Seria difícil imaginar tal episódio no Brasil. Ao contrário de nossos vizinhos sul-americanos, o estamento civil e político – e nisso incluo o Judiciário – brasileiro persiste em atitude demasiado deferente para com a corporação castrense. Na Argentina, os chefes militares da época da guerra suja foram trazidos ao banco dos réus e condenados por sua participação nos desaparecimentos e em outras violações dos direitos humanos. Tampouco se tolerou a permanência de uma justiça militar.
No próprio Chile, a despeito de uma transição mais difícil, o próprio general Augusto Pinochet acabou por ser trazido aos tribunais chilenos, após a histórica prisão domiciliar em terra inglesa, causada por intimação do juiz espanhol Baltasar Garzón.
O cauteloso comportamento dos políticos civis no Brasil para com a hierarquia militar talvez seja um longínquo resquício do golpe do Marechal Deodoro da Fonseca, o que tornou, nas palavras de muitos, a novel república refém de seus supostos criadores e líderes.
Respaldados pelo sufrágio popular, a legitimidade dos próceres republicanos não carece de condestáveis. O Povo é soberano, e como tal os seus representantes eleitos devem proceder. A época dos tratamentos diferenciados e das exceções – como não faz muito a maioria do Supremo Tribunal Federal chancelou a suposta prescritibilidade da tortura, que o direito moderno não mais reconhece – deveria ser coisa do passado. Sem provocações, mas também sem estranhas deferências, o Poder Civil precisa ter consciência de sua intrínseca importância para a vigência de democracia igualitária e sem privilégios de qualquer espécie.
Para tanto, não semelha desimportante ter presente o desfecho da crise provocada pelas declarações atribuídas ao General Stanley A. McChrystal, comandante das tropas aliadas no Afeganistão (Vide blog Indiscrições de um general).
Convocado à Casa Branca, o general McChrystal teve audiência de vinte minutos com o seu Comandante-em-chefe, o Presidente Barack Obama. A despeito do pedido de desculpas do general, o presidente decidiu pela sua imediata subtituição. Assume ora o comando o General David H. Petraeus, que já se assinalara no Iraque, pela estratégia contra-insurgencial.
Sem o querer, a incontinência verbal do general McChrystal ensejou ao presidente estadunidense a ocasião de asseverar a prevalência do poder civil sobre o estamento militar, o que deve estar na base de qualquer democracia. A esse propósito, vem à lembrança a decisão do presidente Harry Truman de exonerar o general Mac Arthur de seu comando no Japão derrotado.
Em entrevista no Pentágono, o Secretário da Defesa Robert M. Gates, enfatizou que não se deveria interpretar a determinação do Presidente Obama em substituir o comandante das tropas no Afeganistão como representando, de alguma forma, uma redução no comprometimento da missão.
Por sua vez, a seu lado, o Almirante Mike Mullen, o atual comandante da Chefia de Estado Maior, após referir-se com pesar à partida de um dileto amigo, sublinhou que o general desrespeitara um valor fundamental do sistema americano, a subordinação (accountability) dos militares perante a liderança civil.
Para quem se expressara em termos,não exatamente respeitosos, quanto à respectiva capacidade de liderar, o Presidente Obama ministrou lição exemplar, mostrando a gregos e troianos que não se intimida com a hierarquia castrense.
( Fonte: International Herald Tribune )
sexta-feira, 25 de junho de 2010
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Um comentário:
Também considero que o presidente Obama soube sublinhar, com firmeza, a necessária subordição militar perante a liderança civil.
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