quarta-feira, 23 de junho de 2010

Indiscrições de um General

Pelo acesso mais prolongado que teve à roda dos auxiliares diretos do general Stanley McChrystal , comandante das tropas aliadas no Afeganistão, o repórter Michael Hastings, da revista “Rolling Stone” pôde fazer reportagem cheia de indiscrições sobre gente poderosa. No entanto, o que pode ser interessante para o jornalista, não costuma sê-lo necessariamente para as fontes da informação.
Segundo consta, o culpado do ‘furo’ da revista foi o vulcão islandês, o impronunciável Eyjafjallajokull, cuja erupção e profusas cinzas inviabilizaram viagens aéreas em semana de abril, forçando o general e os seus auxiliares a demorado deslocamento de ônibus de Berlim a Paris. Durante essa proximidade acidental, o reporter dispôs de inusitada familiaridade com o círculo de McChrystal.
Não será fora do comum que comandados reclamem do comandante-em-chefe e de seus auxiliares imediatos. O que não estava previsto é que tais críticas hajam sido feitas junto aos atentos e profissionais ouvidos de um jornalista.
Há observações depreciativas acerca da alta hierarquia da Casa Branca, nelas incluídos o Vice-Presidente Joe Biden, o General Jim Jones, Assessor de Segurança Nacional, e Richard Holbrooke, Enviado Especial para o Afeganistão e o Paquistão.
Sem embargo, e a despeito do seu caráter corrosivo, tais comentários não têm a gravidade de epítetos, mesmo ouvidos de segunda mão, e supostamente ditos pelo Comandante das tropas no Afeganistão, o General de quatro estrelas Stanley McChrystal, a respeito de seu Comandante-em-Chefe, o Presidente Barack Obama.
Em uma primeira versão dessas alegadas declarações, McChrystal, que foi nomeado por Obama para comandar os contingentes estadunidense e da OTAN no Afeganistão, qualificara o Presidente como ‘despreparado’, ‘embaraçado e intimidado’.
Os chefes militares do Comandante no Afeganistão criticaram acerbamente tais declarações. Nesta quarta-feira, 23 de junho, o general McChrystal se encontrará com o Presidente Obama e o Vice-Presidente Biden “para explicar ao Pentágono e ao Comandante-em-chefe suas expressões citadas na reportagem”.
Obama, segundo fonte importante, ficou furioso com o artigo, em especial com a sugestão de que ‘ele estava desinteressado e despreparado para discutir a guerra no Afeganistão ao assumir suas altas funções’.
A outra menção à opinião do general-comandante se refere ao que auxiliares de McChrystal repassaram ao reporter, afirmando que o general ficara “bastante desapontado” com uma reunião no Gabinete Oval com Obama, e que ele achara o Presidente “embaraçado e intimidado” durante encontro no Pentágono com o general McChrystal e vários outros generais.
Como se verifica, as fontes do jornalista de ‘Rolling Stone’ são de segunda mão, posto que dada a sua cercania com o general – e as circunstâncias em que foram manifestadas – tenham foros de aparente credibilidade.
Esse gênero de fofoca, que delicia uma certa espécie de jornalismo, não representa decerto a cobertura mais oportuna, sobretudo se se levar em conta a presente situação do conflito que, há pouco, ultrapassou o marco dos mil americanos mortos em combate (desde 2001). Se a guerra do Afeganistão, com todos os seus notórios precedentes históricos, já enfrenta problemas sérios, como o adiamento da tomada de Kandahar, o que reflete discordâncias nos altos círculos sobre o andamento da campanha, as observações atribuídas a McChrystal trazem inoportuno complicador para a questão.
Chamar o Presidente de ‘despreparado, embaraçado e intimidado’ em matérias de ambito militar não é coisa de somenos, porque toca em um nervo exposto.
Convocado à Casa Branca, o general pôs o seu cargo à disposição, o que é de certa forma um gesto inútil, eis que o cargo não lhe pertence, a par do mal que essa indiscrição poderia causar já está feito.
De qualquer forma que evolua essa importuna crise, o Presidente Obama dificilmente sairá indene do episódio.
E é lamentável que visões preconceituosas e corporativistas tenham sido literalmente difundida por um sôfrego alto-falante, que preza mais os quinze minutos de notoriedade, do que os interesses de Estado e da Administração Obama.

( Fontes: International Herald Tribune e Folha de S. Paulo )

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