quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Trump na ONU

                              
      O discurso do presidente Trump nas Nações Unidas se caracteriza por dois tipos de reação: os que preveem o que será dito, e tomam a iniciativa de ausentar-se do auditório - como se deu com as missões da Coréia do Norte e do Irã; e os que preferem receber-lhe as polêmicas posições como incitamentos ao diálogo, como o presidente Macron, da França, no que tange ao acordo de Paris sobre o clima. Atitude similar foi tomada pelo secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres. Terá,  outrossim, contribuído para a contida reação do líder Xi Jinping,  da RPC, um telefonema de Trump para o presidente chinês na véspera, como observa o New York Times.
       Como seria de esperar-se - dadas as suas ligações com o Presidente Vladimir Putin - que  Donald Trump tornaria quase um espectro em termos de discrição a sua menção a intervenção da Federação Russa na Ucrânia e, especialmente, a anexação da Criméia,  que foi inclusive objeto de Recomendação da Assembléia Geral das Nações Unidas, eis que estava fora dos limites levar a questão ao Conselho de Segurança, onde a Rússia, com o poder de veto, inviabilizaria qualquer avanço na matéria. É uma pecha para o Itamaraty de Dilma Rousseff, que, por ordem da petista - seja por ideologia, ou ignorância - mandou instruir a delegação do Brasil a apelar para a abstenção nesse grave desrespeito para tratar daquela  brutal intervenção no que tange a um país soberano, membro das Nações Unidas.
          Dentre a quebrada cristaleria internacional pelo Presidente Trump, assinale-se a sua postura positiva no que tange à tentativa de isolamento do Qatar, que está sendo investido por uma coalizão liderada pela Arábia Saudita e outros países não-exatamente democráticos. Fazendo meia-volta volver em radicais acusações anteriores, Trump e o seu ramo de oliveira para o Emir do Qatar, o xeque Tamim bin Hamad al-Thani, foi por este último muito bem recebido: "temos um problema com nossos vizinhos, e a sua intervenção ajudará bastante, e estou certo que encontraremos uma solução para esse problema."

          Por fim, o discurso do Brasil foi pronunciado pelo presidente Michel Temer. A diplomacia do Itamaraty se tem agarrado com pluri-decenal coerência à circunstância de uma praxe que data dos tempos da ântiga ONU, sediada em Lake Success, antes que fosse elevada a atual sede das Nações Unidas, de que participou o gênio de Oscar Niemeyer e o pincel de Portinari.  O mundo então lá representado era muito menor - consequência, entre outras, da permanência do colonialismo - e o Brasil, naquela época pré-fundação das Nações Unidas foi considerado favorito para um lugar no Conselho de Segurança, como membro permanente. A morte de F.D. Roosevelt foi o golpe inesperado, que nos alijou da disputa.
         O ponto que creio oportuno salientar é que semelha altamente discutível que o Brasil se apegue a ocas tradições - como a de abrir o debate  na AGNU de maneira formal, e sem maior repercussão na imprensa internacional. Se quisermos influenciar o debate internacional, não basta, a meu juízo, valermo-nos dessa primazia protocolar. Para que os discursos sejam ouvidos, é preciso que levantem questões que justifiquem tal atenção. Como não podemos concorrer - pelo menos por ora - com a Superpotência, não seria derrotismo se nos conscientizássemos que há duas opções se desejamos aferrar-nos a tal privilégio protocolar: ou levantamos questões que realmente mereçam a atenção desse simpósio mundial, ou aceitemos a realidade post-discurso: a total falta de referência pela mídia. Se sentíamos no     passado desconforto diante de visões provincianas ou distorcidas da realidade mundial, não creio que  a saída esteja em apegar-nos a privilégio que é rotineiramente esvaziado a cada edição da solenidade.



(Fontes: The New York Times, Emb. Miguel Álvaro Ozório de Almeida)

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