero, e dos próprios parlamentares que, na defesa da pátria e de seus
costumes, estão fechados e não abrem, senão para escancarar as portas dessas usinas
da morte.
( Fonte: The New York Times )
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