terça-feira, 30 de agosto de 2016

Dilma e seu tribunal

                                       

        A pedido da Presidente afastada, Dilma Rousseff discursou perante os Senadores. Presidiu a longa sessão o Ministro Ricardo Lewandowsky. Controlou o debate sem maiores dificuldades, eis que, ao contrário das sessões anteriores, prevaleceu o respeito mútuo e ambiente não marcado por impropérios e ofensas, publicáveis ou não.
        Dilma cuidou da aparência, e se manteve sempre contida. Se não houve provocações, de seu lado em nada contribuíu para acirrar os ânimos.
        Não é que se tenha mostrado submissa ou com excessiva deferência. A sua postura foi digna,  evitando atitudes  provocatórias.
        Tampouco recuou em suas opiniões e posições. Continuou a chamar o impeachment de 'golpe' e também persistiu em ver na tramitação das acusações constitucionais do Dr. Hélio Bicudo, prof. Miguel Reale Júnior e Dra. Janaína Paschoal, represália de parte do então Presidente da Câmara Eduardo Cunha, que se vingava do processo de cassação de mandato contra ele instituído pelo PT, com o apoio do Planalto.
         Estudou a própria lição com cuidado e afinco, intentando afastar a pecha de crime nas pedaladas fiscais, desenvolvendo os conhecidos argumentos. Nesse ponto mostrou que havia feito o dever de casa, mas dadas as características da questão, não conseguiu convencer os senadores de que as ditas pedaladas não eram crimes fiscais. Sendo tópico bastante batido, os argumentos, esgrimidos com afinco, se não convencem a parte adversária, tendem a mostrar a própria pertinácia.
         Dilma, dada a sua situação, não deu vazão à cólera e a palavras mais duras. Sem ser cordata,  tampouco exibiu a postura dos arrependidos. Bem enfronhada, dando amplas mostras que estudara o dever de casa, a presidente afastada se esforçou em apresentar, sem arrogância, mas tampouco com posturas de uma deferência que roce com tendências ao arrependimento, encontradiço na história quando autoridades decaídas tratam de ganhar a boa vontade junto à facção que deverá prevalecer.
         Dilma Rousseff respondeu a todas as perguntas com dignidade e capacidade. Mostrou haver repassado e estudado a matéria - mormente se as pedaladas são crime ou não. Não tropeçou, nem tergiversou. Se procede que os próprios argumentos não inovaram, nem convenceram, ela desenvolveu o respectivo discurso sem tropeços nem erros maiores.
          As suas tão citadas escorregadelas não repontaram. Com efeito, parece-me próprio e justo afirmar que ela se portou com dignidade, e, em consequência, não foi surpresa que não repontassem erros, clamorosos ou não, mostrando dois aspectos: que ela sabia da relevância de sua intervenção, e que respeitou a assembléia senatorial.
          Tampouco se humilhou. Sem ser arrogante, ela foi altaneira, por mais árduo que seja tal papel, pelas características da situação. Ela sabia que em tais condições são escassas as possibilidades de que a corte senatorial pudesse reverter sobre as respectivas posições.
          Sem embargo, houve respeito de parte a parte, e se a presidente afastada  sentiu em algum momento  vontade de replicar de forma a que mais assemelhasse a primeira Dilma, ela preferiu seguir com a cabeça erguida,  sem deixar-se vencer pelo temperamento.
           A dignidade não é apenas um adereço do poderoso, pois muitas autoridades portam-se, quando açulados pela adversidade, de forma abjeta, ou próxima disso. Este não foi o caso de Dilma  na sessão do Senado de 29 de agosto.
            Dilma, que já enfrentou momentos difíceis e penosos, estava existencialmente preparada para arrostar a sua vez e hora na jornada de ontem, perante a Câmara alta.
             Sem gaguejar, nem tropeçar, armou sua vela em tempo de borrasca. Sabia que o esforço era o mais relevante, eis que o resultado já estava desenhado naquela assembleia. Com isso, engrandeceu-se ela e também a assembleia adversária, que, diante da atitude da Presidente afastada, não desceu a posturas que pertencem a outros cenários.
             É quase lugar-comum definir determinadas situações como 'históricas'. Se os historiadores hão de mostrar o natural ceticismo diante da inevitável falta de visão - eis que no caso o histórico não passa de um momento não processado pelos arquivos do futuro, e, portanto despojado de qualquer vestimenta definitiva - todos naquela assembleia se mostraram conscientes da relevância do momento para a democracia brasileira.
             Dilma, por seu histórico de luta, compareceu com significativa contribuição. Preparando-se para a arguição, ela mostrou respeitar a ocasião. Agindo como o fez, não se diminuíu e quiçá haja trazido aporte considerável para o juízo futuro desse momento da democracia brasileira. Ali estava não a Dilma farsesca de que alguns querem  esboçar o retrato. Além de arrostar com determinação a longa prova, ela mostraria apenas na face os sinais do esforço comprido em situação não exatamente favorável.
                Vendo-a de longe, seu criador não terá deparado algo que o pudesse contristar. Em desvantagem, não são fáceis os embates.
                Por infelicidade, os juízes-senadores serão carregados por um conjunto de atos que depõe contra aquela figura indômita, corajosa, mas que, por associação em certos casos, e por responsabilidade própria noutros, escreveu na arena da vida a própria condenação.
                As qualidades no personagem trágico são muita vez presa do destino e de um cenário que  desfaz as boas intenções, mas não o caráter, que permanece indene, malgrado as borrascas da existência.  




(Fontes: Tevê Senado; Guimarães Rosa, Jorge Amado)

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