Acontecem coisas muito estranhas
nos altos foros diplomáticos. Tome-se, por exemplo, a declaração do Secretário
de Estado John Kerry de que o
Presidente Barack Obama lhe
determinou entrar em contato com o seu
homólogo Sergei Lavrov para que se estabeleçam conversações entre os militares dos dois países sobre a crise
dos refugiados sírios.
A propósito,
Kerry referiu que o Presidente americano acha-se persuadido de que esta seria a melhor maneira de lidar
com a crise.
Antes que
tentemos aprofundar a questão, deve-se ter presente que a iniciativa estadunidense
tem causa bem determinada. Antes que acusem Obama de tautologias, cumpre não
esquecer que ele foi contactado pelo presidente russo nesses últimos dias.
O objeto da
iniciativa de Vladimir Putin se
afigura bastante óbvio. A propósito da
crise dos refugiados sírios, o senhor do Kremlin
propõe ao presidente da superpotência que ambos conversem sobre meios e modos
de resolver essa situação.
Ou muito me
engano, o Presidente Obama discerniu nesse oferecimento de seu colega russo não
só a proposta nua e crua de trocar idéias e – quem sabe? – acertar procedimentos
acerca de crise (na verdade, caos) de refugiados, que está colocando para a
União Europeia um magno problema de que dão a impressão de não terem condições
ou a vontade de enfrentar, equacionar e, se possível, resolver esse magno
desafio.
Semelha hipótese digna de crédito que o
presidente Putin viu na crise dos refugiados a oportunidade de sair de sua
posição de quase-pária internacional, posição esta criada pela recente anexação
da Crimeia por Moscou. Trazer de volta para o século XXI o menosprezo do
direito internacional público, através de cínica e sorrateira invasão de um
país vizinho mais fraco carreou para a Rússia a condenação internacional,
manifestada em recomendação da Assembleia Geral das Nações Unidas. A ilegalidade
desse ato de arbítrio contra o direito das gentes foi condenada pela[1]
grande maioria dos Estados-Membros. A reação dos Estados Unidos e de países
europeus foi correspondente ao desrespeito de Putin pelo direito internacional
e o princípio de pacta sunt servanda.
As sanções de Washington e de Bruxelas foram pontuais e tiveram o objetivo de
castigar Putin e o seu grupo de poder, como a professora Karen Dawisha o
demonstra com proficiência em seu recente livro Putin’s Kleptocracy (A
Cleptocracia de Putin).
Por outro
lado, a jogada anterior de Putin, relativa a outras crises, em que recuou para
a suposta obscuridade de ser por quatro anos Primeiro Ministro de seu leal
aliado Dmitriy Medvedev, alçado este entrementes à Presidência, mostraria a
frieza e a habilidade de Vladimir Vladimirovich Putin.
Quatro anos
depois Putin retomaria as rédeas da presidência, fazendo ainda jus a uma
avaliação de respeito pela sua respeitável jogada política. E não se deve
esquecer que para abocanhar a Crimeia, no seu plano de reconstituição do antigo
poder, ele optou por malbaratar todo um prestígio de personagem confiável na
arena internacional. Naquela ocasião a Rússia foi sumariamente afastada do
Grupo dos Oito, o tradicional Grupo das principais potências mundiais.
O
Presidente Obama terá julgado demasiado cedo para a reabilitação de Putin.
Ter-se-á de resto presente que as sanções aplicadas ao grupo de Putin foram,
pela sua acurada informação, bastante sensíveis, em termos de ligações
financeiras junto ao capital internacional. Sentar-se com Putin para discutir a
crise dos refugiados sírios o seria por uma causa importante, mas Obama que não
faz muito apodou a Federação Russa de Poder
Regional há de ter julgado que seria apagar depressa demais grave agressão contra um país vizinho, que, ao
que conste, apesar de a guerra na Ucrânia não ser ultimamente motivo de maior cobertura internacional, não se deve
levar a cegueira a ponto de acreditar que mais esta agressão a vizinhos seus
(aqueles sobre quem pesa o ominoso perigo do estrangeiro próximo que é como Moscou tradicionalmente se refere
aos países com que tem fronteiras).
Por tudo
isso, Obama fez através de seu Secretário de Estado a contraproposta de um diálogo entre autoridades militares. Sem
desfazer dos colegas de farda, será forçoso reconhecer que o Presidente
americano pensa menos em desmerecer Moscou, do que em instituir um mecanismo
que ele julga possa adequar-se à presente crise, encontrando soluções pontuais
para o drama dos refugiados.
Por ora,
cabe verificar qual a resposta de Vladimir Putin. Depois, dados os múltiplos
falsos encaminhamentos dessa relevante questão,
atitudes que só tem agravado o sofrimento dos refugiados sírios, quero
crer que seria o caso de aprofundar um pouco mais esse magno tema que hoje mostra
uma dupla crueldade: a maneira fria e egoista com que grande número de países
tem tratado um problema humano dessa magnitude, sem falar da causa primeira
desse escândalo ético, moral e humano, que continua a ser varrida para baixo do
tapete.
( Fontes: Karen
Dawisha – Putin’s Kleptocracy; O Globo )
[1] A abstenção do Brasil vai
contra toda a nossa tradição diplomática, e constitui erro gravoso da
Presidente Dilma Rousseff, que terá julgado ser um acróstico razão suficiente
para enlamear um grande e secular legado diplomático.
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