sábado, 16 de julho de 2016

Porque Putin adorou o Brexit


        A crise européia aberta pelo Brexit - a escolha do Reino Unido pela saída da União Europeia - desagradou a muitos países na Europa, especialmente na Organização de Bruxelas e não só pelas dificuldades que vai criar.
        Há um líder europeu, no entanto, que não é membro da U.E. mas que gostou muito do êxito do Brexit. E esse líder, que não participa do organismo em Bruxelas, e cujo país, embora considerado europeu, por sua extensão seja também asiático, contemplou com grande satisfação o enfraquecimento da velha potência, que tantas vezes no passado lhe contrariara os respectivos anseios.
         Como terá demonstrado Andrew Foxall, esse líder - Vladimir Vladimirovich Putin - teve um de seus objetivos principais - o enfraquecimento do Ocidente - realizado em um dia.  Dentro desse enfoque, Putin passou cerca de dezesseis anos tentando desestabilizar o Ocidente, através de política externa com o fim de intimidar muitos dos países na órbita do gigante russo, aqueles que o Kremlin designa como estando no estrangeiro próximo.
          Putin abriu uma união aduaneira que é oferecida - de forma quase compulsória - para os seus vizinhos. O senhor do Kremlin estabelece uma linha divisória para aqueles que se conformam ao morno futuro disponibilizado por tal união, como a Bielorrússia, e o pesadelo de intervenções  em países como a Geórgia e a Abkhazia do Sul.
          Como a revolta de Maidan escorraçou do poder o filo-russo Viktor Yanukovich, não tardaria que a Criméia seria invadida e 'devolvida' à Rússia, assim como iniciada a guerra não-declarada contra a Ucrânia, grande demais para que ele permitisse a união com Bruxelas.
          Se essa guerra que fomenta o separatismo na Ucrânia oriental persiste até hoje e as sanções contra o agressor russo continuem de pé, a economia russa tem sofrido com tais medidas decretadas pelo Ocidente, a que o Reino Unido vem dando o seu apoio.
          Mas como afirma Foxall, quando em um dia 17,4 milhões de súditos britânicos votaram para sair da UE. a 23 de junho, eles lograram em uma jornada o que Putin não havia conseguido em mais de década e meia. Foi, decerto,  decisão apertada, mas tudo indica que irreversível em um prazo breve.
         Dos países que integram o Reino Unido, tanto a Escócia quanto a Irlanda do Norte preferiram manter a união com Bruxelas.  No entanto, com o desaparecimento do Reino Unido da União Europeia, fica em dúvida se a Escócia de um lado manterá os seus liames com Bruxelas, assim como a Irlanda do Norte.
          É interessante também notar que esse resultado desastroso passou a ser visto com desconfiança por muitos que tinham sufragado o Brexit. Repetia-se assim aquele velho dito: não desejes muito uma coisa, porque ela pode acontecer. Tal mudança de opinião ocorreu demasiado tarde. Aquela decisão levianamente tomada, ora lhes caía mais pesada.
         Como assinala Foxall, o Reino Unido era um dos mais fortes apoiadores das sanções contra Moscou, por causa da guerra na Ucrânia. Há muitos países na União Européia - como Chipre e Eslovênia que estão prontos a levantar tais sanções, mesmo que com a tênue base dos acordos de Minsk II (o acordo entre Moscou, Kiev e os ditos 'separatistas'). Moscou também cultiva o jardim de Grécia, Aústria e Hungria, países que vêem o Kremlin com simpatia. Também balançam a Eslováquia, e o próprio Ministro do Exterior da Alemanha, Frank Walter Steinmeyer declarou que "as sanções não são um fim nelas mesmas".
           Foxall inclui o dubitativo Steinmeyer, mas me parece difícil que a Chanceler de Ferro concorde com isso.  Se as sanções cairem, a U.E. terá concedido à Russia o direito de invadir ou intervir em qualquer território que porventura deseje. A única condição é que o país em causa seja fraco, ou sem poder suficiente para contra-arrestar o monstro russo...
            Daí, se compreende o temor do chamado efeito dominó na Europa. Países que têm a memória longa são menos suscetíveis das tolas ilusões supra-referidas. A esse propósito, o Presidente da Polônia, Andrzej Duda disse no mês passado que "tudo deve ser feito" para prevenir que outros países saiam da UE.
            Gospodin Putin sabe dessa dificuldade muito bem, e por isso dedica substanciais somas  para cultivar  e financiar grupos euro-céticos através do Continente europeu.
             Dentre esses, se alinham o Front Nacional (extrema direita francesa) que recebeu empréstimo de onze milhões e setecentos mil dólares de um Banco russo (em 2014).  O Kremlin cultiva relações com os partidos de extrema-direita e ultra-nacionalistas como Jobbik, na Hungria, o Partido do Povo na Eslováquia, e o Ataka, na Bulgária.
