Parece que Recep Tayip Erdogan, o presidente da
Turquia, logrou conter a reação militar contra o seu crescente autoritarismo.
Diz muito do choque recebido por Erdogan
que ele tenha escolhido ser fotografado
com o retrato do criador da Turquia moderna, Mustafá Kemal, Atatürk, que
pautara o próprio regime dentro do laicismo, no seu programa de trazer o que
sobrara do Império otomano para a época moderna. Atrás do abalado Presidente
turco, e de seus lugares tenentes, está a imagem do antigo Pai da pátria, cuja
influência contrária ao clericalismo islamizante vinha sendo aguada nos últimos
anos, à medida que o homem forte da atualidade se acreditara assenhorear-se de
presença cada vez mais abrangente dos instrumentos do autoritarismo.
A
já assaz longa permanência no poder do partido islamista de Erdogan foi abalada
pela forte reação castrense. Nos últimos tempos, tocado pela húbris de longa permanência, o regime
ganhava reforçados traços de luxuriante vezo autoritário. Ameaçado por uma reação
cuja amplitude é, por ora, difícil de determinar, mas a ação aérea, a par da
intervenção de forças terrestres, tende a indicar que o movimento não foi um
simples e isolado pronunciamiento de
alguma facção, mas envolveu diversos segmentos das Forças Armadas.
Se o homem forte Erdogan achou oportuno
nessa hora de contestação do seu
imperial mando apelar para o povo, é indicação de peso que nessa passada noite,
ele terá temido pelo próprio regime, que se torna crescentemente distante dos
meios e modos da autêntica democracia.
Outrossim, pela sua situação
geográfica e a tragédia síria, com a sua produção inumana de refugiados que a
Europa - e notadamente a Comunidade Européia - semelham não ter condições de
lidar de modo eficaz e à altura do desafio, levou a aumentar o poder relativo e
circunstancial de Âncara, máxime no viés geográfico, a ponto de fazer Âncara acreditar lograr
superar o ressaibo amargo da experiência pregressa de sua rejeição na prática
pelo organismo de Bruxelas, com a inesperada vantagem de quem ora possa ditar
condições, por ser terra de passagem.
A ameaça do putsch não deveria ser ignorada por Erdogan, uma vez passado o
transe da súbita e violenta contestação. Na maneira com que vá a administrar a fase da pós-contestação
mostrará se sobra algum senso de realidade ao homem forte da Turquia. Se
continuar acelerando no senso inverso aos sábios ditados do pai da pátria,
estará preparando com a diligência dos ditadores a própria queda.
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