Teria sido para Adolpho Bloch demasiado doloroso
atravessar a charneca da falência, com as suas urzes e areias, com as traiçoeiras
dunas, a que recobre escassa, rasteira vegetação, que é a vestimenta de solo
pobre e exaurido, onde pode esperar-te o belo horrendo das cobras corais, com
os negros aneis e o vermelho espalhafatoso.
A ambição pode levar-nos aos
descaminhos de demasiados empenhos. Terá sido acaso a húbris o que levou Adolpho a empenhar os próprios bens muito além
da Taprobana?
Não creio. Na verdade, foram as
cruéis Parcas que lhe retardaram o passo e lhe trouxeram o cansaço, que é o
companheiro importuno da velhice. Para
sermos francos, Adolpho, apesar dos problemas cardíacos, viveu mais que os seus
irmãos Boris e Arnaldo, aquele partindo com 54 anos, este com 51. O próprio paterfamilias, Joseph Bloch partira em
1953, com 84 anos.
Adolpho era um capitão de indústrias à
antiga. Carecia daquela famosa ciranda bancária para financiar as empresas. Na
virada do milênio a que ele não chegaria, as bocas de suas empresas haviam
crescido de forma consentânea com os desafios da então temida efeméride, para a
qual, no entanto, uma firma familiar como Bloch Editores não lograva acompanhar
as exigências crescentes das ávidas bocarras da televisão.
Talvez ele tenha chegado demasiado
velho em uma selva demasiado pujante e exigente, como é a televisão. Se aquele
mouro houvesse aportado às costas, com uma ou duas dezenas de anos antes,
haveria amealhado o capital necessário para enfrentar a concorrência - que, na
verdade e em essência, seria apenas uma só.
Coragem e audácia empresarial, ele
as tinha de sobra, mas quando desceu à arena, o handicap não mais lhe era propício.
O velho coração, que tantas
passagens pelos hospitais americanos, com a esposa Lucy lhe exigira, e mais
tarde, com a separação, com outra companhia, sinalizava mais exigências, que a própria
condição não mais se achava em estado de atender e, sobretudo, plenamente
satisfazer.
Enquanto aqui esteve e as forças
não o tinham abandonado, Adolpho responderia sempre presente aos desafios do século XXI. As cruéis Parcas, no entanto,
lhe cortariam o fio existencial bem antes da hora marcada pelo novo milênio.
Com a separação de Lucy, se ainda
mantinha contato com o sempre Tio Adolpho, o relógio continuou a correr, e as
eventuais passadas no prédio da rua do Russell haviam necessariamente de
espaçar-se.
Ele sempre me recebeu bem, mas
crescia a sensação de que eu vagava em diversa corrente, e o tempo, esse
maneiroso tratante, cuidava de forma insensível, porém ao cabo prevalente, de
afastar-nos de forma tão lenta, quanto na verdade inexorável.
Na última vez em que o vi, deploro não ter feito
os passos para atravessar o largo salão da embaixada russa em Brasília. De
longe, o distingui acompanhado da sólita senhora que repontara na sua vida uns
poucos anos atrás.
À distância, pareceu-me, naquele
final dos anos oitenta, muito envelhecido. A despeito do espaço que nos
separava, a distância entre nós, de certa maneira imitava o desenrolar recente
de nossas atividades, de que desaparecera o contato de antes.
De longe, a sua imagem não me
trazia o tio Adolpho que conhecera. Era agora um ancião, curvado pelos anos e,
sobretudo, pela doença familiar. Manifestamente, encolhera. Ali não estava mais
o meu tio Adolpho, mas, mesmo à distância, me ficou a impressão que ele me espiava
de quando em vez.
Era recepção diplomática. Muitos
estranhos e também conhecidos com que conversamos breve, efusiva e em geral
superficialmente.
Quando me voltei, afinal
decidido a procurá-lo, havia partido.
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