A tendência dos chamados homens fortes na política é a
de criarem um vazio em torno deles.
Haverá, decerto, muitos bajuladores no seu entorno. Mas a capacidade de
apontar soluções válidas e caminhos novos não é, em geral, encontradiça nos
salões do chefe político.
Falta aos fâmulos e ao pessoal de
corte a idéia, vale dizer a capacidade de vocalizar propostas e soluções que
tenham substância, e que não se limitem a copiar planos e projetos do amo.
Recep
Tayyip Erdogan não surpreende pelo caminho percorrido. Repontou na política
turca com ideias liberais, ainda que cautelosas, e que a princípio o apontavam
como alguém capaz de chegar a compromissos.
Com o incremento do poder, a lei de Lord Acton[1]
passou a repontar no círculo do líder turco. Depois de várias tentativas de
partidos islâmicos de empolgarem o mando - o que representava uma denegação da
diretiva do pai da Turquia moderna, Mustafá
Kemal Ataturk - Erdogan teria êxito no projeto de lograr que partido
islâmico se assenhoreasse de força suficiente para alcançar dois objetivos
capitais: controlar os militares, até então havidos como fiscais da laicidade
do Estado; e assegurar, através de influência nas mesquitas, uma presença mais
obediente aos desígnios de sua
agremiação neo-islâmica.
Explicam-se, assim, os choques que
teve com a oposição, que é contrária à arregimentação popular em termos fideístas
(alcançada sobretudo junto às massas camponesas), os estudantes e intelectuais
que se opõem às várias tentativas de fortalecimento dos respectivos
instrumentos de poder; e não por último, com os curdos, essa enorme minoria que se debate até hoje com as manobras
da história em denegar-lhe um solo
nacional. Considerados inimigos da pátria turca, os curdos lutam com grandes
dificuldades para afirmar o próprio destino. Reflexo disso é a sua presença no
Parlamento, que aparece e desaparece, por causa dos enormes óbices que o
estamento turco lhes coloca pela frente.
Surpreende e mesmo espanta a
capacidade de Recip Erdogan manter-se na crista da onda no jogo político. Não
se diga que já não passou por momentos difíceis, mas tem sabido superá-los,
baseando-se sobretudo na popularidade com as massas interioranas e camponesas.
Tem sabido controlar o exército, assim como é impiedoso com os respectivos
inimigos.
Em tempo recente, por sua posição
geográfica, Erdogan logrou em certa medida virar o jogo com a União Européia,
inclusive arrancando concessões de Frau Angela Merkel. Recip Erdogan se vale do seu potencial
territorial com vistas a ajudar a União Européia no grande problema que a
confronta, i.e., a questão dos
refugiados da interminável guerra civil na Síria, em que Bashar al-Assad, de
quase deposto tornou-se aliado do autocrata Vladimir Putin, o que lhe ensejou a
sobrevivência política e militar (a custa de bases que cedeu a gospodin Putin).
Por sua vez, Erdogan tem feito a Europa
- que lhe denegara o ingresso na U.E. - pagar de certa forma humilhante o
eventual auxílio que tem prestado a Bruxelas.
Por fim, resta assinalar a
atual discórdia com o antes fiel Premier Ahmet Davutoglu, cuja demissão
forçou. Talvez o defeito principal de Davutoglu seja unir a própria capacidade
política à sua disposição de servir o chefe. O problema é que o 'Sultão' como é cognominado Erdogan não
admite pessoas, mesmo leais e com reconhecida habilidade, que possam ter alguma
autonomia nas suas ações políticas, por mais conformes que se apresentem com o
seu Amo e Senhor.
( Fonte: O Globo )
Nenhum comentário:
Postar um comentário