A crise do Rio de Janeiro é muito mais
profunda de o que noticia a imprensa. Não se estaria longe da verdade se se
declarasse, para início de discussão, que a tal crise é, em verdade, a
decorrência da perda de relevância política do Rio de Janeiro, em função da
transferência da capital da República.
Ora, direis, que seria ir bastante longe
no passado para tentar justificar as causas do problema que, quer queiram, quer
não, existe e pelo tamanho e a maneira com que vem sendo supostamente tratado,
mais o agravam, do que propriamente o enfrentam de modo sério, e que de alguma
forma visualize a respectiva solução.
O Rio de Janeiro estava habituado aos
séculos em que abrigou a capital do Brasil, seja da colônia, do Reino e do
Império, nas sucessivas designações que, em realidade, apenas assinalavam uma
única situação, que, malgrado a dança dos regimes, não mudava substancialmente,
eis que, em torno da Baía de Guanabara, se aconchegavam os poderes da Colônia,
do Reino e afinal do Império do Brasil, para não falar da sobrevida ganha com a
proclamação da República, que nos arrancou o status de única democracia nas Américas do Sul, segundo a memorável
frase de personalidade portenha.
Se a Independência fora proclamada perto do
riacho do Ipiranga, por alguém a que não faltaram os títulos de legitimidade
exigidos, e que com a correção do século exigira ritualmente dos partícipes que
se vissem livres das cores ora tornadas estrangeiras, já a República cai no
prosaico, pois o cabeça do movimento - de volta ao Rio de Janeiro, depois que o
então Chefe do Gabinete imperial miopemente lhe autorizara o próprio retorno,
diante das queixas de clima inóspito e da necessidade de tratamento sob as
benesses do clima da Corte - não muito tardaria em levantar o quépi, montado no
cavalo da vez, e proclamar o novo regime que acabava, na verdade, com a única república da América Latina. Não
sei se o destino da nação brasileira, a que tantos haviam colaborado - do
Bragança, passando pelo Padre Feijó, seguindo pelo condestável do Imperio e os
muitos títulos de Caxias, sob o sábio olhar do segundo Imperador - mereceria
morrer daquela forma, com ordem unida e pronunciamiento,
como se Latino América afinal nos envolvesse.
O Presidente Juscelino Kubitschek, a
quem tive a honra de que presidisse, como era a praxe, a cerimônia da posse no
velho Itamaraty da rua Larga, em amplo prédio já construído mais tarde, na
República Velha de Mangabeira, e aí coletar, sob os estrugentes aplausos dos
pais e da parentada dos então formandos do Instituto Rio Branco, a quem
merecera pelo estudo receber a medalha do então chefe da República, em
simbólico ouro, de que o público reunido, que correspondia aos próximos dos
formandos, bem sabia o que representara em termos de estudo e dedicação aquela
simbólica medalha.
Eram outros tempos. Tive
oportunidade, outrossim, de prestar
àquele presidente a devida homenagem, nos tempos difíceis do golpe militar, que
como o fascismo, tardaria cerca de vinte anos para partir. Já relatei o
bastante sobre as experiências da missa rezada diante do esquife de Juscelino,
a caminho da provisória sepultura no Campo da Esperança, naquela capital a que
tanto se dedicara.
Como não há, as mais das vezes, o bem sem a companhia do mal, tive a honra de
assistir, na Catedral de Brasília, a missa de corpo presente do presidente JK,
que ali passava no seu caminho para o cemitério da Novacap.
Se o leitor me segue, não creio que
se possa responsabilizar Juscelino pelo drama do Rio de Janeiro. A perda do status de capital, por traumático que
foi para a dita Cidade Maravilhosa, surge como inexorável, e aí estão as velhas estórias dos brasileiros
a arranharem as costas e a negar-se a assumir o desafio da mensagem
constitucional da transferência da Capital.
É a grande obra desse notável presidente que foi Juscelino. Mas não há
trabalho deste porte que não deixe cicatrizes.
No entanto, forçoso será convir, que
o vazio criado pela mudança de capital não pode constituir a eterna desculpa daqueles
que ainda choram pelas consequências da magna e hercúlea obra da construção e
implantação de Brasília.
Não podemos ficar eternamente a
vagar pelas ruas do Catete, assim como a visitar-lhe o palácio, como se fosse chaga
aberta e não uma das inevitáveis cicatrizes do passado.
Tampouco podemos chorar pela
distância dos cofres de Brasília, toda a vez que a crise do Rio de Janeiro volte
a levantar a cerviz.
Infelizmente, se olharmos à volta,
nos constrange a maneira com que esse desafio - na imagem do historiador Arnold
Toynbee - não está sendo corretamente enfrentado. Embora ainda estejam vivos
muitos daqueles que conheceram o Rio capital da República, convenhamos que esse
grupo está destinado a desaparecer com uma certa brevidade...
Por isso, se olharmos o grupelho
que ora frequenta o Palácio Tiradentes - que já decerto abrigara grandes
personalidades da República e lidara com crises federais - do Palácio Monroe
não falo, porque foi destruído no período da ditadura militar - sem querer
ofender ninguém e afastando aqueles como Sérgio Cabral a que a Lei e a
Lava-Jato já cuidam, e com a necessária
severidade, o problema do Rio se coloca em enfrentar, com seriedade e
honestidade, o desafio da gestão da Velhacap.
Não será através de cambalachos,
nem de soluções de afogadilho que se 'resolverá' tal problema. Os aposentados
do Rio de Janeiro, e todos aqueles que têm vínculos com esse Estado, exigem
respeito de parte das autoridades, respeito esse que igualmente se aplica ao
abandono em que está o setor de segurança do Rio de Janeiro.
Temos visto estranhos fenômenos
nesse Rio, antiga Cidade Maravilhosa, que por tantos avatares já passou. A
Alerj, esse esquisito acrônimo, deveria ser fanal de esperança e de honestidade
para o Rio de Janeiro, e não local onde se concentram salários e vantagens que
são indefensáveis a olho nu. Para que as misérias do Rio desapareçam, a Justiça
é o caminho, e não as sinecuras sob qualquer luz. Que a ALERJ seja renovada para futuro melhor,
sob a forte claridade da Justiça e da Equanimidade, será acaso formular votos
que agridem ao bom-senso?
(
Fonte subsidiária: O Globo )
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