terça-feira, 19 de setembro de 2017

A Crise do Rio de Janeiro

                              

       A crise do Rio de Janeiro é muito mais profunda de o que noticia a imprensa. Não se estaria longe da verdade se se declarasse, para início de discussão, que a tal crise é, em verdade, a decorrência da perda de relevância política do Rio de Janeiro, em função da transferência da capital da República.
       Ora, direis, que seria ir bastante longe no passado para tentar justificar as causas do problema que, quer queiram, quer não, existe e pelo tamanho e a maneira com que vem sendo supostamente tratado, mais o agravam, do que propriamente o enfrentam de modo sério, e que de alguma forma visualize a respectiva solução.
        O Rio de Janeiro estava habituado aos séculos em que abrigou a capital do Brasil, seja da colônia, do Reino e do Império, nas sucessivas designações que, em realidade, apenas assinalavam uma única situação, que, malgrado a dança dos regimes, não mudava substancialmente, eis que, em torno da Baía de Guanabara, se aconchegavam os poderes da Colônia, do Reino e afinal do Império do Brasil, para não falar da sobrevida ganha com a proclamação da República, que nos arrancou o status de única democracia nas Américas do Sul, segundo a memorável frase de personalidade portenha.
          Se a Independência fora proclamada perto do riacho do Ipiranga, por alguém a que não faltaram os títulos de legitimidade exigidos, e que com a correção do século exigira ritualmente dos partícipes que se vissem livres das cores ora tornadas estrangeiras, já a República cai no prosaico, pois o cabeça do movimento - de volta ao Rio de Janeiro, depois que o então Chefe do Gabinete imperial miopemente lhe autorizara o próprio retorno, diante das queixas de clima inóspito e da necessidade de tratamento sob as benesses do clima da Corte - não muito tardaria em levantar o quépi, montado no cavalo da vez, e proclamar o novo regime que acabava, na verdade,  com a única república da América Latina. Não sei se o destino da nação brasileira, a que tantos haviam colaborado - do Bragança, passando pelo Padre Feijó, seguindo pelo condestável do Imperio e os muitos títulos de Caxias, sob o sábio olhar do segundo Imperador - mereceria morrer daquela forma, com ordem unida e pronunciamiento, como se Latino América afinal nos envolvesse.
         O Presidente Juscelino Kubitschek, a quem tive a honra de que presidisse, como era a praxe, a cerimônia da posse no velho Itamaraty da rua Larga, em amplo prédio já construído mais tarde, na República Velha de Mangabeira, e aí coletar, sob os estrugentes aplausos dos pais e da parentada dos então formandos do Instituto Rio Branco, a quem merecera pelo estudo receber a medalha do então chefe da República, em simbólico ouro, de que o público reunido, que correspondia aos próximos dos formandos, bem sabia o que representara em termos de estudo e dedicação aquela simbólica medalha.
          Eram outros tempos. Tive oportunidade,  outrossim, de prestar àquele presidente a devida homenagem, nos tempos difíceis do golpe militar, que como o fascismo, tardaria cerca de vinte anos para partir. Já relatei o bastante sobre as experiências da missa rezada diante do esquife de Juscelino, a caminho da provisória sepultura no Campo da Esperança, naquela capital a que tanto se dedicara.
          Como não há, as mais das vezes,  o bem sem a companhia do mal, tive a honra de assistir, na Catedral de Brasília, a missa de corpo presente do presidente JK, que ali passava no seu caminho para o cemitério da Novacap.
           Se o leitor me segue, não creio que se possa responsabilizar Juscelino pelo drama do Rio de Janeiro. A perda do status de capital, por traumático que foi para a dita Cidade Maravilhosa, surge como inexorável,  e aí estão as velhas estórias dos brasileiros a arranharem as costas e a negar-se a assumir o desafio da mensagem constitucional da transferência da Capital.  É a grande obra desse notável presidente que foi Juscelino. Mas não há trabalho deste porte que não deixe cicatrizes.
           No entanto, forçoso será convir, que o vazio criado pela mudança de capital não pode constituir a eterna desculpa daqueles que ainda choram pelas consequências da magna e hercúlea obra da construção e implantação de Brasília.
            Não podemos ficar eternamente a vagar pelas ruas do Catete, assim como a visitar-lhe o palácio, como se fosse chaga aberta e não uma das inevitáveis cicatrizes do passado.
            Tampouco podemos chorar pela distância dos cofres de Brasília, toda a vez que a crise do Rio de Janeiro volte a levantar a cerviz.
             Infelizmente, se olharmos à volta, nos constrange a maneira com que esse desafio - na imagem do historiador Arnold Toynbee - não está sendo corretamente enfrentado. Embora ainda estejam vivos muitos daqueles que conheceram o Rio capital da República, convenhamos que esse grupo está destinado a desaparecer com uma certa brevidade...
              Por isso, se olharmos o grupelho que ora frequenta o Palácio Tiradentes - que já decerto abrigara grandes personalidades da República e lidara com crises federais - do Palácio Monroe não falo, porque foi destruído no período da ditadura militar - sem querer ofender ninguém e afastando aqueles como Sérgio Cabral a que a Lei e a Lava-Jato já cuidam,  e com a necessária severidade, o problema do Rio se coloca em enfrentar, com seriedade e honestidade, o desafio da gestão da Velhacap.
               Não será através de cambalachos, nem de soluções de afogadilho que se 'resolverá' tal problema. Os aposentados do Rio de Janeiro, e todos aqueles que têm vínculos com esse Estado, exigem respeito de parte das autoridades, respeito esse que igualmente se aplica ao abandono em que está o setor de segurança do Rio de Janeiro.
               Temos visto estranhos fenômenos nesse Rio, antiga Cidade Maravilhosa, que por tantos avatares já passou. A Alerj, esse esquisito acrônimo, deveria ser fanal de esperança e de honestidade para o Rio de Janeiro, e não local onde se concentram salários e vantagens que são indefensáveis a olho nu. Para que as misérias do Rio desapareçam, a Justiça é o caminho, e não as sinecuras sob qualquer luz.  Que a ALERJ seja renovada para futuro melhor, sob a forte claridade da Justiça e da Equanimidade, será acaso formular votos que agridem ao bom-senso? 


( Fonte subsidiária: O Globo )

Nenhum comentário: