Aquiles pediu a seu
companheiros e às arrumadeiras que
colocassem estrados de cama debaixo
do pórtico e pusessem sobre eles cobertores púrpura e também roupa de cama, e
casacões de pelo para a indumentária.
Assim, as empregadas saíam da entrada
com tochas em suas mãos, e logo fizeram duas camas. Então como se fora
gracejo, disse para Príamo, Aquiles dos pés velozes: "Sem mais
complicações deite-se, caro velho senhor,
para que não venha para cá um dos conselheiros dos Aqueus, que sempre se senta
a meu lado e pede conselhos, como é próprio. Se um desses fosse entrever-te
nessa breve negra noite, de imediato eu poderia talvez contar para Agamenon, o
pastor do rebanho, e assim poderia ocorrer algum atraso na restituição do
corpo. Mas diga-me isso e o declare verazmente:
pelo espaço de quantos dias vós
entendeis que irá durar o funeral de
Heitor, com o objetivo que possa saber quanto tempo vai durar a espera, e possa reter a tropa."
E o velho, o divino
Príamo, respondeu-lhe dizendo: " Se tu queres que eu realize para Heitor o seu funeral, assim procedendo
dessa maneira, ó Aquiles, procederás conforme o meu desejo. Tu sabes quão apertados estamos dentro da cidade, e é longe o lugar
para apanhar madeira na montanha, e os Troianos têm muito medo. Pelo espaço de
nove dias nós gemeremos em nossos
salões, e no décimo nós faremos seu funeral, e a gente irá festejar, e no
décimo-primeiro nós elevaremos uma
sepultura sobre ele, e no décimo-segundo, nós lutaremos, se tal é necessário.
Então falou para ele em
resposta o grande Aquiles, dos pés velozes: "Assim isto será, velho
Príamo, tal como queres que seja;
porque eu suspenderei a
batalha pelo tempo que fôr de teu
agrado."
Quando ele tinha falado
dessa maneira, ele segurou a mão direita do velho pelo punho, para que o seu
coração não ficasse temeroso. Assim eles dispuseram. Assim, eles os puseram
para dormir na ante-sala da casa, o arauto e Príamo, com sábios corações nos
seus peitos; mas Aquiles dormiu na parte mais interna da bem-construída cabana,
e a seu lado Briseïs,com suas belas faces.
Agora, todos os outros deuses e homens,
senhores dos carros, dormitaram ao longo de toda a noite, tomados por um leve
sono.; mas não sobre o ajudante Hermes
se apoderaria o sono, na medida em que ele examinava na mente como ele deveria guiar o rei Príamo
para longe das naves, e sem ser notado pelos fortes guardiões do portão. Ele
tomou posição diante de sua cabeça e falou para ele, dizendo: "Velho sire,
nada tu pensaste de qualquer mal,
atendida a circunstância, eis que tu
ainda dormes no meio de inimigos, confiante em que Aquiles te poupou. Agora, na
verdade, tu resgataste teu filho, e um alto preço tu pagaste. Mas pela tua própria vida devem os filhos que
tens, eles que foram deixados para trás,
dar resgate três vezes maior, se acontecer que Agamenon, o filho de Atreus,
venha a ter ciência de ti, ou a tropa dos Aqueus venha a saber."
Assim falou ele, e o
velho homem foi tomado pelo medo e fez com que o arauto se levantasse. E Hermes
jungiu para eles os cavalos e as mulas,e ele próprio com cuidado os dirigiu
através do campo, e nenhum outro homem disso tomaria conhecimento.
Mas quando chegaram
para o vau do rio de águas límpidas, o
Xanthus com seus redemoínhos, que o imortal Zeus procriara, então Hermes partiu
para o alto Olympo, e a Alvorada, a das vestes de safrão, se espalhava sobre a
face de toda a terra. Assim eles, com
gemidos e lamentos tocaram os cavalos para a cidade, e as mulas arrastavam os
mortos. Ninguém tinha ciência deles, não importa se homem ou se mulher de bela
cintura; mas em verdade Cassandra, igual à dourada Afrodite, tendo subido no
monte Pérgamo, reconheceu o seu querido pai que estava de pé no carro, e o arauto,
o anunciador da cidade: "Venham todos, homens e mulheres de Tróia,
e contemplem a Heitor, se enquanto ele ainda vivia nos tínhamos a alegria da
sua volta da batalha; pois grande gáudio era ele para a cidade e para toda a
gente."
Assim ela falou, nem
havia homem algum lá dentro da cidade,
nem mesmo mulher, pois sobre todos caíra uma dor que não podia ser carregada; e
perto dos portões eles encontraram Príamo,
ele que trazia de volta para casa os mortos. A princípio, a cara mulher
de Heitor e a raínha mãe se jogaram sobre a leve carroça, e segurando a sua
cabeça por um tempo gemiam e arrancavam
os cabelos; e a gente a elas se juntava e chorava. E agora pelo longo de todo o dia, até o por
do sol, eles teriam feito o lamento por Heitor com derrame de lágrimas lá fora
dos portões e segurando por vezes a sua cabeça, se o velho homem não houvesse
falado do seu carro: " Façam caminho para as mulas passarem; na sequência vocês terão a sua quota dos gemidos, quando eu o
trouxer para dentro da casa. "
Assim ele falou, e eles
se afastaram e abriram espaço para a carroça. Mas os outros, quando eles o
trouxeram para a casa gloriosa, o colocaram em armação de leito de cordão, e a
seu lado puseram cantores, líderes do cântico de lamentação - eles cantavam a
nênia, e então as mulheres entoavam o lamento.
