sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Aliados, Erdogan e Putin?

             

        O que fazer das alianças de Recip Erdogan e Vladimir Putin? Há vários esqueletos ressoando em velhas sepulturas. Moscou e Istambul (depois, Âncara) contam em séculos a sua histórica confrontação. Dominando os estreitos, a Sublime Porta fechava a saída das esquadras do Tzar para os mares quentes do Mediterrâneo e adjacências.
         Daí a confrontação entre Ocidente e Oriente, na guerra da Criméia com o Império russo de um lado, e o Ocidente[1] e o Império otomano de outro. Daí, a aliança do Homem Doente da Europa (e de Istambul) com os Impérios centrais[2] na Grande Guerra, contra a aliança de Londres-Paris e Moscou. Nesse conflito, a investida dos Dardanelos e o seu fracasso levaria à queda do ainda jovem Winston Churchill, que a apadrinhara como Lord do Almirantado[3].
        Virando a página do livro da História, o novo governo em Âncara persistiria na sua aliança com o Ocidente, contra o velho Kremlin. Daí, a participação da Turquia também na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
         A contraposição entre Âncara e Moscou se acirraria com o incidente em que fora abatida há oito meses atrás na fronteira entre Turquia e Síria aeronave militar russa, com  a morte do piloto russo.
        Com a drástica mutação do regime turco de Recip Tayyip Erdogan após o alegado putsch militar - de suposta inspiração do clérigo Fettullah Gulan  - e feita pelo homem forte da Turquia a brutal instrumentalização da reação castrense,  não tardou que Erdogan tratasse de "normalizar" as relações com Moscou.
          Da noite para o dia o súbito enrijecimento do regime turco, com onda de prisões e de expurgos (nas força armadas, no governo e no magistério), fez com que Erdogan escrevesse para o colega Vladimir V. Putin, com quem redescobria a comunidade de idéias e interesses.
          Fê-lo cansado de esperar que se reabrisse a porta de Bruxelas -  Erdogan esperaria em Canossa pelos sinais favoráveis da Comunidade Européia, o que, por série de circunstâncias, não se consumaria.
           Malgrado a sua condição de membro da Aliança do Atlântico do Norte,  que a põe em outro campo no que concerne à sua vizinha Rússia, a súbita alteração da atmosfera política - com a crescente rejeição de Bruxelas ao endurecimento à direita do regime turco - de alguma forma Erdogan tem uma espécie de estalo de Vieira[4] na estrada de Damasco que o leva a escrever para gospodin Putin, ao subito dar-se conta de sua proximidade ideológica com o vizinho russo.
             Restabelecido o autoritarismo de Erdogan na Turquia semelha mais fácil entender - não obstante as contradições nos pactos subscritos anteriormente - a conveniência da aliança com outro autocrata na Região, v.g. Vladimir Putin.  A este último, redescobertos os traços comuns - o caráter autoritário do regime e as acusações de corrupção[5] estão expostos na obra de referência - convêm ter igualmente presentes as imputações contra o homem forte da Turquia.
              A velha estória da reversão de alianças poderá  repetir-se com a metamorfose de Erdogan. Como anuncia o correspondente do jornal Estado de S. Paulo, Andrei Netto, "membro da coalizão ocidental na Síria, liderada pelos EUA, a Turquia anunciou (a onze do corrente) que propôs à Rússia a realização de uma ofensiva militar conjunta contra o Estado Islâmico. A iniciativa foi revelada pelo ministro das Relações Exteriores, Mevlut  Cavusoglu, dois dias após o encontro entre os presidentes Recep Tayyip Erdogan e Vladimir Putin, em São Petersburgo."
               A proposta em tela está sendo discutida entre Moscou e Âncara, e pode encerrar o antagonismo entre os dois países acerca do regime de Bassar al-Assad. Por uma série de circunstâncias,  Erdogan vinha combatendo o regime sírio.
               Dessarte, se Moscou e Âncara se puserem de acordo, então a Turquia - que hoje integra a coalizão liderada pelos Estados Unidos - mudará de lado? Dentro do esquema atual, Ãncara fornece apoio logístico - inclusive em bases aéreas próximas da fronteira norte da Turquia -  às esquadrilhas americanas de bombardeios e caças atuantes no combate ao Exército Islâmico.
                Como ficaria o acordo de Âncara com a OTAN que não data de ontem?... Essa súbita mudança do homem forte da Turquia será para valer? Implica em sair de aliança de muitos anos, fundada em contraposições ideológicas, e jogaria isto para o ar, sob a base de nova proximidade ideológica com o poder moscovita ?
                   O despacho do correspondente Andrei Netto relata que segundo o Ministro Mevlut Cavusoglu, das Relações Exteriores, uma delegação turca de três representantes das Forças Armadas, dos Serviços Secretos e do Ministério das Relações Exteriores da Turquia, se encontra em São Petersburgo, para debater a aproximação (sic) entre os dois países.
                   "Vamos criar um mecanismo tripartite com a Rússia no que diz respeito à Síria", confirmou o Chanceler, revelando que deve encontrar-se com o seu colega russo, Sergei Lavrov, nos próximos dias. "Compartilhamos os mesmos pontos de vista sobre o cessar-fogo, a ajuda humanitária e a solução política".
                      Quanto aos tópicos em desacordo com Moscou, o Ministro os enumerou, sublinhando, no entanto, a própria disposição em superá-los.  "Temos ideias diferentes sobre a maneira de assegurar o cessar-fogo. Não queremos que os civis sejam atingidos, achamos inoportuno que a oposição moderada seja bombardeada e condenamos o cerco a Aleppo",  afirmou Cavusoglu à agência turca  Anatólia.
                        O que aproxima os dois líderes - Vladimir Putin e Recep Erdogan seria a crítica ao Ocidente. A normalização das relações russo-turcas verificou-se há oito meses do incidente aero-militar na fronteira com a Síria, em que fora abatido, pelas baterias turcas, um avião russo, morrendo o respectivo piloto russo.
                         A tônica agora, segundo enfatizam as duas Partes,  seria a da conciliação. Nesse contexto, coube ao Ministro do Exterior turco, Mevlut  Cavusoglu,negar que a mudança de posição de Âncara represente ulterior recado de hostilidade ao Ocidente.  "Nós o fazemos por nossos interesses e os da região", sublinhou o Ministro Cavusoglu.

( Fontes: O Estado de S. Paulo; Putin's Kleptocracy, de Karen Dawisha )  




[1] França e Grã-Bretanha.
[2] Império alemão e Império austro-húngaro.
[3] Por força do malogro dessa ofensiva, Churchill ficaria fora do gabinete.
[4] Tanto São Paulo quanto o Padre Vieira teriam sido acometidos pelo "estalo" sofrido na estrada de Damasco, que contribuíra para mudar-lhes a postura no pensamento.
[5] A obra básica na matéria é o livro da prof.ª Karen Dawisha, "Putin's Kleptocracy".

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