terça-feira, 10 de maio de 2016

O Passado condena a Justiça carioca...

                              

       Já aludi à prática dos jornalões de contornar a dificuldade de notícias quentes[1] no domingo, seja com a realização de pesquisas estatísticas sobre determinadas questões, seja com o preparo de véspera de matérias de potencial interesse da comunidade.
        Nem sempre tais reportagens se afiguram dignas do interesse diante do espaço que ocupam,  mas a página sobre o Rio de Janeiro da edição de domingo passado, sob o cabeçalho 'Não vai dar em nada', e o subtítulo "Rio tem histórico de tragédias em que a impunidade é o traço comum", me pareceu de singular oportunidade e pertinência.
        São realmente impressionantes os anais das calamidades - todas elas causadas pelo bicho homem - em que o número de mortes permanece impune, ou com pífios, no limite do revoltante, resultados em termos de punição aos culpados.
        Dessarte, a expressão - já gravada nas reações do carioca - "Não vai dar em nada" está longe de constituir exagero de retórica.  Na verdade, é uma cínica, desalentadora, revoltante mesmo, resposta da sociedade a calamidades provocadas por irresponsabilidades coletivas e até individuais, com uma colheita de mortes, que em outras partes do mundo receberiam uma punição da sociedade que, a par do castigo devido, teria o peso necessário de contribuir para que tais desgraças, fruto da irresponsabilidade, da negligência, ou de criminosa cobiça,  não mais se repitam no futuro.
        Para que o leitor, ou relembre, ou tome ciência dessas desgraças, que, na prática, ou pelas penas risíveis, ou pelas respostas revoltantes, constituem experiências que não deveriam ser repetidas.
        Dentre as calamidades, cito apenas o desabamento do Elevado da Paulo de Frontin, ocorrido em 1971, com 29 mortes e dezoito feridos; o naufrágio do Bateau Mouche (31 de dezembro de 1988), com 55 mortos; o desabamento de duas colunas do edifício Palace 2 (com oito mortos e 178 desabrigados), em 1998; o descarrilamento do bondinho  em Santa Teresa (28 de agosto de 2011), com 61 passageiros, dos quais morreram seis, inclusive o motorneiro que pela sua presença de espírito  salvou muitas vidas, mas que nem por isso deixou de ser admoestado pelo Secretário de Transportes, que foi da opinião que ele deveria cuidar de logo trazer para a oficina o bonde...       
         Punições: Elevado, o engenheiro-responsável  levou um ano e 4 meses, mas ganhou sursis; Bateau Mouche: 142 pessoas  festejavam o Ano Novo, mas a capacidade da embarcação era de 62 - dois dos onze réus foram condenados em regime semiaberto, mas fugiram seis meses depois; Edifício Palace 2:  Três engenheiros foram acusados, inclusive Sergio Naya, que foi inocentado, e o engenheiro-calculista  foi condenado e ficou preso 29 dias;    Bonde de Santa Teresa ; seis mortos e 56 feridos. 
         Se cotejarmos a triste colheita pelas faltas cometidas, que visita a outros, pessoas inocentes, que ou desejavam passar um alegre reveillon, ou viajar no bondinho de Santa Teresa ou morar em um prédio na Barra, ou até passar por um elevado em construção  cuja segurança tinha sido afetada por incríveis visitas (janelas no concreto), essa comparação pode transformar-se na pior acusação a ser levantada contra todo o esquema de Justiça no Estado do Rio, em que as mortes de inocentes ou não são castigadas, ou recebem penas ridículas.
           É uma conclusão pior do que a mais viperina catilinária, pois mostra a nu que o aparato da Justiça no Rio de Janeiro (e vejam o seu peso nos cofres públicos) se aproxima de zero em termos de punir os culpados e criar condições para que tais abusos não sejam repetidos.


( Fonte:  O Globo )



[1] quente tem a ver com pertinência e atualidade, o que não é fácil em edição dominical, que tem de ser distribuída com maior antecedência.

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