segunda-feira, 21 de junho de 2010

O Destempero do Técnico Dunga

O jogo Brasil versus Costa do Marfim mostrou uma vez mais a importância do supervisor ou chefe de delegação atuante, no que concerne às grandes linhas e não ao desempenho da seleção. Este papel compete ao técnico. Treinar os jogadores, selecionar os melhores e montar tática e estratégia são prerrogativas desses mesmos técnicos. Dada a importância que tem o futebol e a Copa do Mundo para o Brasil e a gente brasileira, é atribuição a um tempo invejável e arriscada.
No entanto, a CBD de Ricardo Teixeira deveria ter alguém de estatura moral e a consequente autoridade, não para intrometer-se na escalação ou tática de nosso time, mas em condições de intervir, com a necessária discrição, para que, v.g. o técnico observe normas de comportamento, tanto durante a partida, quanto fora de campo, que sejam consentâneas com a conduta e controle que as suas funções exigem.
A velha regra romana do quis custodiet ipsos custodes?[1] aqui se aplica à maravilha. O espetáculo dado ontem pelo técnico Dunga poderia ter sido evitado. E não apenas em atenção ao controle dos nervos e, por conseguinte, da postura. O técnico da seleção não é um torcedor privilegiado. Se as reações extremas – dentro de um arco civilizado de conduta é bom que se frise – do torcedor brasileiro, que vão da ovação à vaia, são atitudes nele compreensíveis, dada a carga emotiva que dedica ao escrete nacional, não se pode esperar que o diretor-técnico da seleção (do bonachão Vicente Feola, em 1958, até hoje o nome dessa importante função tem variado) tenha comportamento análogo enquanto acompanha,de seu posto de observação lateral do campo, o desenvolvimento da partida.
Os motivos que militam contra tal descontrole emocional são essencialmente de dupla natureza: (a) o técnico é, por assim dizer, a contra-imagem da seleção. Como pode esperar controle emocional de seus comandados se não domina as próprias emoções, sobretudo as agressivas ?; (b) em dominando os sentidos, mantém sob freio as respectivas paixões e terá, por conseguinte, discernimento claro para adotar, durante a partida, as decisões mais oportunas para a sua equipe.
Se lhe criticamos no passado as decisões, mormente no que concerne à convocação dos jogadores, não vamos hoje desmerecer de seu trabalho com o material humano que escolheu. Ontem, como bem disse a imprensa, vimos afinal a seleção do Brasil entrar em campo. A sua atuação foi convincente, malgrado a deslealdade do adversário – quiçá a homenagem mais ambígua que eventuais contendores possam prestar à seleção. Não é por acaso que a nossa camisa auriverde tem cinco estrelas azuis no peito.
Nesse ponto é que se afigura importante manter o controle emotivo. O destempero evidenciado durante a partida por Dunga teve um preço. O técnico precisa ter o pleno emprego do próprio discernimento, para intervir na escalação do time quando indispensável. No segundo tempo, com a vitória do Brasil praticamente assegurada, mandava o bom senso que Dunga substituísse Kaká. O nosso meia armador estava sendo caçado em campo, de forma dissimulada (do inexperiente Monsieur Stéphane Lannoy) porém contínua, através de um acosso que nada tem a ver com o jogo de futebol. Via-se nitidamente a crescente – e compreensível - exasperação do craque e o que tal reação poderia causar. Sem embargo, Dunga nada fez. Se tivesse atuado, substituindo Kaká, estaria agindo não só para preservar individualmente o atleta, mas também atuaria no interesse da seleção.
Ao invés de gritar palavras de calão, ou de extravazar em gestos o respectivo desconforto – com a deslealdade dos marfinianos e a apatia do árbitro -, teria sido mais apropriado e eficaz dominar a paixão e usar a razão.
Dunga não é, repito, um torcedor privilegiado. É o técnico da seleção. Na hora em que se esquece de tal detalhe, seria importante que houvesse alguém que o recordasse de seus deveres. Que não são o de vergastar a imprensa, ou de manter os jogadores em isolamento, como se carecessem de uma fortaleza para protegê-los dos contatos perniciosos com jornalistas.
Idiossincrasias à parte, é capital que os nossos recursos humanos – que são ainda mais parcos pelo arbítrio do selecionador – não sejam desperdiçados, submetidos a suspensões tão perniciosas, quanto moralmente injustas.
A expulsão de Kaká acabou sendo a culminação do processo de sua vitimização. Graças a um juiz não preparado para um jogo como o de ontem os vilões foram premiados e a vítima sacrificial... castigada. A foto do juiz elevando teatralmente o cartão vermelho contra Kaká é a prova documental do fracasso de um arremedo de arbitragem.
[1] Quem vigiará os vigias ? (Lat.)

( Fonte: O Globo )

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