Ainda fora do visor da mídia
internacional, sopram na China gélidos ventos na política, tanto na área de
repressão à corrupção, quanto no expurgo de rivais políticos e de outros, com
divergentes posições políticas e ideológicas.
Depois
da derrota da facção 'conservadora' de Li Peng e prisão domiciliar de Zhao
Ziyang (1919-2005), a 'solução' dada para as manifestações estudantis na Praça
Tiananmen acaba com a distensão política, sucedendo-lhe período de pesada
repressão.
Com o desaparecimento político de Zhao
Ziyang, continua a hegemonia de Deng Xiaoping, que assumira e consolidara o
próprio poder nos anos de transição pós-Mao Zedong, de 1981 até 1997.
Posteriormente, mantida a liberalização
econômica e a rigidez política, se sucederam à testa do Estado chinês líderes
de um poder de ascensão (ultrapassou o Japão e se aproxima dos Estados Unidos)
e âmbito burocrático. Esse estado de coisas acaba-se, na prática, com o término
do 'mandato' de Hu Jintao, em 14 de março de 2013 (começara em 15 de março de
2003).
Hu Jintao, dentro da nova
sistemática pós-Mao, foi o sexto presidente da China. A RPC não é, nem nunca
foi, uma democracia. Ironicamente, tal regime só vigora no Império chinês, sob
a Imperatriz viúva Cixi, e dadas as reformas democráticas introduzidas por
Cixi, sobremodo na fase final de seu longo reinado. Sob muitos aspectos, a
China já no início do século XX (Cixi falece em 1908) era mais democrática do
que os regimes posteriores. Tanto na república de Sun Ya-tsen, quanto no
nacionalista de Chiang Kai-Shek a democracia se torna uma ficção, e a fortiori na era comunista, iniciada
por Mao Zedong em 1949, ela só está presente no respectivo título.
Ao passar o governo para o sucessor
Xi Jinping, sob o aguilhão da corrupção que prevalecera nos governos
anteriores, Hu Jintao, embora não pessoalmente corrupto, assistira à eclosão de
vários escândalos nesse campo, inclusive no de seu Primeiro Ministro, que é o
segundo na hierarquia chinesa. Com efeito, reportagem da mídia americana
desvendara a riqueza acumulada pela família de Wen Jiabao, que como o segundo
de Hu Jintao trata da administração do estado chinês.
Terão sido esses escândalos de
corrupção que induziram ao novel Secretário-Geral do PCC, Xi Jinping a lançar
ambiciosa campanha para escoimar do Partido aqueles por ele chamados de "tigres e moscas", isto é,
funcionários corruptos e empresários,
tanto grandes, quanto pequenos.
Desde que começa em 2012, na consueta
longa passagem do mando, esta campanha já apanhou mais de 160 'tigres', com nível
ou acima ou equivalente ao segundo provincial, ou substituto de ministro. Já a
raia miúda, formada pelas moscas, ostenta captura que supera
os 1400, todos funcionários de nível
inferior.
Contudo, essa campanha, dada a sua dinâmica,
não tardou em espraiar-se em um expurgo de massa no estilo neo-maoista, já com
critério mais difuso, não apenas voltado para os ditos ladrões do erário
público, mas já sob o impulso de repressão indiscriminada, também dirigida a
rivais políticos e outros, com visões diversas (do poder) em termos ideológicos,
ou até de facção.
Sem se dar conta, ou deixando-se levar pela
corrente, Xi desperdiça um trunfo considerável, dado o prestígio de que
dispõe (ou dispunha) em relação aos seus antecessores. Por uma série de
fatores, a força do novo líder supera de muito a daqueles que o precederam
neste opaco sistema de governo, marcado pelo burocratismo e, por conseguinte, a
relativa pouca força cogente de seus antecessores.
Essa vantagem em termos de prestígio (e valor)
pessoal habilita Xi Jingping a não acomodar-se com injunções de instituições ou
usanças, que na prática ocasionam uma espécie de interregno na fase inicial, a
título de respeito pelo dignitário a quem sucedia.
