Com a deterioração do clima e o aquecimento global causado pelo homem, os prodígios de ontem já vão ganhando foros de fenômenos recorrentes. Assim, surgem inundações no semiárido com turbadora frequência. No passado, tais inundações terão ocorrido, mas com extrema raridade.
Até no deserto houve casos de pessoas morrerem afogadas pela súbita torrente de um até então adormecido uádi. Contudo, tais ocorrências nesses ‘rios secos’ do Norte do Saara constituem autênticos e raríssimos prodígios.
Como as inundações de Santa Catarina, as ora repetidas tragédias humanas e materiais no Nordeste poderiam ser evitadas. Nunca uma assembleia legislativa estadual deu provas de maior desmemória e improvidência do que a de Santa Catarina ao decretar um inconstitucional[1] código florestal dessa unidade federativa. Será de que de nada valeram os iterados cataclismos para que os políticos da província atendam demagogicamente às estultas reivindicações de restringir as APPs e portanto as ‘matas ciliares' a ridículos cinco metros ? Afinal, se careciam de mementos sobre a necessidade de respeitar o meio ambiente, eles não os tiveram poucos nos desastres naturais que acometeram o estado em tempos recentíssimos.
Hoje o jornal Folha de São Paulo publica oportuna e fundada reportagem, sob a manchete de primeira página ‘17 cidades destruídas já sofreram com as cheias’. Há dois aspectos que semelha importante ressaltar nesta questão.
De uma parte, a faceta administrativa e preventiva que é descurada. Consoante levantamento do diário, 29% das cidades afetadas pelas chuvas em Alagoas e Pernambuco enfrentaram as cheias ao menos uma vez desde 2003.
No particular, dispomos de informação deveras oportuna, fornecida na primeira página da Folha: “para especialista, medidas simples, como regular a vazão dos rios e recompor a vegetação das suas margens, evitariam o problema”.
Por outro lado, a irresponsabilidade dos órgãos federais que deveriam ocupar-se da matéria se vê corroborada pelo desequilíbrio nas despesas de prevenção e nas de reconstrução posterior às inundações: “de 2003 a junho deste ano, foram liberados R$ 5,8 bilhões para ações pós-tragédias e apenas R$ 1,1 bilhão para prevenção.”
A propósito, a Comissão Especial da Câmara, controlada pelos ruralistas e o seu aliado oportunista, o Deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), recebe a inesperada advertência de o que significa mexer irresponsável e demagogicamente com o Código Florestal, tornando inúteis as APPs e incentivando, na contramão do tempo, as vanguardistas hordas do atraso.
Falava acima de um ulterior aspecto dessa tragédia ambiental. Tem-se a impressão, por vezes, que o único órgão que se preocupa com tais fenômenos é a Rede Globo. Pois no noticiário do Jornal Nacional só deparamos com as falas de William Bonner e as intervenções dos repórteres, a começar pelo dedicado veterano Francisco José e tantos outros das sucursais de Pernambuco e das Alagoas. Em meio àquele cenário de destruição e a pobre gente de que a cruel inundação agrava, se possível fôra, a própria miséria, se repetem as tomadas das torrentes avassaladoras que levam consigo, em requinte de quase incompreensível maldade, todas as frágeis estruturas que as comunidades tão interioranas quanto esquecidas ali ,com não pequeno esforço, levantaram.
Não se vêem funcionários federais ou estaduais. Tampouco se ouvem palavras – a presença seria ,decerto, um novo prodígio para aquela gente – dos poderosos de Brasília, para não falar dos de Recife e de Maceió.
É peculiar esse vezo que desgraçadamente parece ser geral, melancolicamente próprio do Brasil hodierno. Não é que até os viajantes candidatos José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) cancelaram suas visitas ao Nordeste, porque ‘o clima não é de festa’ ? Não se ignora que pretendiam ir às festas de São João em Caruaru (PE) e Campina Grande (PB).
Não contesto – longe disso – que o clima não mais seja de festa. Mas, se me permitem, não atino com a razão de fugir de tais locais de infortúnio, como soi fazer o grande comunicador, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nascido em Caruaru, e que veio para o Sul maravilha em um pau de arara.
Será que a gente sofrida do Nordeste só deve merecer as tomadas e as falas do pessoal da Rede Globo ? Será que essa gente não vota, nem, do fundo de sua pobreza, inda paga impostos ? Será que tal gente não merece um pouquinho de atenção dos altos poderes federal e estadual ?
( Fonte: Folha de S. Paulo )
[1] Há recurso perante o Supremo que questiona tal constitucionalidade. No entanto, como será experiência de muitos, a nossa Justiça é lenta ao ponto de parecer-nos acometida de paralisia. Seria preferível que, em questões de tal importância social, o fosse menos.
quinta-feira, 24 de junho de 2010
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