quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Cassação de Dilma

                                  

         O fim de Dilma Rousseff enquanto presidente estava anunciado. Como assinalei no meu blog 'Dilma e seu tribunal', não lhe faltou determinação. A sua longa exposição ao Senado foi feita quase sem esperança - por mais que se busque negá-la, essa eterna companheira da Humanidade sempre arranjará modo de insinuar-se, acenando com conquistas que para as pessoas do entorno são miragens do deserto - mas como já me referi, ela a fez com dignidade e o esforço denodado que se reserva às tentativas da vigésima-quinta hora.
         Preparou-se com denodo. Ela que durante os seus dois mandatos - o primeiro que criou condições para o fim, e o segundo,  exercido  por ano e meio, no qual o concurso de seus credores partiria para o desfecho.
         Nas tragédias, o personagem central vai acumulando, alimentada pela húbris, a sua parcela de hamartya - as faltas cometidas - e como um tolo delas a princípio sequer se apercebe. Mas o processo, uma vez iniciado, ganha a sua própria dinâmica, e nossa heroína se irá ,aos poucos,  dando conta de o que engendrou.
          Não é aqui o lugar para relembrar-lhe a travessia. A princípio, ela terá pensado poder manter o monstro à distância. Contudo, mesmo a desventura e a falta de certos dons que sobravam no seu criador, tornaram a caminhada, a princípio envolta por sorrisos e aclamações,  mais árdua, à medida que a herança maldita dela se vai acercando, e como o credor desapiedado irá aumentando as próprias exigências.
            As promessas são como promissórias. Na sua letra miúda, carregam sempre condições malvadas e impíedosas. Quando ela as assume, terá pensado apenas nos seus resultados imediatos.
            O Povo não difere muito das pessoas. Muito governante esquece que ele é a soma da gente. Não há negar que as promessas sempre reluzem. A massa quer acreditar. Mas cuidado. Sendo conjunto de pessoas, podem decidir eleições. No entanto, como outras coisas da vida, a gente miúda, além da memória, pode virar monstro, em que a lembrança do engano se transforma em raiva, depois cólera, e, mais tarde o que é pior, em ressentimento. Quebrada a confiança, a visão muda, e o afastamento - que é pior do que a repulsa, pois nesta há a chama da paixão e o sentimento continua nela presente - dita o fim de uma relação.
             Deploro o que sucedeu a Dilma. Ela foi o resultado de uma escolha ruim. A sua eventual culpa - hamartya - é uma espécie de consequência infeliz de uma indicação errada.
              Dilma tem coragem e determinação, mas faltou-lhe o grão da política, que é feito de experiência, simpatia, muita paciência, capacidade de unir e de ouvir. Quem a escolheu, cometeu um erro de pessoa, induzido talvez por considerações próprias.  Quem pretende ser mais esperto do que todo mundo e, em especial, do que o próprio partido, corre o risco de que, tal a serpente de Laocoonte,  seu engano se volte contra ele próprio e  seu projeto.
               Como todo personagem trágico, mesmo sem o saber, Dilma terá despertado paixões. Sem cairmos na vala amorosa, este é um sentimento capaz de induzir à própria volta muitos atos de desapego e dedicação.  
                Foi o que vimos no drama do impeachment. Seus acusadores - e há gente de têmpera entre eles, como o seu primeiro signatário, Hélio Bicudo - sem o querer, douraram a pintura do quadro de Dilma Rousseff. Através de seus erros - e não foram poucos - ela luziu com dignidade, pertinácia e aquela velha coragem que já lhe servira para arrostar as infâmias da ditadura.


( Fonte: Tevê Senado, Dicionário Mítico-Etimológico,II, de Junito Brandão )              

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