O leitor há de recordar-se de que o desrespeito por desembargadores e juízes de primeira instância da cláusula pétrea da Constituição de 5 de outubro de 1988 (artigo 5º , inciso IX, e artigo 220, caput e parágrafos 1º e 2º ) tem sido objeto de diversas postagens deste blog.
E, no entanto, quando da promulgação da Lei Magna, era comum e generalizada a satisfação, a euforia e o orgulho de que não mais o pensamento livre seria conspurcado pela censura e seus altos e baixos agentes. Censura, nunca mais! era o que dizia o então Ministro da Justiça, Fernando Lyra. A Constituição cidadã falara. Aos eventuais discordantes, restaria apenas o silêncio nostálgico dos tempos da repressão.
Pois gravado em nossa Lei Básica está o princípio de que a liberdade do pensamento, a criação, a expressão e a informação sob qualquer forma são invioláveis e não sofrerão qualquer restrição.
Grassa no momento em nossa terra – e não apenas em lugarejos interioranos, nos grotões de que falava Tancredo Neves, mas também em cidades importantes, e até, mirabile dictu, na própria Capital da República – o vezo difuso que esta solene proibição constitucional possa ser eludida através da chamada censura judicial.
Como deve reagir a sociedade civil diante de infração tão inadmissível quão despojada de amparo legal à liberdade de pensar e informar que constitui uma das colunas fundamentais da democracia ? O que é a proscrição da execrável censura, em todas as suas formas, senão expressão tangível da homenagem da sociedade democrática ao sagrado respeito do pensamento e da liberdade de informar ?
Infelizmente, o que se nos depara não é motivo de júbilo. A hidra da censura, ora sob o disfarce da toga judicial, continua a proliferar. Para tanto, se tenha presente o confrangente exemplo: continua de pé, apesar de tudo, a censura inconstitucional e ilegal ao Estado de São Paulo, por causa de suas reportagens sobre a operação Boi Barrica da Polícia Federal, e a implicação de Fernando Sarney, filho do Presidente do Senado Federal, José Sarney, decretada pelo Desembargador Dácio Vieira do TJ-DF!
A imposição judicial dessa censura ao Estadão vige há mais de trezentos dias. Se o magistrado que a determinou foi afastado por decisão do próprio Tribunal de Justiça, tal não foi bastante para suspender a censura. Posteriormente, por decisão da banca de advogados que representa o jornal, a causa foi parar, em recurso extraordinário, perante o Supremo Tribunal Federal.
A sentença liminar do STF não foi de molde a entusiasmar todos aqueles que se empenham na batalha do combate à censura em todas as suas formas. Na verdade, e de forma decepcionante, a maioria da Suprema Corte preferiu pautar-se, malgrado a importância da matéria em juízo, em argumentos processuais, sem entrar no mérito da questão. Opiniões minoritárias de ministros daquela Corte se mostraram muito mais em concordância com o sentir geral da Nação.
Ali se perdeu – espero de forma temporária – uma grande oportunidade. A infração à liberdade de informar é demasiado grande para que não seja visível, a despeito de considerações de forma e de processo, o perigo maior que ameaça a democracia, pela via clandestina de uma censura imposta por juízes e desembargadores, a quem não é licito ignorar os mandamentos determinantes da Lei Magna.
Dessarte, o Ministro Cesar Peluso, relator do processo, considerou que o recurso por solicitar de liminar não cabia no caso. E votou pelo arquivamento do processo, sem examinar o mérito. Foi seguido por cinco outros ministros, entre os quais Gilmar Mendes e Eros Grau.
Souberam alçar-se bastante além dessa deprimente votação majoritária os Ministros Celso de Mello, com voto memorável, Ayres de Azevedo (que também relatou o processo que culminou com a abolição da lei de imprensa) e Carmen Lúcia.
Perdida a oportunidade por firulas jurídicas de pôr fim à censura contra o Estado de São Paulo, esse estado de coisas completa hoje 305 dias. Desde o dia 29 de janeiro p.p., com a apresentação de arrazoado do advogado Manuel Alceu Ferreira ao TJ-DF, foi manifestada a preferência do jornal pelo prosseguimento da ação para que o mérito seja julgado.
Recorde-se que o autor da ação, Fernando Sarney, entrou a dezoito de dezembro último com pedido de desistência da ação contra o Estado. Não aceitando o jornal o arquivamento do caso, a questão permanece em aberto.
Por quanto tempo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal não julgará a ação, conforme o pedido expresso da representação do Estado ?
A que devemos atribuir tão longa demora ?
E o que dizer da recente censura imposta pelo juiz Jairo Oliveira Júnior, da 1ª. Vara Cível de Santo André, no estado de São Paulo, que proibiu o jornal Diário do Grande ABC, a pedido do Prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho (PT), de publicar reportagens que relacionem Luiz Marinho ao suposto descarte de carteiras escolares em bom estado de conservação. Nesse sentido, estabelceu pena de multa diária de R$ 500,00 ? Seria o caso de seguir a opinião do autor da ação, Luiz Marinho, que considera que a sanção não significa “pedido de censura” e sim “uma determinação judicial” ?
( Fonte: O Estado de São Paulo )
terça-feira, 1 de junho de 2010
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