A ameaça de reação de políticos corruptos, mas
poderosos, é demasiado real, para não ser levada a sério.
O meu recentíssimo blog - Gilmar
derrapa? - se ocupa de um estranhíssimo projeto que dormia
merecidamente nas gavetas do Senado, e que agora sai da hibernação pelas mãos
do Senador Renan Calheiros.
Esse projeto de lei está na contramão do
interesse da Sociedade civil brasileira, mas tem o apoio de gente importante,
como o próprio Presidente do Senado, e um Ministro do Supremo Tribunal
Federal, Gilmar Mendes.
Porquê
se escreve que esse projeto de lei está na contramão dos interesses da
Sociedade? Pela simples razão que o seu
escopo é desencorajar a autoridade civil de investigar e punir casos de
corrupção na esfera pública e na sociedade civil.
E qual o instrumento que é utilizado para
'desincentivar' - na verdade, intimidar - a autoridade de atuar contra os
corruptos e outras pessoas que estão à margem da lei? O pretexto legal seria
punir os 'responsáveis' sob a figura dos 'crimes de abuso de autoridade'.
Os cérebros que estão por trás dessa
suposta reviravolta - intimidar-se o eventual acusador sob o fino, diáfano e
sumamente hipócrita véu de um alegado abuso de autoridade. Como se vê, esse projetinho de 2009, relegado
merecidamente às gavetas do Senado, algo retorna às luzes da ribalta com o
escopo precípuo de tentar virar o feitiço contra o feiticeiro, ao chamar de abuso
de autoridade a eventual denúncia de crimes realmente existentes.
Se a origem do processo - que esse
projetinho nocivo e por longo tempo dormindo o sono profundo dos papéis irrelevantes
volte à cena - tal decerto não acontece por acaso. Como no caso do jabuti,
alguém o botou no galho da árvore, pois jabuti não sobe em árvore, seja nanica,
ou frondosa.
Qual é a última de Renan Calheiros,
que permanece na curul de Presidente do Senado, apesar de coletar processos no
Supremo Tribunal Federal? Ele defende a mudança na lei da delação, que
vise a impedir que presos se tornem delatores. Só os que estão em liberdade
poderiam negociar esse acordo... O instituto da delação premiada, que faz o
terror dos bandidos fora da cadeia - pois permite a sua denúncia por alguém que
está sendo processado, e ou está ameaçado de ir para a cadeia, ou já está nela.
O quid pro quo tem que existir para
que o acusado tenha interesse em desvelar um processo criminoso.
Esse novo instituto tem sido um
grande adjutório para as investigações e condenações penais. Daí, a raiva dos
corruptos e de outras autoridades que se sentem ameaçadas. Lembrem-se das invectivas
de Dilma Rousseff contra os delatores premiados, sob o pretexto de que não
mereciam atenção das autoridades por serem criminosos... Até mesmo, ela tentava
misturá-los com os traidores de nossa História, como Joaquim Silvério dos Reis,
Calabar, etc. Dada a pouca sutileza da nossa Presidenta afastada, as suas
observações não mereceram maior atenção. Mas a proposta de Renan Calheiros de só permitir a delação para
quem esteja em liberdade é uma dose demasiado forte de canalhice ou hipocrisia
política, eis que equivaleria a matar o exitoso instituto da delação premiada. E é porque ele faz medo aos corruptos, que
ele tem de ser preservado.
Nesse contexto, julgo, portanto,
muito oportuno que os Procuradores do Ministério Público venham a campo em defesa
do instituto das delações, e que usem de todos os demais meios lícitos de levar
avante a luta contra os corruptos.
Assim, se deve fazer frente à
insolente ação de políticos corruptos. Vejam, v.g., a audácia do Senhor Renan
Calheiros, até hoje sentado na curul da presidência do Senado, a despeito de
sua ficha notória: ele afirmou que deseja priorizar o andamento da proposta que pune casos de
abuso de autoridade por agentes públicos, incluindo integrantes do Judiciário e
do Ministério público, para votá-la até
o próximo dia treze, antes do recesso parlamentar.
Assinale-se, a propósito, a
reação do Procurador Roberto Pozzobon, que, muito a propósito, disse:
"A quem interessa o desmonte do instituto dos acordos? A quem investiga ou a quem é investigado por
meio desses acordos?". Foi o que se perguntou muito oportunamente o
Procurador durante entrevista coletiva em Curitiba.
Nesse contexto, é importante
ter presente a declaração lapidar de Pozzobon, Procurador da Força - Tarefa da
Lava-Jato: "Em todas as operações, os destinatários finais eram agentes
políticos. Eles estão no topo da cadeia alimentar da propina."
Assim, na Operação
Turbulência, que investiga propinas nas obras do Rio São Francisco, as
investigações compartilham provas da Lava-Jato
apresentadas pelo doleiro e delator Alberto Youssef. Na Tabela Periódica,
deflagrada em Goiás, que tem como alvo propinas pagas nas obras da Ferrovia
Norte-Sul e da Ligação Leste-Oeste, ambas da Valec, as investigações tiveram como
referência os acordos de delação de executivos da Camargo Corrêa e o Acordo de
Leniência fechado pela Empreiteira.
No lusco-fusco parlamentar
que sói acompanhar os sólitos dias de recesso dos senhores congressistas,
exaustos por seu ritmo de trabalho de dia e meio por semana, urge atuar contra
a ação nociva de projetos de parlamentares que favorecem o lado corrupto: assim
o projeto do deputado Wadih Damous (PT-RJ), que proíbe a delação premiada se o delator estiver preso!
O projeto mereceu
críticas do Juiz Sérgio Moro. Para este ícone da reação em favor da
honestidade e da correção, a delação
também ser vista sob a ótica do direito à ampla defesa. Nesse sentido asseverou
Moro:
"Fico me indagando se
não estamos vendo alguns sinais de uma tentativa de retorno ao status quo da impunidade dos
poderosos."
( Fonte: O Globo )
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