Antes que comece a desfiá-las, me parece oportuno
esclarecer alguns pontos.
Se sou do tempo em que se chamava tio
os irmãos de pai e mãe, também a apelação se estendia aos chamados tios
políticos, a saber, os maridos das minhas tias.
O
que seria a minha primeira vinda ao Rio, foi truncada por tragédia familiar. Por
isso, só o conheceria depois, na minha condição de órfão, que acompanhava a mãe
viúva.
Nesses primeiros contatos, me
impressionou o seu modo livre de falar, que não enjeitava os palavrões, na
época um tabu na linguagem nas famílias de classe média.
De pronto se diga que Adolpho e Lucy já
frequentavam a sociedade, mas ele e o seu linguajar - que hoje não despertaria mossa
- chamou a atenção da criança pela sua naturalidade. A princípio, decerto,
ainda o tentariam policiar com brandas advertências: "Bloch, olha o
menino!", mas não tardaria que, com um piscar de olhos, ele me envolvesse
em marota cumplicidade.
Na verdade, tais palavras não eram
expletivas na fala de tio Adolpho. Muito antes que eles se tornassem quase
inócuos, ele já os empregava no próprio falar, a ponto de que se os
extirpássemos de seu discurso, ele nos pareceria chocho ou até de pé quebrado.
O outro tio político, Américo Laporta,
casado com minha tia Marina, ele de certo modo o protegia, e o tratava bem, no
que diferia do restante da família, que o olhava um pouco de cima, prevendo
decerto a próxima separação. Este seria outro tipo que poderia virar personagem
de Nelson Rodrigues, pois o seu truque preferido, no setor sentimental, era
fazer-se de pintor para envolver os respectivos 'modelos' que respondessem ao
maroto anúncio, e viessem ao próprio 'ateliê".
Ainda pequeno, eu os contemplava de
baixo para cima, com o ar intrigado de uma criança. Mas me lembro bem que os
dois não hesitaram, em meio ao nervosismo familiar, quando, por travessura
infantil, caí em cima de mesinha com tampo de vidro, e sofri as consequências
de tal acidente.
Levaram-me ao Pronto-Socorro que não
distava muito da avenida Antonio Carlos, onde estava hospedado. Eram outros
tempos, e o atendimento foi pronto - alguns pontos na barriga da perna e sei lá
se alguma injeção preventiva. Não demorou muito voltava, escabreado, aonde me
esperava minha mãe, com o terno olhar para o único filho, de que o sermão seria
apenas outro expletivo, que desapareceria na memória.
Na época, Adolpho não era muito
conhecido, embora estivesse entre os viúvos da Praça Onze. Mas por sua
interveniência, fui cuidado prontamente. Não havia filas, naquele tempo... Mais
tarde, Adolpho Bloch deixaria de ser gráfico, para virar dono de revista - a
Manchete, que lançaria no início dos anos cinquenta - mas nunca o abandonaria a
fala livre, e os expletivos com que pontuava a expressão.
Mas isso é outra estória, que
escavarei mais tarde...
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