A liberdade de pensamento, assim como
a política, tornou-se uma ficção. Se no
passado ambas tiveram muitas restrições, o influxo maoista trazido por Xi Jinping veio colocar toda a questão
em outro nível. Tornou-se tópica e, por conseguinte, questionável a liberdade
do reporter, do comentarista e do orgão de imprensa. A sutileza, também nesse
ponto, não é o forte da nova ordem.
O máximo líder tratou logo de visitar
a agência Nova China de notícias, o Diário do Povo, e Tevê Central da China
(CCTV). E para não deixar qualquer dúvida sobre o controle pelo PCC da mídia
afirmou: "Toda a mídia de notícias (o que inclui todos os maiores órgãos
atuantes no país) deve trabalhar para expressar-se de acordo com a vontade do
Partido e as suas propostas, assim como proteger a autoridade e unidade do
PCC".
Nessa mesma ocasião, ele falava
diante de faixa que dizia "o nome de família da CCTV é o Partido".
Nesse sentido, encareceu ao pessoal da mídia que "aumente a própria
conscientização em alinhar a própria ideologia, pensamento político e ações aos
do Comitê Central do PCC". Poucos
dias após a referida 'visita', o Ministério da Indústria e Tecnologia de
Informação anunciou novos regulamentos que proibem todas as companhias da mídia
com investimento estrangeiro de publicarem on-line
na China sem aprovação governamental.
Mas a repressão não se limitou de
forma alguma apenas à mídia. Centenas de cruzes foram arrancadas das fachadas
de igrejas cristãs, padres e pastores presos, e os seus advogados de defesa
detidos, e obrigados a fazerem reconhecimentos públicos de culpa. E também no
que concerne ao crescimento da sociedade civil ao longo das últimas décadas,
uma nova lei da sociedade muito mais restritiva está sendo redigida com o intento
de colocar em sobreaviso as ONGs,
para que não colaborem com a contraparte estrangeira ou desafiem o governo.
Simultâneamente, pesquisadores com
pensamento independente em 'think tanks'[1] e professores demasiado francos nas universidades já se preocupam "com o
efeito congelador" das políticas de Xi na vida acadêmica tanto da China,
quanto em Hong Kong. Ativistas feministas que fizeram demonstrações contra o
acosso sexual foram presas "por incitar a brigas e provocar problemas",
enquanto os advogados de direitos humanos foram varridos por maciça onda de
prisões, acusados pela "criação de desordem pública" e até mesmo por
"subverter o poder do Estado".
Outro aspecto inquietante é que
Beijing está intensificando a sua pretensão de controle de pessoas e de
organizações além de suas fronteiras. Nesse sentido, a China tenta manipular a
opinião estrangeira através de muitos institutos Confúcio no exterior, assim
como jornais, revistas e até mesmo tevês que estão subordinadas ao departamento
de propaganda central e o PCC. Isso ao mesmo tempo que defendem a própria
soberania na informação...
Práticas usadas no passado,
mas agora reforçadas, estão na negação de vistos a jornalistas estrangeiros e
professores (scholars) havidos como
inamistosos. O Dalai Lama - que sempre foi objeto de uma frenética fobia -
como se ele fosse o mais perigoso inimigo de Beijing (o que talvez, pela
própria personalidade e poder de atração, ele o seja). Sempre faltou ao governo
chinês sensibilidade para dialogar com o símbolo da resistência à opressão no
Tibet. Entretanto, por esse mundo afora - e fantasma sabe para quem aparece -
Beijing logra pela intimidação que diversos governos não o recebam, como por exemplo os sucessores de Nelson Mandela na Africa do Sul.
A audácia chinesa nesse
ponto não conhece limites, e chegou a tentar que o Presidente Obama, há pouco
empossado, acedesse em restringir certos aspectos do cerimonial da visita do
Dalai Lama.
Como assinala o artigo de
Schell, a Comissão Central para a Inspeção Disciplinar (CCDI) está no epicentro
dessa campanha nacional voltada para o maior controle e suposto rejuvenescimento
da China, através da combinação de liderança mais vigorosa, a arregimentação de
pensamento e mais profunda lealdade a Xi. Desde muito um dos mais poderosos
órgãos internos do Partido, tão secretivo quanto temido, supostamente se dedica
à manutenção da disciplina partidária. Quando Xi ascendeu ao poder e designou
como Vice-Primeiro Ministro e membro do Comitê Permanente do Politburo Wang
Qishan como secretário desse poderoso órgão, também o encarregou de
lançar uma sem precedentes campanha anti-corrupção.
