Já aludi à prática dos jornalões de contornar a
dificuldade de notícias quentes[1] no
domingo, seja com a realização de pesquisas estatísticas sobre determinadas
questões, seja com o preparo de véspera de matérias de potencial interesse da
comunidade.
Nem sempre tais reportagens se afiguram
dignas do interesse diante do espaço que ocupam, mas a página sobre o Rio de Janeiro da edição
de domingo passado, sob o cabeçalho 'Não
vai dar em nada', e o subtítulo "Rio tem histórico de tragédias em
que a impunidade é o traço comum", me pareceu de singular oportunidade
e pertinência.
São realmente impressionantes os anais
das calamidades - todas elas causadas pelo bicho
homem - em que o número de mortes permanece impune, ou com pífios, no
limite do revoltante, resultados em termos de punição aos culpados.
Dessarte, a expressão - já gravada nas
reações do carioca - "Não vai dar em nada" está longe de constituir
exagero de retórica. Na verdade, é uma cínica,
desalentadora, revoltante mesmo, resposta da sociedade a calamidades provocadas
por irresponsabilidades coletivas e até individuais, com uma colheita de
mortes, que em outras partes do mundo receberiam uma punição da sociedade que,
a par do castigo devido, teria o peso necessário de contribuir para que tais
desgraças, fruto da irresponsabilidade, da negligência, ou de criminosa
cobiça, não mais se repitam no futuro.
Para que o leitor, ou relembre, ou tome
ciência dessas desgraças, que, na prática, ou pelas penas risíveis, ou pelas
respostas revoltantes, constituem experiências que não deveriam ser repetidas.
Dentre as calamidades, cito apenas o
desabamento do Elevado da Paulo de Frontin, ocorrido em 1971, com 29 mortes e
dezoito feridos; o naufrágio do Bateau Mouche (31 de dezembro de 1988), com 55
mortos; o desabamento de duas colunas do edifício Palace 2 (com oito mortos e
178 desabrigados), em 1998; o descarrilamento do bondinho em Santa Teresa (28 de
agosto de 2011), com 61 passageiros, dos quais morreram seis, inclusive o
motorneiro que pela sua presença de espírito salvou muitas vidas, mas que nem por isso
deixou de ser admoestado pelo Secretário de Transportes, que foi da opinião que
ele deveria cuidar de logo trazer para a oficina o bonde...
Punições:
Elevado, o engenheiro-responsável
levou um ano e 4 meses, mas ganhou sursis; Bateau Mouche: 142
pessoas festejavam o Ano Novo, mas a
capacidade da embarcação era de 62 - dois dos onze réus foram
condenados em regime semiaberto, mas fugiram seis meses depois; Edifício
Palace 2: Três engenheiros foram
acusados, inclusive Sergio Naya, que foi inocentado, e o engenheiro-calculista foi condenado e ficou preso 29 dias; Bonde de Santa Teresa ; seis mortos e 56
feridos.
Se cotejarmos a triste colheita pelas
faltas cometidas, que visita a outros, pessoas inocentes, que ou desejavam
passar um alegre reveillon, ou viajar no bondinho de Santa Teresa ou morar em
um prédio na Barra, ou até passar por um elevado em construção cuja segurança tinha sido afetada por
incríveis visitas (janelas no
concreto), essa comparação pode transformar-se na pior acusação a ser levantada
contra todo o esquema de Justiça no Estado do Rio, em que as mortes de
inocentes ou não são castigadas, ou recebem penas ridículas.
É uma conclusão pior do que a mais
viperina catilinária, pois mostra a nu que o aparato da Justiça no Rio de
Janeiro (e vejam o seu peso nos cofres públicos) se aproxima de zero em termos
de punir os culpados e criar condições para que tais abusos não sejam
repetidos.
( Fonte: O
Globo )
[1] quente tem a ver com pertinência e atualidade, o que não é fácil em
edição dominical, que tem de ser distribuída com maior antecedência.
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