O ataque por comandos israelenses contra comboio de bandeira turca, que levava mercadorias de caráter humanitário (mantimentos, remédios e material de construção) à população de Gaza, causou cinco mortes. As vítimas civis foram abatidas a tiros pelos comandos do exército israelense, supostamente por terem oferecido resistência, o que é negado pela tripulação e pelos passageiros do comboio.
A reação mundial e o isolamento de Israel na crise evidenciaram a revolta da opinião pùblica pela ação violenta contra o aludido comboio, atacado e abordado pelo esquadrão de comandos, enquanto singrava águas internacionais. O único escopo da missão humanitária, conduzida por navios turcos, era o de minorar a situação calamitosa em que se acha a faixa de Gaza, sufocada pelo longo bloqueio israelense.
A par dos multitudinários protestos na Europa e dos governos europeus, com a Turquia à frente, foi decidida a pronta convocação do Conselho de Segurança. Mais uma vez, por causa dos estreitos laços que ligam os Estados Unidos a Israel, a proteção da superpotência impediu que no texto da resolução houvesse condenação ao governo de Israel.
A declaração final do Conselho de Segurança saíu com redação bem mais fraca do que a esperada. Não houve condenação de Israel e de seu governo, e o texto solicita a liberação de todos os barcos e ativistas, assim como “investigação rápida, imparcial, crível e transparente’. Apesar da pressão de quatro dos cinco membros permanentes para que houvesse condenação ao cerco de Gaza, a única concessão da delegação americana foi a de permitir que o bloqueio fosse mencionado como “um ato insustentável”.
O Primeiro Ministro da Turquia Recep Tayyip Erdogan desejava uma investigação independente, nos moldes da conduzida pelo sul-africano Richard Goldstone sobre a invasão israelense de Gaza, em 2009. O Presidente Barack Obama telefonou para Erdogan, quando lamentou a perda de vidas, e aludiu à necessidade de “reforçar apoio a uma investigação imparcial” sobre o caso e defendeu “um acordo de paz abrangente que estabeleça um Estado palestino”, como forma de resolver a situação mais ampla.
Não obstante tais assertivas a Erdogan, de início a delegação estadunidense preferia que os próprios israelenses conduzissem as investigações. Em termos práticos e repetindo uma película há muito tempo em cartaz, bloqueou a inserção na resolução de críticas e censuras a Israel e seu governo.
Obviamente, esta relação estreita entre os Estados Unidos e Israel e a quase impossibilidade de que o governo de Tel Aviv seja repreendido pelo Conselho de Segurança é consequência direta de relação de virtual interdependência.
Parece-me oportuno a respeito mencionar o recente livro do americano Patrick Tyler, sob o título “Um mundo de Problemas”[1], em que se ocupa das relações da Casa Branca desde a presidência de Dwight Eisenhower até George W. Bush com o Oriente Próximo e, em especial, Israel. Na fundamentada análise do antigo correspondente do New York Times e do Washington Post, se descreve a evolução dessa relação, que passou do controle exercido por Eisenhower (que inclusive interveio para inviabilizar a operação conjunta de Israel, França e Reino Unido contra o Egito de Gamal A. Nasser, por causa da nacionalização do Canal de Suez) até a situação atual, em que o apoio a Israel por boa parte do Congresso e do eleitorado americano inviabilizam na prática o exercício desse controle de parte de Washington. Tyler em seu importante livro mostra que a situação começou a mudar em favor de Tel Aviv com Lyndon Johnson, mas que essa se cristalizaria sobretudo no governo de Nixon, com a determinante participação do professor Henry Kissinger, a princípio como Assessor de Segurança Nacional e mais tarde como Secretário de Estado, posição que igualmente ocupou sob a presidência de Gerald Ford.
Nesse contexto é de sumo interesse referir-se a atuação de Benjamin Netanyahu quando assumiu, por primeira vez, o governo de Israel. A par de descarrilar o processo de paz de Oslo, o seu comportamento irresponsável contribuiria para a acelerada desmoralização da própria liderança. O erro derradeiro terá sido a tentativa de assassínio de Khaled Meshal, um dos fundadores do Hamas. Realizada pelo serviço secreto Mossad não hesitou em intentá-la através de injeção de neurotoxina, em frente do Hotel Intercontinental, em Amã, a capital do rei Hussein, da Jordânia.
A tentativa malogrou porque houve reação e, posteriormente, seria possível aplicar o antídoto. Contudo os agentes foram presos e um colérico rei Hussein confrontou pelo telefone a Netanyahu. Sem saída, o Premier israelense teve que assentir a todas as exigências do monarca jordaniano.
Desmoralizado, Benjamin Netanyahu, o jovem americanizado Primeiro Ministro foi sucedido eventualmente pelo trabalhista general Ehud Barak.
Assinale-se, por oportuno, que a volta de Netanyahu ao governo não o tem mostrado muito diferente de sua versão mais jovem. Forçado a cancelar a sua visita aos Estados Unidos – estava no Canadá quando o raid dos comandos ocorreu – voltou a Israel. Uma parte de seu gabinete protesta contra o fato de que a desastrada ação contra o comboio humanitário foi aprovada somente por parte do gabinete.
Não é difícil imaginar quem tem a responsabilidade dessa empresa que logrou unir toda a comunidade internacional contra Israel.
(Fontes: Folha de S. Paulo e O Globo )
[1] ‘A World of Trouble’, Patrick Tyler, Farrar, Straus, Giroux, New York, 2009, 628pp.
quarta-feira, 2 de junho de 2010
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