Wang toca muitos
instrumentos na política chinesa. Além de professor universitário e estudante
de história, ele chefiou o Banco Chinês de Construção, e também mostrou a sua
proficiência em questões financeiras e comerciais sob Hu Jintao, quando
trabalhou estreitamente com o Secretário do Tesouro americano Henry Paulson, no
início do Diálogo estratégico e econômico entre os EUA e a China.
Porque Wang abandonou
esse trabalho para se tornar um anônimo grande inquisidor só pode explicar-se, como aventa Schell, pela
estreita ligação com Xi, que data dos tempos difíceis quando ambos bastante jovens
foram mandados para a paupérrima região de Shaanxi, nos primeiros anos da
década de setenta.
O flagelo da
corrupção existe no PCC e em outras instâncias da administração pela simples
razão de que os agentes do partido e do Estado dispõem de grande poder (relacionado
obviamente com a sua área de ação), enquanto recebem baixos salários.
Intervindo em questões que envolvem grandes somas e podendo decidi-las desta ou
daquela maneira, tornam-se suscetíveis de serem persuadidos pelas partes
interessadas a entrar em esquemas de corrupção. É bom ter em mente que o
Partido Comunista é onipresente na China, tendo a propriedade da terra e muitos
outros bens de grande valia.
Deve-se recordar que Zhao
Ziyang - que foi Primeiro Ministro e Secretário-Geral do PCC sob Deng
Xiaoping - pensava possível controlar e reduzir drasticamente a corrupção
através da liberdade. O PCC como
instância do poder se torna tanto fator, quanto fautor de corrupção. Por isso,
para Zhao, somente através de sociedade mais aberta - e não sob o sufocante domínio
do PCC - seria possível dispor-se de maneira mais eficaz de expor a corrupção e os corruptos.
Como
ironicamente a linha conservadora de Li Peng - com o apoio de Deng -
prevaleceria, a China não evoluíu para a democracia, mesmo tentativa, como
ocorreu com Zhao, afastado sumariamente pela clique conservadora que manobrou o
velho Deng.
A ascensão de
Xi Jinping, por mais estranha que pareça, com a sua tentativa de recuperação de
Mao Zedong (que nas décadas de Deng e com o regime burocrático posterior se
limitara, como presença, ao poster
gigante na Praça da Paz Celestial) traz para a China do século XXI uma ação
contraditória como seria a do 'grande timoneiro', responsável por desastrosos
surtos para a sociedade chinesa (e inclusive a infame paternidade da fome, que
dizimou dezenas de milhões de camponeses).
Dentre as
armas para combater a corrupção, é difícil imaginar uma que privilegie a
sociedade repressiva do PCC - que é o seu antro preferido.
Essa
violenta regressão preconizada e implantada a ferro e fogo por Xi Jinping trará
grandes obstáculos - dentro e fora da China - para compatibilizar o ethos e o regime prevalente no Império
do Meio com uma eventual superpotência que tenha reais condições de liderança na
atual civilização mundial, com a sua onipresente rede de contatos, de laços e
de relações com o restante desse inquieto planeta Terra, em que a liberdade,
mesmo disfarçada ou adulterada, constitui um fenômeno mundial.
O que ora se
tenta construir na China é sociedade opressiva, fascisto-comunista, em que o
livre-pensamento, o pólen do desenvolvimento político, econômico e social, é
sistematicamente afastado e reprimido, sob o olhar distante da anacrônica
liderança de Mao Zedong, cuja efígie os
predecessores de Xi Jinping haviam
sabiamente consignado à icônica função do gigantesco, mas silente retrato
defronte da Praça de Tiananmen.
( Fontes: "Repressão na China: Cada Vez Pior", de Orville
Schell, em The New York Review of Books; Prisioneiro do Estado, diário secreto
do Premier Zhao Ziyang; "A República Popular da Amnésia - Tiananmen
revisitada", de Louisa Lim, Oxford University Press ).
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