segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Revisitando o Impasse na Síria


                                           

        O leitor habitual deste blog não terá esquecido a sua extensa cobertura da guerra civil na Síria. A aliança rebelde síria, com o apoio da Liga Árabe, àquele momento dava grandes indicações de que poderia sair vencedora, forçando ao exílio (e talvez ao T.P.I.) , o ditador Bashar al-Assad.

        Mas a natureza abomina o vácuo e Assad, contra toda expectativa, logrou sobreviver aos ataques dos sírios livres. Com a falta de apoio à sua causa – mormente de Barack Obama, que contrariou a seu tempo recomendação nesse sentido da então Secretária de Estado, Hillary Clinton, e de todos os demais chefes de órgãos ligados à segurança americana, a guerra civil naquele país, e sobretudo o poder de ataque da Liga Rebelde, regrediu.

        Assad pôde assim manter o que lhe restava de poder, enquanto prevalecia a estagnação no front. Como tanto as guerras, quanto a natureza abominam a stasis,[1] não tardariam  em aparecer atores nesse cenário, sendo o mais relevante o ISIS que tem retalhado diversos países enfraquecidos (como o Iraque e a própria Síria) para apoderar-se de áreas territoriais abandonadas ou fracamente defendidas pelos respectivos governos.                                                                                         

        Graças ao apoio da Rússia e do Irã, na área ocidental da antiga Síria, o regime de Assad se manteve. Na parte oriental, o território foi compartilhado pelo Exército Islâmico, a Aliança Rebelde e outros movimentos guerrilheiros. Com exceção do E.I., onde as condições sanitárias são boas, mas não as políticas, as demais áreas de virtual terra de ninguém se ressentem de péssimas condições sanitárias (inclusive com a volta da paralisia infantil e outras doenças, de que a maligna negligência do regime de Damasco ajuda a difusão). Os sofrimentos dessa população são a causa precípua da sua migração em massa para a Europa Ocidental.

        O governo de Vladimir V. Putin, como de resto sói acontecer na política, não apóia de graça  o combalido regime Assad. Desde muito dispõe de base naval em Tartus, no Mediterrâneo Oriental, que lhe proporciona as águas quentes e de utilizáveis o ano todo, que já não oferece o Mar Negro. Se além disso, conseguir estabelecer base aeronaval em Latakia, um pouco mais ao norte, também no Mediterrâneo oriental, a sua situação estratégica melhoraria.

        Assim, o apoio de Putin a Damasco cresceria um tanto, embora, ao contrário de Obama com os rebeldes sírios, Moscou tem apoiado de forma sustentada a Damasco. Com as novas bondades de Bashar al-Assad essa sustentação tenderá a aumentar. O ingresso de Moscou com mais vigor no cenário sírio pode ser um complicador para o Ocidente, se este desejar impor zona de exclusão aérea, o que provocaria problemas com o Estado russo, o qual embora diminuído em relação à antiga URSS, continua a ser a segunda potência nuclear do mundo.

         É difícil determinar se esse esforço sustentado de Moscou não agrave problemas já existentes, dada a queda nas cotações do petróleo (a matéria prima básica de sua balança de exportações).  Releva notar, outrossim, que qualquer interferência na oferta de petróleo terá consequências na elevação do presente baixo nível na cotação do barril de petróleo, um reflexo que será acolhido com grande prazer por Moscou  

        Dado o sigilo que cerca os entendimentos entre Damasco e Moscou, vale dizer, entre férrea ditadura e regime autoritário, a evolução das relações entre os dois países mostrará os contornos da nova aliança. Putin faz uma jogada de risco, porque não sairá decerto de graça essa nova base no Mediterrâneo. A posição financeira de Moscou dependerá estreitamente de como evolua a cotação do petróleo (o principal produto na sua balança de exportações, junto com o gás). A economia russa não é exatamente a fortaleza impregnável como quer fazer parecer a habitual arrogância  de gospodin Putin. Aliás, mais passe o tempo – e com a pequena diferença do arsenal nuclear – mais se assemelhe  com a postura de Benito Mussolini a atitude habitual do presidente Vladimir Putin. O problema com esse tipo de regime atitudinário é que seus criadores acabem acreditando na própria criação...

        No entanto, se conseguir estabilizar a situação síria, não será apenas Assad que agradecerá, mas também a Europa Ocidental, com a eventual redução da migração do povo sírio, que hoje constitui  fator desestabilizante para os Estados afluentes da União Européia.

        Mas as coisas tendem a ser mais complicadas do que parecem à primeira vista. Para trazer a ordem e relativa normalidade ao front sírio, duas condições carecem de ser atendidas: (a) as facções guerrilheiras que aí vagueiam  precisam ser dominadas e neutralizadas, assim como as condições sanitárias recriadas para devolver àquele território um mínimo de habitabilidade e segurança; e (b) a província do Estado Islâmico no Leste Sírio, com capital Raqqa,  carece de ser desfeita e derrotada,  o que implicará em cometimento bélico de muito maior peso.  

 

( Fontes: Folha de S. Paulo, The New York Review of Books, e Putin’s Kleptocracy, de Karen Dawisha )




[1] É palavra do grego clássico, com muitos sentidos. Significa aqui condição estacionária.

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