domingo, 14 de agosto de 2016

Queimando etapas ?

                                  

     O que dizer da performance global dos atletas brasileiros? Primeiro,  essa atuação nada tem diretamente a ver com o quadro publicado pelo jornal O Globo.
      Decerto, a intenção foi boa: dar um retrato sem retoques dos resultados obtidos por nossos esportistas.
      Diga-se de início para que o Brasil, anfitrião da Olimpíada, entre no quadro do mesmo jornal, é necessária pequena liberdade tipográfica. Assim, o quadro das medalhas, inclui os nove primeiros - dos EUA à Coreia do Sul - e depois dá um senhor pulo - que nenhum atleta humano poderia realizar - eis que ignora do décimo ao vigésimo-quinto, alcançando o bravo vigésimo-sexto (que não por acaso é o Brasil, ziu, ziu, com um micro-total de 4 medalhas, sendo uma apenas, de ouro (Rafaela Silva, no judô).
        Tem-se a impressão de que Pindorama, ao contrário da grande maioria dos demais concorrentes, considera o número de medalhas como produto do acaso, da vontade enigmática dos deuses.
        Nem desde os tempos do festival em Olímpia, no Peloponeso, se atribuía ao acaso o número de coroas de louro dadas aos atletas helênicos concorrentes nas reduzidas modalidades de provas. Desde a Antiguidade elas eram resultado do esforço da Cidade de onde vinha o atleta, assim como do valor individual de cada partícipe. Entre as especialidades olímpicas - para contá-las, os dedos das duas mãos já bastavam - e se entendia que a força individual iria preponderar em núcleos como Esparta, e a habilidade em outros como Atenas. Mas a pequena cidade, se amiúde luzia menos, podia surgir avassaladora, e para registrá-lo, que melhor do que gravá-la no mármore helênico?
       O Brasil continua a ser gigante preguiçoso. Em que outro país uma governante chega ao cúmulo de designar como ministro do esporte senhor de nome George Hilton, que confessa, ao tomar posse,  não ser versado em esportes?! No passado, a coisa ficara ao deus dará. Mais mal do que bem se compunha a delegação de atletas. Dado o tamanho do Brasil, vez por outra explode nos registros feito surpreendente, como o de Adhemar Ferreira da Silva, que do nada surgeu para arrebentar com o recorde mundial no salto triplo! Em Atenas, iríamos sem o saber vencer a maratona - que é a homenagem da Modernidade a Filípides, o mensageiro da vitória contra Xerxes, o tirano persa, que desejara escravizar os helenos. Com o seu "eníkamen" (vencemos), ele exalou o último suspiro, após os 42 km da distância entre a batalha de Maratona e  Atenas, que humilhara os persas - Xerxes queria anexá-la - tolo que foi! - ao próprio Império -, enquanto a tardança dos espartanos fê-los perder este encontro com a glória (mil deles haviam perecido nas Termópilas).
            De nossa parte, nas Olimpíadas de Atenas, permitimos que estranhíssimo padre, surgido não se sabe bem de onde, nos arrancasse na maratona a vitória ao conterrâneo Vanderlei. Quase ao adentrar o estádio aonde terminava a prova, com grande vantagem sobre os que o seguem, não se sabe como nem por que, surge paramentada figura, com estranho, idiótico sorriso nos lábios costurado, e que se aplica, com ignóbil e ignavo empenho, a desfazer a vitória certa de representante de um país subdesenvolvido. Vanderlei, que pelo cruel, inaudito esforço adicional dispendido e pelo tempo que lhe foi arrancado, cede o ouro e a prata, chegando no opaco bronze, ao terceiro lugar reservado. O mais estranho não foi sequer esse estúpido agravo imposto a representante do Terceiro Mundo, que arrebataria - vejam só, nas vizinhanças dessa antiga façanha - a medalha da Maratona! Ainda mais difícil de entender, e, quem diria, de tolerar que os paredros de Pindorama não empenhassem esforço algum para reclamar - de Atenas, a desídia do serviço policial, e das autoridades da Olimpíada, que justiça fosse feita, e que aquela vitória roubada ao Terceiro Mundo fosse restituída a quem de direito.
              Com muito tempo - e por acaso, pela renúncia do Pelé, dos mil gols, então acamado pelas muitas faltas que o seu valor não mereceria de seus companheiros atletas - alguém se lembra afinal do maratonista esbulhado Vanderlei Cordeiro de Lima, para que acenda no Rio de Janeiro a pira olímpica! Antes tarde, minha gente, do que nunca.
               O Brasil,  nessa e nas futuras Olimpíadas, nunca estará à altura da  própria grandeza, se não antes livrarmo-nos deste complexo de vira-latas que mais do que no corpo, na mente carregamos.
                    


( Fontes:  O Globo, rede Globo; Nelson Rodrigues )

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