Não se vá esperar de quem caíu quando no exercício do
poder, que venha a público e admita a própria responsabilidade.
O processo de impeachment é mecanismo lento e assaz desgastante para todas as
partes envolvidas.
É mais, no entanto, pelos longos
prazos, para o(a) governante ameaçado(a).
Quando se inicia e ganha força
inercial, em geral ele corresponde, na maioria dos casos, a situações limite,
em que, quando as nuvens do descontentamento se congregam, o processo tende a
deixar o âmbito restrito das oposições e espraiar-se, na própria conscientização,
a faixa muito mais ampla da população.
Por isso, por mais pugnaz que seja a
oposição, e por acirrado que seja o enfrentamento político, para que se
configure tal processo são necessários diversos elementos.
O governo no poder tem de exceder a
inerente capacidade de errar. É normal que o governante erre, ao assumir o
mando. O povo soberano tenderá a conceder-lhe um período de tolerância. Não há,
decerto, prazos fixos para isto, embora a boa-fé carece de ser pelo menos
presumida.
Tomemos, v.g., o exemplo de Dilma. Desde que assumiu o próprio mandato,
mostrou que tinha pressa em desenvolver a economia. Os métodos por ela
escolhidos nada tinham a ver com os de governos anteriores, mesmo o de Lula,
apesar de seu encanto, no segundo mandato, pelas capitalizações.
Dilma se cercava de gente do passado,
da era inflacionária, como Delfim e Belluzzo. Já surgiam os primeiros sinais
amarelos, mas não houve do povo maior reação, pelo prazo de tolerância que se
dá aos mandatários.
Uma desatenção continuada, porém, pode
principiar a acender luzes amarelas. Foi o caso das passeatas de 2013,
motivadas pelo aumento nas conduções. Por primeira vez irrompeu movimento que
de paulistano passou a nacional, com a inquietude da população notadamente
jovem espraiando-se por esses brasis.
A resposta de Dilma não foi desatenta,
mas primou pelo caráter errático, que viria a caracterizá-la no futuro. Tomou
um avião e foi consultar o seu criador, Lula, mas no final o que se originara
deste movimento popular autêntico foi uma reação desordenada, que teve alguns
resultados tópicos, mas que não produziu no poder petista de Dilma Rousseff uma
resposta que perdurasse e que mostrasse à população que a Presidenta havia
aprendido a lição.
Já a segunda eleição de Dilma
encontrou um Lula enfraquecido, que não pôde ou não quis afastá-la e assumir,
em seu lugar, o mando. Quem sabe ele soubesse demais, e terá preferido,
docemente constrangido, assim acatar a vontade da discípula.
Segundo essa provecta senhora[1]
iria demonstrá-lo uma vez mais, o poder, carcomido que esteja por pecados
insanáveis, guarda sempre a capacidade de perdurar.
Com a vantagem do tempo de propaganda
eleitoral, e a vasta aliança dos partidos, não só aqueles subalternos, como o PCdoB, mas também aqueles atraídos pelo
falso brilho do poder reinante, como tantos outros dessa sopa de legendas partidárias
que foram insufladas pela jurisprudência do Supremo, que derrubou a cláusula de
barreira, e instituíu proliferação que nada tem a ver com o respeito às
ideologias, mas à multiplicação de legendas que pelo seu viço veio desmoralizar
a boa intenção da doutrina do Ministro
Marco Aurélio. Hoje temos 35 legendas, e a perspectiva, além do
ridículo imanente, está no excesso, que só será coibido, quando olharmos em
volta e virmos a posição em que nos colocamos, com as legendas de aluguel, os
'candidatos a presidência' rituais e por aí afora.
Esquecer o meio-termo
aristotélico é decerto possível, como verificamos, mas o preço é alto e não só
em ridículo.
Mas voltemos à reeleição de Dilma
Rousseff. É fácil aos que estão de fora recomendar ou prudência, ou contenção,
a quem se encaminha a completar o primeiro mandato, não desconhecendo as
trampas e armadilhas que o caminho seguinte pode reservar, mas que pensa levar
com facilidade - como o fora a primeira presidência.
