É deveras estranho que, a essa altura do
campeonato, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, agora, em fim de mandato, com a
aposentadoria às portas, determine a abertura de investigação que possa levar à
rescisão do acordo de delação premiada de Joesley Batista e mais delatores do grupo J&F, v.g., os executivos Ricardo
Saud e Francisco Assis Silva.
Essa decisão foi tomada com base no áudio
de conversa entre Joesley e Saud, entregue à Procuradoria-Geral em 31 de
agosto. Segundo assinala O Estado de S. Paulo, a conversa em apreço
revela o que Janot chamou de indícios de "crimes gravíssimos" ,
que envolvem Marcello Miller, ex-procurador, e que foi seu auxiliar.
"Além disso, há trechos no áudio
que indicam a omissão dolosa de crimes praticados pelos colaboradores,
terceiros e outras autoridades, envolvendo inclusive o STF", assevera,
na vigésima-quinta hora, o pedido entregue por Rodrigo Janot ao Supremo
Tribunal Federal.
Não obstante a
ameaça de revisão do acordo de delação,o Procurador- Geral não hesita em
afirmar que as provas já apresentadas
pelos executivos da J&F continuam válidas.
A expectativa é de que Janot envie à
Suprema Corte, ainda nesta semana - pois esvai-se o tempo disponível do
mandato do Procurador-Geral - uma segunda acusação contra o Presidente Michel
Temer, por organização criminosa.
Sem embargo, para auxiliares do
Presidente, o pronunciamento de Joesley "destrói" a delação de
Joesley, que atingiu o Presidente, e tenderia a enfraquecer a provável segunda
denúncia.
Na avaliação de duas colunistas do Estadão, Eliane Cantanhêde (Delação por
um Fio) e Vera Magalhães (Pressa em lançar flechas pode fazer Janot virar
alvo), que sem desdouro dos demais, parecem-me as mais relevantes, se colhe o que já se intuía antes: a suposta
'obsessão' do PGR Rodrigo Janot pode metê-lo em situações delicadas.
Dessarte, "se Janot tinha 'obsessão'
por Temer, agora está às voltas com a rescisão total ou parcial do acordo com
os irmãos Joesley e Wesley Batista e com o envolvimento de seu antigo braço
direito, Marcello Miller, em 'crimes gravíssimos'. A PGR entrou no próprio foco, Temer ganhou
algum refresco, os irmãos Batista conquistaram um inimigo implacável.
"O ex-procurador Miller saíu da
PGR direto para o escritório de advocacia que atendia justamente a JBS. Significa, na
prática, que ele colheu todas as informações privilegiadas na PGR e foi negociá-las com o investigado.
Ou seja, foi usá-las para ganhar dinheiro com a defesa de quem ele antes
acusava. É grave e deixa Janot numa situação no mínimo constrangedora. (...)
As quatro horas de gravação, porém, não complicam apenas a vida de Marcello
Miller, mas também a de um ministro do Supremo Tribunal Federal e a de um
parlamentar com mandato." (as
citações são de Eliane Cantanhêde).
" Eis que a saideira que
Rodrigo Janot preparava para ser épica pode se tornar melancólica para o
procurador-geral da República, que de arqueiro se transforma em alvo." "O diálogo pilhado no áudio é posterior,
portanto, à visita noturna de Joesley a Michel Temer no Palácio do Alvorada
(sic), em que o ex-açougueiro gravou o presidente e tentou extrair dele o
"aval" ao suposto pagamento a Eduardo Cunha. Portanto, a suspeita 'gravíssima'
admitida pelo próprio Janot é de que o áudio que ensejou a colaboração, não só
de Joesley como de vários integrantes do grupo, em condições inéditas pelos
benefícios concedidos, e que deflagrou a primeira ação controlada da Lava Jato
foi obtido sob orientação de um procurador ainda no exercício das (respectivas)
funções. A exoneração de Miller é de 5 de abril. Logo depois ele foi atuar no
escritório responsável pela leniência da
JBS, o que já havia provocado enorme controvérsia, a ponto de o escritório
deixar a causa.
"Por mais que Janot diga
que a eventual anulação da delação da JBS não compromete as provas obtidas,
fica evidente que a conversa com Temer
foi montada e orientada para obter os benefícios alcançados pelo
grupo. Justamente por alguém que, no GT
de Janot, tinha como 'expertise' orientar delatores a gravar seus alvos. É uma
derrota avassaladora para o procurador Janot, que se acha nos seus ultimíssimos
dias de mandato.Não só destacado integrante
de sua equipe foi colhido cometendo
crime, como todo o edifício por
ele construído contra Temer se mostra obra sem alicerces sólidos. O
Procurador se vê, por isso, enfraquecido
para lançar mais qualquer flecha na direção de quem quer que seja.
Mas o revés não se
limita a tanto. Ele "também colhe Edson Fachin, relator da Lava Jato,
que referendou todas as decisões do PGR no caso JBS. Fachin fica 'vendido'
diante das novas revelações e dificilmente vai homologar outra delação com endereço certo,
a de Lúcio Bolonha Funaro, diante da
arapuca em que Janot acabou por
enfiá-lo." Ao que acrescenta, por
oportuno, a Cantanhêde: "Fachin não pensou duas vezes em homologá-la, sem
ao menos pedir uma perícia oficial e especializada. Um espanto."
(Fontes:
Estadão, colunas de Eliane Cantanhêde e Vera Magalhães),
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