Com as convenções dos partidos surgem, afinal, oficialmente os candidatos à eleição presidencial. Pelo atávico formalismo ibérico, assistiu-se por meses a uma pantomima, em que os chamados pré-candidatos tinham de conformar-se na aparência às disposições de legislação procusteana. Na prática, o excesso de entraves, pela sua manifesta inadequação, se prestou à maravilha ao sistemático desrespeito pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva dessa mesma legislação. Com efeito, o absurdo dos impedimentos pode funcionar a contrariu sensu como virtual atenuante às suas repetidas transgressões da norma legal que o Tribunal Superior Eleitoral,de início por timidez e adiante pela lentidão do processo judicial, permitiu que as multas, por ora, se limitem a cinco.
Esses deslizes de Lula têm, pelo menos, a qualidade de assinalar quem é até o momento o personagem principal da eleição presidencial de 2010. Não só por causa de sua grande popularidade, que está na casa dos setenta, senão por sua postura de inventor, patrocinador e cabo eleitoral de sua candidata de algibeira, avulta a presença e a influência do presidente no exercício dos comícios de 2010.
Se tudo correr segundo este figurino – que tem estranhas e turbadoras semelhanças com a eleição do dentista Hector J. Cámpora na Argentina, em que o general Juan Domingo Perón, impossibilitado em 1973 de concorrer, recomendou ao povo argentino votar como se Cámpora fosse seu mero representante na Casa Rosada[1] - a candidata Dilma Rousseff será guindada ao Planalto, não por sua trajetória política, mas pela indicação do e vinculação ao seu mestre e criador.
Se bem que não desconheça dos riscos de tal estratégia, José Serra, do PSDB, em seu discurso de aceitação da própria candidatura, já investiu contra a grande sombra que deseja presidir – e não como magistrado – aos comícios de outubro de 2010.
Nesse contexto, Serra atacou o “aparelhamento” do governo Lula, dizendo que não tem “esquadrões de militantes pagos com dinheiro público”. Criticou a relação com ditaduras e quem “justifica deslizes morais dizendo que está fazendo o mesmo que os outros fizeram”. Em um dos trechos mais citados de seu discurso, afirmou: “Acredito que o Estado deve subordinar-se à sociedade e não ao governante da hora, ou a um partido. O tempo dos chefes de governo que acreditavam personificar o Estado ficou para trás há mais de trezentos anos. Luis XIV achava que o Estado era ele, mas na democracia e no Brasil não há lugar para luíses assim.”
Referindo-se indireta mas obviamente à adversária Dilma, sublinhou: “não comecei ontem e não caí de paraquedas. Apresentei-me ao povo brasileiro, fui votado, exerci cargos, me submeti ao julgamento da população, fui aprovado e votado de novo.”
Em seu discurso, na convenção que ratificou a chapa Dilma Rousseff (PT) – Michel Temer (PMDB), dentro de seu estilo usual, com a cara de pau de velho político, Lula chegou a atacar a oposição, dizendo esperar que seus adversários “não façam jogo rasteiro, inventando dossiês todo dia”.
Mostrando uma vez mais que procede a máxima que nada de novo existe na história, Lula declarou: “Vai haver um vazio naquela cédula e, para que esse vazio seja preenchido, mudei de nome e vou colocar Dilma na cédula. E aí as pessoas vão votar.”
Adequando-se ao modelo, Dilma Rousseff, em seu discurso de aceitação, citou mais de vinte vezes o nome de Lula. Consoante anuncia, o lema da campanha será ‘continuidade da mudança’.
Por sua vez, a respeitada candidata do Partido Verde, a Senadora Marina Silva mantém-se por enquanto na faixa dos dez por cento, consoante as pesquisas. Se não ameaça aos dois principais contendores, a sua quota inviabilizaria a decisão em primeiro turno.
(Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo)
[1] Eleito, Campora, ao cabo de menos de três meses, foi forçado a renunciar. Como prêmio de consolação, Perón o expediu como seu embaixador no México.
segunda-feira, 14 de junho de 2010
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