Em complemento ao blog 'Democracia
Chinesa', do início de maio, fiz resenha do artigo de Orville Schell "O arrocho na China:
cada vez pior", que já apresentava visão mais atualizada da atuação de Xi
Jingping, que se afastava dos laivos democráticos de Hu Jintao e
antecessores.
Agora o n° 8, com as datas de 12 a 25
maio correntes, da New York Review of
Books, nos traz artigo de outro sinólogo, Andrew J. Nathan,
em que a visão das perspectivas do gigante chinês se me afiguram ainda mais pessimistas.
Essa avaliação política complementa a
anterior, mas sob certos aspectos mostra quadro mais inquietante no que
concerne às possíveis perspectivas do governo de Xi.
Através do arrocho na sociedade
chinesa, já sinalizado no trabalho de Schell, Nathan aponta para outros aspectos que, além de reforçarem tal
tendência, apresenta traços ainda mais vincados e inquietantes: "Existe
incessante repressão em todas as formas de dissenso e de ativismo social: a internet e a mídia social estão sujeitas
a controles muito mais estreitos; cruzes cristãs e igrejas são demolidas; as
duas nacionalidades colonizadas, os uighurs
e os tibetanos são submetidos a
perseguições ainda maiores; advogados ativos na defesa dos direitos humanos têm
sido presos e postos em julgamento; aglomerações públicas são restringidas; inúmeras
publicações são censuradas; livros de texto estrangeiros estão oficialmente
banidos das classes universitárias; os intelectuais estão sob escrutínio das
autoridades; as ONGs estrangeiras e nacionais foram submetidas a pressões sem
precedentes dos organismos oficiais, e muitas foram 'convidadas' a deixar a
China; são regulares os ataques contra as 'forças hostis estrangeiras'; e os apparatchicks da 'manutenção da
estabilidade' estão por toda a parte no Império do Meio. Em conclusão, a
impressão geral é que a China se está tornando uma sociedade mais repressiva de que em
qualquer período depois da histeria do pós-Tiananmen 1989-1982" (Extraído
do livro de David Shambaugh, Futuro
da China. )
Consoante Nathan acentua, Xi é diferente de Mao
(a quem idoliza) em vários pontos importantes. Ele se serve de informações mais
acuradas do que Mao, por dispor de aparato de repressão mais extenso e
eficiente. Ao invés de valer-se de Guardas Vermelhos e de outras formas de histeria coletiva, ele
se vale das câmaras do PCC, assim
como de acusações de corrupção (e de revisionismo doutrinal) para expurgar
rivais.
Há grande diferença entre Mao
e Xi:
o primeiro era um pensador e estilista literário; por sua vez Xi tem idéias banais, mas é mais
consistente quanto às decisões que formula.
O Ocidente, no entanto, não deveria
iludir-se quanto à reforma que planeja. Para ele as forças do mercado devem ter
papel determinante para a alocação dos recursos, mas não se deve ter ilusões
quanto à função dessas forças do mercado que devem revigorar as empresas
estatais e as instituições financeiras estatais como líderes do mercado. Doutra
parte, essas forças continuam a fruir do apoio do Estado para continuar a ser
uma grande parte da Economia.
O objetivo principal é o de
manter o PCC no poder. Por outro lado, a concentração do poder de Xi - ele
pretende quebrar a recente norma de dois períodos de cinco anos, e ao invés
servir mais um ou até dois períodos à testa do Estado. Não é apenas o PCC que
Xi Jinping quer manter no comando.
Tal aspecto, isto é, a
concentração do poder ambicionada por Xi coloca gravíssimos problemas para a China.
Nathan cita a propósito interessante
discurso de Deng Xiaoping "Sobre a reforma do Sistema de Partido e
Liderança no Estado" (datado de 18.08.1980): A superconcentração do poder
é tendente a dar nascimento ao governo arbitrário por indivíduos. A
super-concentração do poder tende a dar nascimento ao governo arbitrário por
indivíduos às custas da liderança coletiva e é importante causa da burocracia
nas presentes circunstâncias. Há um
limite para o conhecimento, a experiência e a energia de qualquer pessoa. Se uma pessoa ocupa muitos postos
importantes ao mesmo tempo, será difícil para ele dominar os problemas no seu
trabalho, e o que é mais relevante, ele bloqueará o caminho de muitos camaradas
em melhores condições de assumir postos de direção.
