quinta-feira, 26 de maio de 2016

Lembranças do meu tio Adolpho

                              

        Antes que comece a desfiá-las, me parece oportuno esclarecer alguns pontos.
        Se sou do tempo em que se chamava tio os irmãos de pai e mãe, também a apelação se estendia aos chamados tios políticos, a saber, os maridos das minhas tias.
        O que seria a minha primeira vinda ao Rio, foi truncada por tragédia familiar. Por isso, só o conheceria depois, na minha condição de órfão, que acompanhava a mãe viúva.
        Nesses primeiros contatos, me impressionou o seu modo livre de falar, que não enjeitava os palavrões, na época um tabu na linguagem nas famílias de classe média.
        De pronto se diga que Adolpho e Lucy já frequentavam a sociedade, mas ele e o seu linguajar - que hoje não despertaria mossa - chamou a atenção da criança pela sua naturalidade. A princípio, decerto, ainda o tentariam policiar com brandas advertências: "Bloch, olha o menino!", mas não tardaria que, com um piscar de olhos, ele me envolvesse em marota cumplicidade.
        Na verdade, tais palavras não eram expletivas na fala de tio Adolpho. Muito antes que eles se tornassem quase inócuos, ele já os empregava no próprio falar, a ponto de que se os extirpássemos de seu discurso, ele nos pareceria chocho ou até de pé quebrado.
         O outro tio político, Américo Laporta, casado com minha tia Marina, ele de certo modo o protegia, e o tratava bem, no que diferia do restante da família, que o olhava um pouco de cima, prevendo decerto a próxima separação. Este seria outro tipo que poderia virar personagem de Nelson Rodrigues, pois o seu truque preferido, no setor sentimental, era fazer-se de pintor para envolver os respectivos 'modelos' que respondessem ao maroto anúncio, e viessem ao próprio 'ateliê".
          Ainda pequeno, eu os contemplava de baixo para cima, com o ar intrigado de uma criança. Mas me lembro bem que os dois não hesitaram, em meio ao nervosismo familiar, quando, por travessura infantil, caí em cima de mesinha com tampo de vidro, e sofri as consequências de tal acidente.
          Levaram-me ao Pronto-Socorro que não distava muito da avenida Antonio Carlos, onde estava hospedado. Eram outros tempos, e o atendimento foi pronto - alguns pontos na barriga da perna e sei lá se alguma injeção preventiva. Não demorou muito voltava, escabreado, aonde me esperava minha mãe, com o terno olhar para o único filho, de que o sermão seria apenas outro expletivo, que desapareceria na memória.
           Na época, Adolpho não era muito conhecido, embora estivesse entre os viúvos da Praça Onze. Mas por sua interveniência, fui cuidado prontamente. Não havia filas, naquele tempo... Mais tarde, Adolpho Bloch deixaria de ser gráfico, para virar dono de revista - a Manchete, que lançaria no início dos anos cinquenta - mas nunca o abandonaria a fala livre, e os expletivos com que pontuava a expressão.

           Mas isso é outra estória, que escavarei mais tarde...

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