Não é por acaso, portanto, que o
antes quase esquecido 'grande timoneiro' - excetuado o seu ominoso quadro
gigante que confronta a Praça da Paz Celestial - reapareceu bruscamente, por
mais que a sua imagem seja anacrônica com as pretensões da República Popular da
China, com a economia intenta em galgar o máximo escalão na ordem capitalista,
assim como a respectiva moeda, o renmimbi
já alçado ao nível de moeda de reserva
internacional pelo Fundo Monetário Internacional.
Com efeito, em 30 de novembro de
2015, o Fundo - em decisão que pareceu um tanto apressada a alguns
especialistas - colocou o yuan (renmimbi) no mesmo nível do dólar estadunidense,
do euro, do yen japonês, e da libra esterlina, na chamada cesta de moedas de
reserva internacional.
A China, agora sob o punho de Xi,
faz lembrar um provérbio francês, que dita "não desejes muito uma coisa,
porque ela pode acontecer". Os seus antecessores imediatos - e o próprio
Deng Xiaoping que é quem dera condições ao seu gestor econômico, o hoje
esquecido Zhao Ziyang (morto em prisão domiciliar, a 17 de janeiro de 2005, em
Beijing, em blecaute de informação por ser demasiado popular) de colocar a RPC
como economia de mercado, e, portanto, afastando os liames marxistas impostos
por Mao Zedong...
Uma coisa é alguém deixar pendurado
nas muralhas da Cidade Proibida um poster
gigante do 'grande timoneiro'. Bem outra, é providenciar-lhe a ressurreição
política, com o retorno de seus preceitos ideológicos e toda a respectiva
escumalha. Como diz a fábula popular, você não pode ter tudo (pela
circunstância de que existem coisas
inconciliáveis).
Não é que a China antes tenha sido um modelo
de democracia. Não se pode olvidar que no mundo existe apenas um Prêmio Nobel
que está na cadeia, pela própria circunstância de advogar para a RPC um regime
constitucionalista moderado, que a própria Imperatriz Cixi aceitaria de bom
grado... Liu Xiaobo está preso e
condenado por infame sistema judiciário que o consignou a masmorra interiorana
desde 2008. A situação de sua esposa, Liu
Xia, tampouco é invejável, pois na prática está em prisão domiciliar, culpada
por ser a cônjuge do criminoso que propôs um moderado regime de governo para
a democracia popular chinesa.
O governo chinês tentou por todos os modos
coagir a pequena Noruega - que sedia o Nobel
da Paz - a não realizar a cerimônia.
Esse tipo de intervenção é comum pela RPC, e uma grande parte de países, como a
União Sul Africana, v.g., se curvam aos seus ditames que em geral se dirigem a
barrar visitas do Dalai Lama, um
perigoso ativista anti-chinês, como tentam fazer passar os apparatschiks chineses. Para a sua
honra, a Noruega se negou a
curvar-se, malgrado todas as ameaças de Beijing. Há um princípio muito
importante na política - e na vida: em geral fantasma sabe para quem aparece...
O que é ruim no caso é que o pobre Liu Xiaobo não pode dar bom uso aos milhões
do prêmio. Por seu lado, a esposa, Liu Xia, vive um circunscrito inferno,
estando, na prática, mais do que em prisão domiciliar.
Com
efeito, essa senhora está sendo punida pela grave circunstância de ser esposa
de Liu Xiaobo. Dias depois da sua sentença à prisão, Liu Xia foi submetida à prisão domiciliar severa, sem direito
sequer ao uso de telefone, nem da internet.
Tudo isso porque sobre ela pesa o
grave crime de não ter traído ao
companheiro, e na medida do possível, tente visitá-lo, nas eventuais
possibilidades que lhe abre, com a habitual
má-vontade, o sistema carcerário da segunda potência do planeta.
Tenha-se presente que tais
medidas foram aplicadas antes do advento de Xi Jinping, que
transcorreu em 2012, que pode ter a ver com muita coisa, mas absolutamente nada
a ver com a prisão e condenação de Liu Xiaobo, e com o acosso de sua esposa.
Como agora o artigo de Orville Schell lamenta a
imposição do arrocho na China, com o advento de Xi, tentaremos examinar em próximo blog o que veio a piorar na RPC.
(a continuar)
(Fontes: The New York Review of Books - artigo de Orville Schell: 'Crackdown in China: Worse and Worse'; "Prisoner of the State - The Secret Journal of Premier Zhao Ziyang, e Empress Dowager Cixi, de Jung Chang )
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