Como se sabe, era esta a
posição do líder chinês Zhao Ziyang
que por infeliz coincidência pôde ser afastado do poder na década de noventa (foi
notadamente Primeiro Ministro e membro do Politburo, e a partir de 1987,
Secretário-Geral do PCC). Zhao, pela sua involuntária ausência
em viagem de estado à Coréia do Norte, o grupo conservador de Li
Peng conseguiu convencer o velho Deng a assinar manifesto provocador
contra o movimento estudantil na Praça da Paz Celestial. O restante é conhecido...
A desmedida ambição de Xi o
levou a assumir, na prática, a totalidade do poder na China. Isto se choca com
as sábias regras de controle coletivo do PCC, com vigência até há pouco, nas
sucessivas lideranças, de que Hu Jintao foi a última.
É interessante aquilatar o
risco para a China, e dado o seu atual peso, para o próprio mundo, do esquema de poder
absoluto para Xi. O próprio Robespierre, com seu espírito revolucionário,
tinha um comitê restrito de salvação nacional, que, de alguma forma, restringia a autoridade sem limites do
"Incorruptível".
Ao virar de cabeça de para
baixo o bom-senso do velho Deng, Xi coloca em risco a sobrevivência do regime
na sua capacidade de suportar enorme carga de trabalho e não fazer grandes
erros. Dessarte, ele põe para correr
a mídia e os altos funcionários fora de seu círculo imediato de lhe dizer a
verdade factual. Ele tenta também conter a crescente diversidade de forças
sociais e intelectuais que tende a se tornar cada vez mais fortes.
Ao invés de criar um consenso acerca do caminho da RPC para o pleno desenvolvimento, ele
pode estar levantando barreiras para tal implementação tanto nas elites
econômicas e intelectuais, quanto na própria liderança política.
Outro aspecto com possíveis repercussões
negativas para o futuro, está na circunstância de Xi confiar a membro
aposentado do Comitè Permanente do Politburo, isto é, ao seu velho amigo Zhou
Yongkang, assim como a outros funcionários aposentados, a missão de
preparar e realizar promotorias relativas a crimes de corrupção. Com tal novo
procedimento, Xi quebra importante regra
administrativa: os aposentados que até hoje são imunes de procedimentos penais
tão logo deixem as respectivas funções estatais, se tornam igualmente
responsáveis, como os funcionários na ativa.
Por assumir tais novas funções punitivas, eles deixam de ser penalmente
irresponsáveis em termos administrativos.
A óbvia conclusão é que o
próprio Xi Jinping se está
colocando a ele próprio em perigo, ficando exposto a procedimentos penais mesmo
após a sua aposentadoria dos seus atuais altos cargos. Com efeito, mudando o
sistema, como pode ter ele a segurança de não
ser processado com o novel sistema sistema por ele instaurado?
Como resultado prático,
portanto, do ativismo do governo de XI é
que a aposentadoria se democratize em um sentido que decerto não estaria
previsto pelas autoridades atualmente no exercício do pleno poder: se a regra
valer, ninguém mais poderá estar seguro de não
ser processado por algum desafeto. Em outras palavras, a aposentadoria deixa
de ser um remanso seguro para qualquer pessoa.
O sinólogo Andrew J. Nathan
sublinha, ao final, a circunstância de que o regime instituído por Xi Jinping
se comporta como se estivera enfrentando uma ameaça existencial. Seria decerto leviano prever que sua tentativa de consolidar o governo autoritário - que é um senhor recuo na progressão chinesa
- esteja destinada ao fracasso. Mas não
é demais apontar o implícito contrassenso: o intento em apreço se arrisca a criar
a própria crise política que a tentativa em tela busca evitar.
( Fonte: The New York Review #
8: artigo de Andrew Nathan: "Quem é Xi Jinping?" )
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