              A esse respeito, sublinha Foxall que os Estados Unidos estão tão preocupados com a determinação de Moscou de fomentar a desunião na Europa, que neste janeiro o Diretor de Informações (Intelligence) James R. Clapper Jr. encetou revista dos fundos clandestinos destinados pela Rússia a partidos europeus.
                 O articulista Foxall chama a atenção para os principais partidos da  Escócia e da Irlanda do Norte, que se preparam a submeter novos referendos para deixar o Reino Unido.  Que o futuro da Grã-Bretanha esteja em jogo, não parece haver dúvidas, com as defecções da Escócia e da Irlanda do Norte. Esses pequenos países contam, no entanto, com o ingresso na União Européia.  Aqui Putin ganharia através da fragmentação.
                 É, no entanto, para lá de duvidoso que a França e a Itália sigam essa corrente. Encontra-se gente que tenha simpatias pelo Brexit  na extrema direita, como Geert Wilders, o político holandês, que prevê que os Países Baixos se unirão a essa corrente.
                  Foxall sublinha que a UE pode ser um ator hesitante em termos de política externa, mas através da OTAN a Europa é uma das principais integrantes da arquitetura militar e de segurança.
                   O peso do Reino Unido é que tenderá a cair, pela perda de populações importantes. Na argumentação de Foxall com Brexit Bruxelas terá perdido a sua mais importante ligação com Washington.
                    Nesse aspecto, a argumentação do articulista me parece claudicar, porque a Inglaterra manterá o peso nuclear do atual Reino Unido. O seu veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas há de perdurar, posto que tenha perdido um tanto de seu peso relativo. Mas isso me parece discutível.
                     Vladimir Putin, ao invadir a Ucrânia e ao arrancar-lhe a Criméa, terá detido a expansão para leste da União Européia.
                      O presidente russo tem seguido política autoritária também na política externa, mas nesse campo devemos ter cuidado em aumentar-lhe as supostas possibilidades. São conhecidas as limitações da Federação Russa  em diversos campos, como no do petróleo. É a sua principal mercadoria de exportação e por ora sofre com a queda na cotação do barril, fomentada por países que nessa área dispõem de muito maior poder do que Moscou. Se Vladimir V. Putin apresenta a chamada doutrina eurasiana, uma mescla de diversas políticas, inclusive até do nazismo, a Rússia como potência pode ter o material atômico herdado da União Soviética (e também de alguns outros países que caíram na tolice de ceder-lhe os arsenais), mas a sua força - ainda que aumentada por grandes dispêndios do Kremlin - não se compara à da antiga URSS.
                        O erro principal do artigo - decerto importante - de Andrew Foxall é presumir que o Reino Unido, com o Brexit, deixou de ser uma grande potência. Releva notar-se que o U.K. faz muito perdeu o peso da grande potência, que tinha logo depois do fim da segunda grande guerra. Assim como a França tampouco possa ser considerada no mesmo nível da superpotência americana, convém lembrar que há outro integrante desse seleto clube, i.e., a República Popular da China. Enquanto esta se aproxima dos Estados Unidos para a eventual sucessão, é preciso que nos afastemos das coordenadas européias - que desde muito deixaram de determinar essas colocações - para que se tenha visão realista da política internacional.
                       Será que Moscou continua, como declarou o Presidente Barack H. Obama, um fator regional na política externa e militar?  Há muita pressa de Vladimir Putin, e muito problema na Rússia em termos de crescimento econômico, além de considerável corrupção instalada no poder.  Por isso, cuidemo-nos de tomar as ambições de gospodin Putin como expressão de um poder realmente efetivo e existente.
                      No caso em tela do U.K. semelha importante não ter as coordenadas de observação afetadas por um movimento histórico que em muitos aspectos, máxime na diminuição do respectivo poder, tanto econômico, quanto militar, já certamente constituía a realidade. Ao ver de mais de perto o fenômeno, sem guardar a necessária distância de observação, pode ser que se caia no erro de achar que as antigas ilusões e a fortiori as lembranças do passado imperial ainda permaneçam com a mesma força que tinham anteriormente.

                       Mas pode-se imaginar que a Inglaterra no auge da potência tivesse um lider com o intelecto e as falhas de  David Cameron ?

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