E ,dentre essas, Andrômacha dos brancos braços liderava a lamentação, segurando nos seus braços nesse momento a cabeça de
Heitor, matador de homens: "Marido, tu pereceste fora da vida, ainda na
tua juventude e me deixas uma viúva nos teus salões; e o teu filho não é senão
um bebê, o filho nascido de ti e de mim
no nosso infortúnio; nem penso eu que ele se tornará homem adulto, porque antes
disso esta cidade será completamente devastada. Porque tu pereceste que a vigiavas, tu que a
guardaste, e mantinhas seguras as suas nobres viúvas e crianças pequenas. Estas,
eu suponho estarão breve viajando nas naves vazias, e eu entre elas; e tu,
minha criança, seguirás comigo para um lugar onde tu trabalharás em tarefas estranhas e inconvenientes, penando diante da face de um mestre
grosseiro, ou então algum Aqueu te pegará pelo braço e te jogará contra a
parede, uma morte terrível, estando encolerizado por que Heitor acaso matou seu
irmão, ou seu pai, ou seu filho, vendo-se que demasiados Aqueus pelas mãos de Heitor morderam a vasta terra
com seus dentes; porque de nenhuma forma gentil era teu pai na terrível guerra.
Por isso, a gente geme por ele através da cidade, e luto inexprimível e tristeza tu trouxeste para teus pais,
Heitor; e para mim, além de todos os outros ficarão terríveis desgraças. Porque na tua morte tu nem estendeste as tuas
mãos para mim da tua cama, nem me falaste qualquer palavra de sabedoria,
na qual eu poderia refletir noite e dia com o derramar das lágrimas.
Assim falou ela chorando e então as mulheres
entoaram o lamento. E dentre elas Hécuba, por sua vez, liderou o pranto
veemente: "Heitor, de longe o mais caro ao meu coração de todos os meus
filhos, eia, quando tu vivias tu eras caro aos deuses, e por isso eles tomaram
conta de ti por tudo o que fazes sob o domínio da morte. Pois dos outros filhos
meus a quem ele colheu Aquiles dos pés velozes
vende além do mar que nunca repousa, para Samos e Imbros e Lemnos, este
envolto em fumaça, mas quando de ti ele
arrebatou a tua vida, muita vez ele te arrastaria em torno do monte
levantado para o seu camarada, Pátroclos,
a quem tu mataste; contudo mesmo assim ele não pode levantá-lo. Mas agora, todo
fresco de orvalho, tu jazes nos meus salões, como se tu houvesses sido morto
faz pouco, como alguém a quem Apolo do arco de prata ataque com as suas gentis
setas e mate.
Assim falou ela chorando, e levantou
incessante lamentação. Em seguida, Helena foi a terceira a liderar o pranto:
"Heitor, o mais caro para meu
coração de todos os irmãos de meu marido ! Em verdade meu marido é o divino
Alexandre, que me trouxe para a terra de Tróia - houvesse eu então morrido
antes! Pois agora é o vigésimo ano do tempo em que eu vim de lá, e parti da minha terra natal, mas nunca até hoje ouvi
eu perversa ou despeitada palavra de ti; não, se algum outro terá falado a
censurar-me nos salões, um teu irmão ou irmã, ou a bem-vestida mulher de um
irmão, ou tua mãe - mas teu pai foi sempre gentil como se ele fosse o meu
próprio - e no entanto tu os convencerias
com a palavra, e moderá-los pela gentileza do teu espírito e tuas gentis
palavras. Por conseguinte, eu choro
tanto por ti quanto pelo meu ser desafortunado com a dor no coração; pois nunca
mais terei alguém ao meu lado na ampla
Troia que é gentil para mim ou amável;
mas todos os homens tremem diante de mim.
Assim falou ela chorando, e assim a
incontável multidão gemeu. Mas o velho
Príamo falou em meio à gente, dizendo:
"Tragam lenha agora, vós homens de Tróia, para a cidade e não
tenhais vós qualquer medo no coração de
uma solerte emboscada dos Aqueus; pois em verdade Aquiles pôs diante de mim
esta palavra quando de mim se despediu ao partir das naves negras, que
ele não nos faria qualquer mal antes da décima segunda alvorada por vir."
Assim falou ele, e eles jungiram bois e mulas às carroças,
e com rapidez em seguida se aglomeraram diante da cidade. Pelo espaço
de nove dias eles trouxeram um imensurável estoque de madeira, mas quando a décima Alvorada se alevantou, dando luz
para os mortais, então eles levaram avante o audaz Heitor, enquanto as lágrimas
derramavam, e na mais alta pira eles colocaram o homem morto, e lançaram o fogo
por cima dele.
Tão logo a primeira Alvorada apareceu,
aquela dos dedos cor de rosa, então a gente se juntou em torno da pira do
glorioso Heitor. E quando eles se aglomeravam e juntos se encontravam, primeiro
eles afogaram com flamante vinho toda a
pira, tão longe quanto o fogo pudesse vir sobre ela e, em seguida, os seus
irmãos e seus camaradas juntaram os ossos brancos, plangendo, e largas lágrimas
escorreram pelas suas faces. Os ossos
eles os tomaram e colocaram em urna de
ouro, cobrindo-os todos com roupas de púrpura macia, e depressa depositaram a
urna em vazia sepultura, e a cobriram toda com grandes e ajustadas pedras. Então com rapidez eles levantaram o monte, e
à volta havia vigias postos em todos os lados, no caso de que os Aqueus das
pernas bem-protegidas se dispusessem a atacá-los antes do prazo combinado. E após terminada a sepultura, eles
voltaram e juntos celebraram gloriosa
festa no Palácio de Príamo, o rei protegido por Zeus.
Assim foi celebrado o funeral de
Heitor, domador de cavalos.
Bibliografia:
The Iliad of Homer,
A.T. Murray, vol. II
Harvard University Press, MCMLXIII
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