Interessante o artigo
de Howard Jacobson no Times de hoje. Fala-nos da falta de
convicção ou, quem sabe?, de
seriedade dos líderes políticos ingleses.
A matéria assinada por Jacobson não nos
menciona como tudo começara, isto é, a farsesca, incrível mesmo, decisão do então
Primeiro Ministro conservador David
Cameron quanto à oportunidade de levantar a questão da permanência da
Inglaterra no Mercado Comum. Não porque o tema exigisse reação imediata da
liderança conservadora. De uma forma que é difícil de engolir - para quem é
velho bastante em haver presenciado primo a luta insana dos então próceres
ingleses em embarcar no bonde da Europa unida, diante do veto do general de Gaulle - e secondo, o posterior ingresso da pérfida
Álbion no clube de Bruxelas, guiados tanto pelos trabalhistas, quanto por
conservadores, afinal livres da tenaz oposição do velho general que trazia, talvez,
da permanência forçada na ilha britânica, pelas contingências da luta contra
Adolf Hitler, a própria ojeriza pelo supostamente oportunista ingresso inglês
no então ainda incipiente Marché Commun.
Pois a iniciativa partira de David
Cameron, primeiro ministro conservador, dentro de safra que quiçá reflita
os baixios na antiga pérfida Álbion. Não é, porém, a decisão de Cameron de
relevantar essa questão da permanência ou não da conveniência ou necessidade de
Londres apegar-se à aliança continental.
Espanta, mesmo, e até choca pela
total falta de compreensão da questão, e, mais do que isso, a completa
separação da consciência nacional britânica da relevância extrema de não perder
o trem da História e o da compreensível necessidade de união europeia que
transcendesse as quizílias do passado e mergulhasse, com convicção, no
interesse comum europeu. Para a liderança britânica daquela época, a
Grã-Bretanha tinha de abraçar o comum destino e, sobretudo, interesse em
desvencilhar-se dos resquícios do nacionalismo que tristemente marcara a
primeira metade do século vinte, com as guerras intestinas que flagelaram as
antigas grandes potências europeias.
Já para o fim do século XX, o new Labour de Tony Blair se não se dissociaria de todo da ênfase dos
antecessores, decerto não parecia tão dogmático e convicto da necessidade da
integração com o antes temido, ou até julgado não indispensável espaço
continental. Daí, mais um referendo, que Blair como que toleraria, dentro da
postura de que era apenas um ulterior obstáculo removível no destino europeu do
Reino Unido.
O absurdo muitas vezes sucede ao
leviano e impensado. O que Blair julgara apenas mais uma travessia - cujo
resultado, pela própria obviedade, não
estaria submetido a qualquer dúvida - viria décadas, mas não muitas, mais
tarde, redundar em garrafal erro, decorrente, e não pouco, da falta de
entendimento histórico e até mesmo de relevância, da nova liderança
conservadora, representada por David Cameron, que sempre ostentara certo
alheamento atitudinal quanto à eventual conveniência de Londres permanecer na
organização de Bruxelas. Ao cabo de um punhado de décadas, o que fora sentido
como necessidade inelutável do povo insular de integrar-se com a gente do
Continente, voltava atrás, na escala das prioridades, e de novo tornava a ser visto como se fosse
um aut - aut, o que
se refletiria na crassa displicência do então ainda Primeiro Ministro David
Cameron - cuja presença na primeira linha jámais insinuava a visão deformada dos
valores a serem perseguidos. Heath e outros mais que tinham
empenhado carreira e o futuro político ao empolgar o desafio do ingresso no
Mercado Comum, como poderiam acreditar que um não tão longínquo sucessor deles
aceitasse servir-se de referendo sobre a continuação ou não naquela escolha
europeia - que para os seus antecessores representara o manifesto destino do
velho e insular reino britânico - como simples tapa-buraco para contornar outra
escolha não do agrado do ainda jovem Cameron?
Atravessamos período deveras estranho,
em que históricos objetivos, antes inquestionáveis, por mais que lhes emprestassem força, davam sentido,
encorpavam mesmo, as respectivas trajetórias políticas, tornam-se de repente objetos descartáveis,
como se o eventual destino de um Povo possa ser de novo colocado em mostrador
de supermercado, a virar objeto de referendos preparados à socapa.
Ao ver a descrição por Howard Jacobson no Times de hoje, semelha difícil refugar as pequenas mentes e as
derivadas trajetórias de um universo em que os respectivos personagens não
parecem estar conscientes da hora que atravessam.
Há opções que não são bolas coloridas,
objetos circences de um estranho jogo. Deparando os líderes ingleses do
presente, o observador, distante ou não, se sente confuso, aos vê-los agir como
se tais momentosas opções, que, em passado deveras não tão distante, motivara
carreiras que, ainda que transcorrida a longa jornada, continuam a parecer-nos
coerentes, convictas e, mesmo patrióticas, se o termo vestirmos com a corrente
compreensão das exigências da História.
E mais nos aprofundamos na antiga luta,
arrostada a peito aberto contra velho gigante, que, por rancor ou memória
sublimada, projetava no então presente as experiências amargas da titânica
luta, contemplávamos com confiança o desafio aceito pelos novos líderes
ingleses, eis que compreendiam a exigência da hora, e como careciam fazê-la
acontecer.
Hoje mudaram os tempos, mas lançando os olhos
para o passado, nos perguntamos se o passadismo de hoje não reflete apenas o
desejo de retornar aos velhos jogos de uma história que o tempo, esse cruel
maestro das ilusões e das carências humanas, se compraz em pintar para papalvos
em velhas baladas, cantigas de ninar, que sóem atrair a muitos, porque parecem
reviver antigos cenários que a despeito de tudo, das ânsias, dos preconceitos
nacionais, da histórica imprudência de tantos políticos, que pensam poder
paramentar-se dos velhos trajes nacionais, e assim voltar no tempo, quando o
Senhor da História já olha para outros lados, e mal disfarça o quão postiços
são os jogos e os arreganhos de tantos políticos, que incrivelmente semelham
ainda não acreditar que há limite para tudo, inclusive para os mofinos e os
incompetentes, que - é triste admiti-lo - espelham a seu modo a tristonha
mediocridade hodierna dos atuais líderes de potências que mal aceitam os
desafios desta hora e vez, quiçá por não estarem preparados para arrostar o
momento que lhes coube nesse latifúndio.
Se cotejo, ou comparação
histórica pareça admissível, os líderes de antes, à frente do gigante Charles de
Gaulle, abraçavam princípios; com Tony Blair e pósteros, assim como na cinzenta hora
presente, nos extremos de Theresa May e
Jeremy Corbyn, eles descartam os princípios e involuem para aparentar apenas
terem conveniências.
( Fontes: Guimarães Rosa,
The New York Times, Howard Jacobson )
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