quarta-feira, 11 de maio de 2016

O discurso de Cristovam Buarque

                      
   

          Acompanhando Cristovam Buarque e seguindo a sua trajetória desde a Universidade de Brasília, ainda que de longe, será sempre oportunidade a ser fruída um conhecimento maior de suas posições. De alguma forma, o leitor de O Globo terá ocasião de informar-se de suas avaliações de muitas questões da atualidade nacional.
          Sem embargo, foi ocasião para mim prazerosa - embora vivamos momento de crise - por ter uma vez mais a oportunidade de ouvir a exposição do Senador por Brasília, e como é agradável para o observador político vivenciar uma exposição articulada e precisa da realidade política brasileira. 
          Cristovam Buarque tem história e é sem pretensão que ele nos recorda o seu batismo na política, quando, sob risco pessoal, participou da corrente humana que abraçando metaforicamente o palácio do governo no Recife, veio para defender o governador Arrais da perseguição pela chamada Revolução de 31 de março.
           Sem rebuços, Cristovam liga esse passado aos desafios dos tempos atuais. Ele reconhece que a esquerda envelheceu, e não obstante o seu tom não era aquele acre das reprimendas. O nosso ex-reitor da Universidade de Brasília, aquele que criou a bolsa educação, sempre com a visão social e não assistencial, continua a ter postura que aspira a entender o interlocutor, sem que isto implique em adesismo.
            Em tempo de paroxismos, de acusações pesadas e reprimendas, o espectador tende a distingui-lo por não se dissociar de eventuais erros, sempre que não se perca o norte e a  possibilidade de eventual superação.
            Nesse ponto a língua italiana com a palavra svolta  mostra a potencialidade no debate de uma evolução. Seria como se tivéssemos dentro de nós uma abertura para o melhor, mas extraída de nós próprios,  como se, conjugando a experiência subjetiva e o entorno objetivo, tirássemos desses dois elementos meios para que conjugados alcançássemos um outro nível. Para tanto, é indispensável a interação das duas realidades, em atmosfera de entendimento e honestidade.
              E é esta mensagem que nos passa o Senador Cristovam Buarque. O pensador laico que é amigo do saber, mas pode ter a humildade de quem vem para aprender.
               Com a sua participação no primeiro governo do PT, não guardou amargura pela maneira com que foi afastado do Ministério da Educação. De alguma forma, se sente que ele saíu engrandecido do episódio. Não é um bom indicativo para o futuro da educação no Brasil, que um Ministro dessa pasta seja dispensado com a insensibilidade demonstrada na manifestação do poder.
                Mas não há negar que a rudeza do gesto engrandeceria a Cristovam.
                E o homem público será formado não apenas pela progressão das honras, como na República Romana,  mas também pela sua experiência e o eventual trato com a adversidade, que pode ser para alguns um veículo de conhecimento e aprofundamento.
                Não me surpreendeu, portanto, que nessa hora difícil que atravessa o Brasil o senador Cristovam Buarque antecipe seu voto pela admissibilidade do impeachment.  Friza que não vota pela condenação, mas sim deseja aprofundar o próprio conhecimento para saber se a medida do afastamento definitivo cabe ou não.
                 Cristovam frisa que é uma posição de esquerda, e que ele aí chega de forma tentativa. Não prejulga o fim do processo.
                  Aspira, enquanto homem de esquerda, a um maior conhecimento. Sob a condição de que lhe ajude a determinar a própria posição quando o processo passar para a fase do julgamento.



( Fonte:  TV Senado )  

Um comentário:

Mauro disse...

Caro Pai, eu pensava justamente em chamar sua atenção para o discurso do Cristovam, que me pareceu de grande lucidez e ponderação. Um ponto alto que deixa claro a diferença entre Senado e Câmara. Concordo com a sua (tua) análise, mas o que sobressai do discurso para mim é a triste constatação que a esquerda que está aí (e grande parte da intelectualidade brasileira) vendeu seus valores ideológicos e morais para perpetuar-se no poder, em um constrangedor exemplo tropical de dialética, na qual os ex-paladinos da moral, pegos com a mão na botija, se indignam ao ser cobrados pela justiça. Cada vez mais fica claro para mim que PT e franjas se tornaram uma grande seita, onde verdade e realidade são conceitos relativos e acessórios à sua escatologia. Fico triste em ver que diversos amigos caíram nessa esparrela.