terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Morte de Ricardo Boechat

                              

       Sempre que vejo  locutor cobrindo uma manifestação - em geral da cabine de um helicóptero,  após ser chamado pelo apresentador de jornal televisivo, para dar detalhes da multidão, de que ele pode ter uma vista panorâmica através das vidraças de o que antes chamavam autogiro - me passa pela mente o pensamento acerca do perigo que o jornalista televisivo  se vê obrigado a arrostar, arriscando a vida, para dar detalhes aos telespectadores, que na maior parte dos casos são quase supérfluos. Nesse contexto, talvez por uma atávica inquietude,  eu pergunto aos meus botões se em verdade é admissível que a notícia acarrete correr tais riscos - ali está na angusta, acolchoada cabine um trabalhador da informação, a que a direção da estação força contribuir com dados que semelham no lusco-fusco ambiente assaz dispensáveis, dado o gesto arriscado de trazer aos telespectadores, confortáveis nas suas poltronas, com a noite da manifestação vista sob o rítmico ruído de uma vista que alguém da cenografia terá considerado indispensável para compor o quadro da reportagem.  

         Lendo o resumo em primeira página dado pelo Estadão, dou-me conta que no acidente que vitimou Ricardo Boechat outros, diferentes imperativos existiam. Boechat fora a Campinas, aonde dera uma palestra, e retornava a São Paulo. Era a pressa do jornalista que presidia àquele comportamento. Em outras palavras, a urgência ditava o rito. Como está nas veias de um repórter como Boechat, não se discute com os ditames do ofício. São reflexos do jornalista, que para ele são uma segunda natureza. Os tempos da notícia tem razões que a própria razão desconhece. Como o amor ao ofício, não há limites nas concessões às respectivas exigências.

           Morrer como no poema de Drummond é despedir-se da vida ungido na própria dedicação à notícia.      


( Fonte: Drummond de Andrade. Poesia Completa. Morte no Avião )                               

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