Sempre que vejo locutor cobrindo uma manifestação - em geral
da cabine de um helicóptero, após ser
chamado pelo apresentador de jornal televisivo, para dar detalhes da multidão, de que ele pode ter uma vista panorâmica
através das vidraças de o que antes chamavam autogiro - me passa pela mente o pensamento acerca do perigo que o
jornalista televisivo se vê obrigado a
arrostar, arriscando a vida, para
dar detalhes aos telespectadores, que na maior parte dos casos são quase
supérfluos. Nesse contexto, talvez
por uma atávica inquietude, eu pergunto
aos meus botões se em verdade é admissível que a notícia acarrete correr tais
riscos - ali está na angusta, acolchoada cabine um trabalhador da informação, a
que a direção da estação força contribuir
com dados que semelham no lusco-fusco ambiente assaz dispensáveis, dado o
gesto arriscado de trazer aos telespectadores, confortáveis nas suas poltronas,
com a noite da manifestação vista sob o rítmico ruído de uma vista que alguém
da cenografia terá considerado indispensável para compor o quadro da
reportagem.
Lendo o resumo em primeira página dado
pelo Estadão, dou-me conta que no acidente que vitimou Ricardo Boechat outros,
diferentes imperativos existiam. Boechat fora a Campinas, aonde dera uma
palestra, e retornava a São Paulo. Era a pressa do jornalista que presidia
àquele comportamento. Em outras palavras, a urgência ditava o rito. Como está
nas veias de um repórter como Boechat, não se discute com os ditames do ofício.
São reflexos do jornalista, que para ele são uma segunda natureza. Os tempos da
notícia tem razões que a própria razão desconhece. Como o amor ao ofício, não
há limites nas concessões às respectivas exigências.
Morrer como no poema de Drummond é
despedir-se da vida ungido na própria dedicação à notícia.
( Fonte: Drummond de Andrade. Poesia Completa. Morte no Avião )
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