O discurso do presidente Trump nas Nações
Unidas se caracteriza por dois tipos de reação: os que preveem o que será dito,
e tomam a iniciativa de ausentar-se do auditório - como se deu com as missões
da Coréia do Norte e do Irã; e os que preferem receber-lhe as polêmicas
posições como incitamentos ao diálogo, como o presidente Macron, da França, no
que tange ao acordo de Paris sobre o clima. Atitude similar foi tomada pelo
secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres. Terá, outrossim, contribuído para a contida reação
do líder Xi Jinping, da RPC, um
telefonema de Trump para o presidente chinês na véspera, como observa o New York Times.
Como seria de esperar-se - dadas as suas
ligações com o Presidente Vladimir Putin - que
Donald Trump tornaria quase um espectro em termos de discrição a sua
menção a intervenção da Federação Russa na Ucrânia e, especialmente, a anexação
da Criméia, que foi inclusive objeto de Recomendação
da Assembléia Geral das Nações Unidas, eis que estava fora dos limites levar a
questão ao Conselho de Segurança, onde a Rússia, com o poder de veto,
inviabilizaria qualquer avanço na matéria. É uma pecha para o Itamaraty de
Dilma Rousseff, que, por ordem da petista - seja por ideologia, ou ignorância -
mandou instruir a delegação do Brasil a apelar para a abstenção nesse grave
desrespeito para tratar daquela brutal
intervenção no que tange a um país soberano, membro das Nações Unidas.
Dentre a quebrada cristaleria
internacional pelo Presidente Trump, assinale-se a sua postura positiva no que
tange à tentativa de isolamento do Qatar, que está sendo investido por uma
coalizão liderada pela Arábia Saudita e outros países não-exatamente
democráticos. Fazendo meia-volta volver em radicais acusações anteriores, Trump
e o seu ramo de oliveira para o Emir do Qatar, o xeque Tamim bin Hamad
al-Thani, foi por este último muito bem recebido: "temos um problema com
nossos vizinhos, e a sua intervenção ajudará bastante, e estou certo que
encontraremos uma solução para esse problema."
Por fim, o discurso do Brasil foi
pronunciado pelo presidente Michel Temer. A diplomacia do Itamaraty se tem
agarrado com pluri-decenal coerência à circunstância de uma praxe que data dos
tempos da ântiga ONU, sediada em Lake Success, antes que fosse elevada a atual
sede das Nações Unidas, de que participou o gênio de Oscar Niemeyer e o pincel
de Portinari. O mundo então lá
representado era muito menor - consequência, entre outras, da permanência do
colonialismo - e o Brasil, naquela época pré-fundação das Nações Unidas foi
considerado favorito para um lugar no Conselho de Segurança, como membro
permanente. A morte de F.D. Roosevelt foi o golpe inesperado, que nos alijou da
disputa.
O ponto que creio oportuno salientar é
que semelha altamente discutível que o Brasil se apegue a ocas tradições - como
a de abrir o debate na AGNU de maneira
formal, e sem maior repercussão na imprensa internacional. Se quisermos
influenciar o debate internacional, não basta, a meu juízo, valermo-nos dessa
primazia protocolar. Para que os discursos sejam ouvidos, é preciso que
levantem questões que justifiquem tal atenção. Como não podemos concorrer -
pelo menos por ora - com a Superpotência, não seria derrotismo se nos
conscientizássemos que há duas opções se desejamos aferrar-nos a tal privilégio
protocolar: ou levantamos questões que realmente mereçam a atenção desse
simpósio mundial, ou aceitemos a realidade post-discurso: a total falta de
referência pela mídia. Se sentíamos no passado desconforto diante de visões
provincianas ou distorcidas da realidade mundial, não creio que a saída esteja em apegar-nos a privilégio que
é rotineiramente esvaziado a cada edição da solenidade.
(Fontes: The New York Times,
Emb. Miguel Álvaro Ozório
de Almeida)
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