O leitor habitual
deste blog não terá esquecido a sua extensa cobertura da guerra civil na Síria. A
aliança rebelde síria, com o apoio da Liga Árabe, àquele momento dava grandes
indicações de que poderia sair vencedora, forçando ao exílio (e talvez ao T.P.I.) , o ditador Bashar
al-Assad.
Mas a natureza
abomina o vácuo e Assad, contra toda expectativa, logrou sobreviver aos ataques
dos sírios livres. Com a falta de apoio à sua causa – mormente de Barack Obama,
que contrariou a seu tempo recomendação nesse sentido da então Secretária de
Estado, Hillary Clinton, e de todos os demais chefes de órgãos ligados à
segurança americana, a guerra civil naquele país, e sobretudo o poder de ataque da Liga
Rebelde, regrediu.
Assad pôde
assim manter o que lhe restava de poder, enquanto prevalecia a estagnação no
front. Como tanto as guerras, quanto a natureza abominam a stasis,[1] não tardariam em aparecer atores nesse cenário, sendo o mais
relevante o ISIS que tem retalhado diversos países enfraquecidos (como o Iraque
e a própria Síria) para apoderar-se de áreas territoriais abandonadas ou
fracamente defendidas pelos respectivos governos.
Graças ao
apoio da Rússia e do Irã, na área ocidental da antiga Síria, o regime de Assad
se manteve. Na parte oriental, o território foi compartilhado pelo Exército
Islâmico, a Aliança Rebelde e outros movimentos guerrilheiros. Com exceção do
E.I., onde as condições sanitárias são boas, mas não as políticas, as demais
áreas de virtual terra de ninguém se ressentem de péssimas condições sanitárias
(inclusive com a volta da paralisia infantil e outras doenças, de que a maligna
negligência do regime de Damasco ajuda a difusão). Os sofrimentos dessa
população são a causa precípua da sua migração em massa para a Europa Ocidental.
O governo de Vladimir V. Putin, como de
resto sói acontecer na política, não apóia de
graça o combalido regime Assad. Desde
muito dispõe de base naval em Tartus, no Mediterrâneo Oriental, que lhe
proporciona as águas quentes e de utilizáveis o ano todo, que já não oferece o
Mar Negro. Se além disso, conseguir estabelecer base aeronaval em Latakia, um
pouco mais ao norte, também no Mediterrâneo oriental, a sua situação
estratégica melhoraria.
Assim, o apoio
de Putin a Damasco cresceria um tanto, embora, ao contrário de Obama com os
rebeldes sírios, Moscou tem apoiado de forma sustentada a Damasco. Com as novas
bondades de Bashar al-Assad essa
sustentação tenderá a aumentar. O ingresso de Moscou com mais vigor no cenário
sírio pode ser um complicador para o Ocidente, se este desejar impor zona de
exclusão aérea, o que provocaria problemas com o Estado russo, o qual embora
diminuído em relação à antiga URSS, continua a ser a segunda potência nuclear do mundo.
É difícil
determinar se esse esforço sustentado de Moscou não agrave problemas já
existentes, dada a queda nas cotações do petróleo (a matéria prima básica de
sua balança de exportações). Releva
notar, outrossim, que qualquer interferência na oferta de petróleo terá
consequências na elevação do presente baixo nível na cotação do barril de petróleo, um reflexo que
será acolhido com grande prazer por Moscou
Dado o sigilo
que cerca os entendimentos entre Damasco e Moscou, vale dizer, entre férrea
ditadura e regime autoritário, a evolução das relações entre os dois países
mostrará os contornos da nova aliança. Putin faz uma jogada de risco, porque
não sairá decerto de graça essa nova base no Mediterrâneo. A posição financeira de
Moscou dependerá estreitamente de como evolua a cotação do petróleo (o
principal produto na sua balança de exportações, junto com o gás). A economia
russa não é exatamente a fortaleza impregnável como quer fazer parecer a
habitual arrogância de gospodin Putin.
Aliás, mais passe o tempo – e com a pequena
diferença do arsenal nuclear – mais se assemelhe com a postura de Benito
Mussolini a atitude habitual do presidente Vladimir Putin. O problema com esse
tipo de regime atitudinário é que seus criadores acabem acreditando na própria
criação...
No entanto, se
conseguir estabilizar a situação síria, não será apenas Assad que agradecerá,
mas também a Europa Ocidental, com a eventual redução da migração do povo
sírio, que hoje constitui fator desestabilizante para os Estados afluentes
da União Européia.
Mas as coisas tendem a ser mais complicadas do que
parecem à primeira vista. Para trazer a ordem e relativa normalidade ao front sírio, duas condições carecem de
ser atendidas: (a) as facções guerrilheiras que aí vagueiam precisam ser dominadas e neutralizadas, assim
como as condições sanitárias recriadas para devolver àquele território um
mínimo de habitabilidade e segurança; e (b)
a província do Estado Islâmico no Leste Sírio, com capital Raqqa, carece de ser desfeita e derrotada, o que implicará em cometimento bélico de
muito maior peso.
( Fontes: Folha de S. Paulo, The New York Review of Books, e Putin’s Kleptocracy, de Karen Dawisha )
Nenhum comentário:
Postar um comentário