segunda-feira, 7 de junho de 2010

De um Dossiê que não Foi

A menção pela revista Veja na semana passada da existência de suposto dossiê motivou intervenção de José Serra, que atribuíu a responsabilidade pela respectiva feitura à sua rival Dilma Rousseff.
Houve acalorada reação da pré-candidata que negou qualquer participação. O Presidente do PT não hesitou em dar escalada na questão, referindo-se a que o Partido pretendia interpelar judicialmente o pré-candidato do PSDB para que confirmasse ou não sua assertiva.
A pronta e veemente denegação de qualquer responsabilidade, seja de Dilma, seja de José Eduardo Dutra, se indicava resquícios de eventual apreensão quanto ao reaparecimento do fenômeno dos ‘aloprados’, também poderia interpretar-se como intento de colocar a bola inequívocamente na cancha do adversário.
A esse respeito, o presidente do PSDB ironizou a manobra, dizendo que teria o escopo de transformar a vítima em réu.
No entanto, quiçá o zelo demonstrado pela cúpula do PT evidenciasse inquietudes contra possíveis desdobramentos do affaire. E, não se espantem os leitores, que essa leitura das encolerizadas manifestações petistas não estaria de todo errada.
Os franceses chamam de ‘levée de boucliers’ (alçada de escudos) tais externalizações, em imagem que alude aos gestos de brio e disposição para a luta de antigos guerreiros.
E em seu número seguinte, que ora se acha nas bancas, Veja fornece maiores informes sobre a questão. Consoante indicações prestadas pelo delegado aposentado da Polícia Federal, Onézimo Sousa, este teria sido convidado para uma reunião em Brasília com o ex-prefeito petista Fernando Pimentel. Na hora marcada, quem apareceu em seu lugar foi o jornalista Luiz Lanzetta, que teria proposto a Onézimo levantar sobre o adversário tucano “tudo, inclusive coisas pessoais”. Estavam igualmente presentes o escritor Amaury Ribeiro e o empresário Benedito de Oliveira Neto.
Diante da eventual recusa do delegado, (alegadamente, por “problemas de metodologia e direcionamento do trabalhos que eles queriam”), o assunto acabou transpirando. Essa movimentação traduziria, de resto, o então nervosismo dos quadros petistas quanto à posição de Dilma nas pesquisas de opinião. Refletiria estado de espírito que não mais existe, em função da recuperação da candidata de Lula, consoante informam Datafolha e agora o Ibope.
Embora tanto Pimentel, quanto Lanzetta neguem as acusações
, o primeiro viu piorada a própria situação política em Minas, dado o isolamento que está sofrendo por causa de seu alegado envolvimento nas tratativas de produzir mais um dossiê contra o candidato adversário. E Lanzetta foi destituído de sua posição na campanha da pré-candidata do PT, onde por estranha coincidência exercia funções de comando na área das comunicações.
Diante da explicitação das acusações relativas à intenção de fabrico de mais um dossiê, se a demissão de Lanzetta – e o isolamento virtual imposto a Pimentel – desejam expressar o não-envolvimento da cúpula petista em tais manobras, é forçoso igualmente especular que tais ocorrências e, em especial, a derrubada do jornalista Lanzetta puxa um pouco o tapete de quem se dispusera a judicializar a querela.
Dada a enésima repetição deste tipo de jogada, que não semelha refletir uma atmosfera política de disputa acirrada mas leal e sem golpes sujos, caberia talvez perguntar por que é tão comum esta compulsão de tentar atingir o contendor com manobras inconfessáveis e muito abaixo da linha d’água.
Quando nos tempos dos generais-presidentes, um deles, em alegado lapso de discurso, chamou a oposição de inimiga e não de adversária, houve saraivada de protestos contra a transformação da contenda política na condução de uma guerra por outros meios.
Dada a repetição quase enfadonha de tal nefasto e condenável recurso, caberia a indagação se por acaso o embate da política não estaria realmente sofrendo da demonização do adversário, contra quem todos os meios – e sobretudo os mais soezes e reprováveis – seriam cabíveis.
No caso dos dossiês, parece haver a irresistível tentação de seu emprego, pelos pingues benefícios que traria para os seus fautores, desvendando as fraquezas e deslizes do adversário (e, em certos casos, da respectiva família e agregados). Todavia, se descoberta a tramóia, se aciona de imediato o plano ‘B’, que é o da grandiloquente denegação da evidência, naquela proverbial homenagem que o vício costuma fazer à virtude, e que se denomina hipocrisia.
Será que não seria o caso de que os dois campos viessem a ocupar-se exclusivamente das altas questões em jogo, e de suas respectivas propostas para tão grande e atribulado país, que nasceu sob o símbolo da Santa Cruz, e que se chama Brasil ? Os eleitores decerto agradeceriam.

( Fontes: Veja e O Globo )

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