A mídia terá as suas razões que a própria razão
desconhece. A famosa citação semelha aplicar-se como uma luva ao misto de
consternado silêncio e de atônita exposição de um arrocho brutal pelo homem
forte Recip T. Erdogan.
Com efeito, a aparente confusão da
mídia reflete outra realidade ainda mais grave. A falta de qualquer ação, seja
de um silente Comitê de Segurança das Nações Unidas, seja da União Europeia,
seja do próprio Estados Unidos.
Nunca a liberdade de expressão e a
democracia foi atropelada de forma mais brutal e cínica do que a investida do
aprendiz de Tirano Erdogan.
Nunca uma tentativa de golpe que
logo mostraria a respectiva fraqueza e falta de uma ação crível em termos de
pôr em perigo a situação estabelecida terá sido instrumentalizada do modo mais
descarado e mesmo despudorado do que a alegada reação da 'ordem instituída' de
parte do homem forte Erdogan.
O cinismo exibido pelo Presidente
da Turquia não encontra, nos tempos modernos qualquer paralelo. A desfaçatez
com que instrumentaliza não só a quartelada, mas todos os pretextos no que
concerne à repressão, já sequer se preocupa em colocar motivos e razões que de
alguma forma guardem aparências de credibilidade.
Nesse feroz descaramento, o entorno
de países que se dizem democratas guarda sórdido silêncio, que a tudo dá a
impressão de admitir sem qualquer reação, e, portanto, se iguala no que tem de
rasteiro e de ofensivo ao espírito democrático e ao império da Lei, ao que
poderia esperar-se de regimes opressivos e absolutistas.
O mais revoltante é que, se uma tal
reação não despertaria mossa em governos como os da Bielorrússia, da própria
Rússia, Arábia Saudita, e alguns outros
cujo silêncio não espantaria - pois fazem o mesmo ou parecido com os próprios
súditos - o que dizer das grandes democracias, como Washington, União Européia
e algum país da América do Sul, que não se envergonhe de vocalizar a sua fé democrática?
Que mutismo é esse que atordoa
pela anti-reação, pela falta de qualquer expressão de repúdio aos brutais,
cínicos processos de Erdogan de partir insolente e esfaimado contra tudo o que
existe de princípios de respeito à liberdade e ao direito de cada um de ser
presumido inocente, antes de ser jogado em alguma enxovia ou outro cárcere do
gênero tristemente notório do chamado expresso da Meia-Noite.
Para que se tenha alguma noção do
sanhudo, cínico suposto contra-ataque do tirano Erdogan tenha-se presente que
ele mandou prender ou suspender sessenta mil pessoas - militares, juízes,
policiais e professores - acusadas de elo com o golpe.
A empregar-se os próprios argumentos
do Presidente turco já se tem um gigantesco e sinistro selfie dos acusados de 'ligações como o golpe'.
Agora, pelo visto, chegou a hora de
prender os havidos como 'inimigos' e aqueles mais articulados opositores do
Ditador. Assim, o denuncismo desvairado
alcança sessenta mil "suspeitos", entre os quais jornalistas de
nomeada como Sahin Alpay, ex-colunista do maior jornal turco (até a interdição
em março) "Zaman", ligado ao desafeto Fethullah Gülen.
Dentro da lógica da repressão, terá
ecoado em ouvidos de mercador o telefonema da Chanceler Angela Merkel, que
advertia Erdogan que a reintrodução da pena de morte o afastaria da entrada na
União Europeia.
Na própria orgia de sangue e repressão, o ditador Erdogan na
sua mania persecutória por ora prefere
prosseguir no sofrimento que distribui por atacado: além do expurgo, fecha
jornais, tevês e rádios.
Em seu entorno, prefere o silêncio ou
o seu pútrido similar, que são os correios que reproduzem as declarações e anúncios
oficiais. Quanto às mortes e torturas,
ficam por conta da imaginação e dos temores de gente encurrulada pelo medo e as
longas sombras dos agentes da ditadura.
( Fonte: Folha
de S. Paulo; Alan Parker )
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