Por que não descansei enquanto não
completei a minha tradução, fundada na leitura e na colação dos textos, tendo
tantos monumentos à minha frente? Era como se algo de indefinível me
empurrasse, segredando-me que eu deveria tentar lê-la no original, o que
fiz, não enjeitando-lhe, porém, a tradução de A.T. Murray, que alguns, na
pressa da modernidade, chegam até a considerar superada.
Já dizia Keats que "a thing of beauty is a joy for ever"[1]
e aí está o poeta grande da Antiguidade a confirmá-lo. A Ilíada será a mãe de
todos os poemas, e tenham presente os muitos que lhe seguiram, a prestar-lhe a maior
homenagem que imaginar-se possa na literatura e no verso, que é a imitação.
A lista é tão comprida quanto a presença
da epopéia na história dos povos. Assim, o rapsode Homero da idade do bronze
acena para a inteligência dos helenos, ao contar-lhes os primeiros passos da
própria nacionalidade, embebida em sangue e palavra, e mostrando o caminho de
um ethnos que escreveria na história
dos povos com letras talvez maiores do que a eventual presença de uma gente
irrequieta mas imaginosa na história da Humanidade.
E será por isso que os poetas - esses
mentirosos por vocação a quem cabe dizer a verdade aos homens - prestam de bom
grado àquele vate - que dizem cego - a suprema homenagem do homem de letras que
é a imitação.
Pois eles, com Virgílio[2]
e Luiz de Camões[3],
poetas de nacionalidades, não trepidam em seguir-lhe as geniais palavras, como
vemos nesses e em tantos outros exemplos, já na Antiguidade, e, mais tarde,
passada a dita noite da Idade Média, na idade Moderna, época que com passos
maiores decerto empreendem viagens símiles àquelas em que o homem arrostava com
estrutura não muito diversa os desafios do desconhecido, que promete riquezas,
as quais costumam dissimular-se nos terríveis abraços de monstros e ignotas divindades.
Dessarte - e me perdoem os modernos
de carteirinha o vocábulo para alguns estranho - mas como diziam homens de
letra - que não careciam de adentrar cenáculos literários, para assim
aparecerem - através da imitação antigos e modernos prestaram ao grande vate
essa suprema homenagem, que é a de abraçá-lo às próprias linhas, como era uso
no passado acolher o estranho - que não por acaso pode ser estrangeiro ou não.
Pois se não vivíamos os desafios da
pós-modernidade, era usança moldar a realidade aos próprios costumes, ainda que
fossem povoados - e em certos casos, infestados - por deuses e estranhos
monstros.
Assim, ler Homero não é dádiva
pequena - e por isso o acolheram com a suprema homenagem muitos, e em especial,
aqueles ditos poetas da nacionalidade, como o de Mântua e o da lusa terra.
Fala-se em realismo e o quê dizer
das palavras das mulheres zangadas na extrema despedida do herói homérico,
Heitor, filho de Príamo e de Hécuba, com à frente a sua esposa Andrômacha - que
não por acaso tem traços masculinos no nome - que prevê para o ainda bebê
choramingão (népios) uma vida miserável, nas mãos de algum torpe Aqueu, e - por
deus! - até morte miserável, ao ser jogado em hostil parede por um Aqueu ao
'Senhor da Cidade' (Astianax), que herdou tal nome do nobre pai Heitor, símbolo
de época que a ruína de Tróia se apresta em jogar no duro chão dos vencidos.
Pois eram os poetas e escritores de uma
revista hoje criatura de museu que nos mostraram ser, apesar de tudo, a poesia necessária. Não sei se o
disseram por sopro de inspiração, ou de clássica leitura, ou por conta de
ambas.
De qualquer modo, a vida seria bem
mais cinzenta e menos aprazível se Homero não houvesse moldado o que os
pósteros chamariam de civilização. Nesse caminho, o andar pode ter sido por
vezes trôpego, e outras incompreensível, mas, por Deus, não quero imaginar
história desses personagens varrida.
Como diriam aqueles nossos escritores, que me honra haver conhecido,
além do ferro e fogo e as outras maldades de Ares, quem duvida de que a poesia
é necessária?
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