Todos ora conhecemos os perigos
que ela julgou passíveis de administração. E o segundo mandato, caracterizado
pelo chamado estelionato eleitoral -
em que ocultou a situação crítica da economia, os enormes déficits que a sua
imprudência provocara - representava o clássico exemplo da bomba de
retardamento que não tem como não explodir ao cabo da eleição, ganha com
dificuldade, contra um dos candidatos de oposição (Aécio Neves). A outra foi varrida por uma série de impedimentos -
tempo insuficiente, arregimentação do tribunal competente para dar tempo de
resposta, etc. - com a superação da candidata Marina - que em igualdade de condições representaria ameaça maior
para a Presidenta - pelo outro candidato de oposição, que tinha grande partido
na sua retaguarda.
Dilma pensou que resolveria
o problema do estelionato eleitoral e dos escândalos que começaram a pipocar
logo em seguida à eleição, com o Ministério da Fazenda entregue a um grande
quadro, Joaquim Levy.
Tal não seria possível,
porque a circunstância de convocar Levy respondia a um erro de avaliação da
Presidente Dilma. Ela pensou que seria factível resolver o enigma que acabaria
por devorá-la com medidas tópicas e com uma boa propaganda.
O apodrecimento do segundo mandato, dado o trauma do brutal logro
pregado na população (que ainda em maioria votara nela), não poderia ser
evitado com passes de mágica. Como estes não vieram, nem houve maior disposição
da Presidenta em criar condições mínimas para a recuperação, uma série de
fatores iria determinar-lhe o triste destino: a presidência da Câmara cai nas
mãos - e que mãos - de um desafeto político. A partir desse momento, derrubado
o campeão do PT, Arlindo Chinaglia, tudo começa ir por água abaixo.
A maioria no Congresso,
unida pelos fracos liames de uma preeminência do PT que a impopularidade começa
a devorar, se transforma em um salve-se quem puder.
Achando que fidelidade
pode substituir competência, Dilma se liga a uns poucos, que deixam partir o cavaleiro Joaquim, e a
afundam sempre mais no báratro da intentada demagogia, que só contribui para
tornar a posição de Dilma e a sua popularidade cada vez mais precária, ao
despencar para abaixo dos dois dígitos.
Some-se à
impopularidade - que é a resposta do Povão ao engano descomunal da reeleição -
à operação Lava-Jato e ao Juiz Sérgio Moro, que ao lado do Ministério Público,
começa a tortura chinesa da Segunda Administração de Dilma Rousseff.
O impeachment é um castigo severo, que semelha aquele raio que cai
impiedoso sobre o caminhante que atravessa um campo luzídio. Tais fenômenos
acontecem de raro em raro (há mais de duas décadas Fernando Collor foi atingido
por tal processo), e como os governantes têm o péssimo habito de culpar o
espelho pela figura que nele projetam, não é estranhável que o PT, e todo o seu
universo - criação autêntica de Lula da Silva - gritem pela injustiça sofrida,
deplorem a pobre Presidenta, como vítima de armadilha cruel do destino.
Toda essa fabulização é um lugar-comum da
História. A governante, no caso, procederia de forma mais respeitosa da
realidade se tivesse presente que nada que ora lhe aconteceu foi por acaso, e
não corresponde à própria responsabilidade. É uma tentação imanente de governante
atingido pelo raio do Impeachment
julgar-se um desprezado da sorte, quando não vítima de insidiosa conjura de
inimigos terríveis.
A lista dos
pecados do Partido dos Trabalhadores e de seus dois principais líderes - tanto
Luiz Inacio Lula da Silva quanto Dilma Vana Rousseff é enorme e está longe de
ser toda ela individualizada e devidamente punida. O leitor me dispensará o
trabalho de elencar toda essa série acabrunhante, que, quer queiram, quer não,
terá de ser passada a limpo porque é para isso que a Justiça existe.
( Fontes: Dicionário Mítico-Etimológico, de Junito
Brandão; O Globo, Folha de São Paulo; Rede Globo).
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