quinta-feira, 21 de julho de 2016

O anti-show de Ted Cruz

                               

       Não  por acaso, o Senador Ted Cruz é por vezes comparado a distante colega seu, que gozou da dúbia honra de carimbar uma era com o seu sobrenome. Com efeito, Joe McCarthy marcara época com a sua demagógica perseguição à suposta esquerda responsável pela 'entrega' da China aos comunistas, assim como pela paranóia da ameaça comunista na Terra do Tio Sam.
        Talvez nenhum demagogo tenha chegado tão longe no seu domínio de uma época, junto com um  incontável sofrimento e as perseguições que provocou. Desapareceria em meados da década de cinquenta, como surgira - como nuvem ruim que termina pela própria inanidade.
         O começo de seu fim surgiria em audiência de seu comitê que estavava na busca de traidores no exército americano. 'O senhor acaso não tem vergonha de o que está fazendo? Não tem qualquer senso de decência, Senador?'
         Essas palavras do Conselheiro especial do Exército americano Joseph Nye Welch[1], soariam a nove de junho de 1954, como o dobre da nefasta carreira  do Senador e do próprio movimento. Se há demagogos que foram mais longe do que McCarthy, que de fato deu nome à época infame (o macartismo) ilustra bem o quanto uma sociedade democrática possa cair presa das piores pulsões psicológicas. McCarthy merece atenção quase não por si mesmo, mas por dar ocasião às piores expressões do preconceito e da leviandade de carimbar grupos de pessoas por supostos desvios políticos. É o medo do diverso que, explorado por demagogos sem qualquer senso de medida, leva a episódios deploráveis, em termos de perseguição à liberdade individual de pensamento.
          Não sei se Ted Cruz se enquadrará em algum maldito círculo da demagogia política. De qualquer forma, ele já é enquadrado nesta faixa, por certos repórteres. Consumido pela ambição, ele pode ser autor  de comportamentos lamentáveis, como o da última noite no show televisivo da Convenção republicana de Cleveland.
            A exemplo do emboaba, Donald Trump decerto já chegou muito mais longe de o que prognosticaram os xamanes republicanos como o "candidato do verão".  Para surpresa de muitos e raiva de poucos, ele continua avançando, deixando para trás os que se julgaram mais merecedores do que ele. Agora, é o candidato do Grand Old Party, e será para valer, seja no sucesso surpreendente, seja no temido desastre.
              Trump, como o escolhido para candidato ter-se-á esquecido das palavras e, sobretudo, da grave falta de vencer nas primárias aos seus contendores republicanos. Pensando homenageá-lo, escolheu o Senador Ted Cruz como o orador da véspera, aquele que é suposto incensar o agraciado com a investidura.
              Ted Cruz é um personagem da direita do Partido Republicano. Essa definição não será pouca coisa, em grêmio que, na prática, não tem mais ala moderada, como no século passado. A ambição - não a dita normal em qualquer político, mas a raivosa e que ignora quaisquer peias - o consome. Ter-se-á presente, por conseguinte, o quanto sofreu por não ter o seu direito digamos de investidura reconhecido pela turba das primárias, que concedeu, como se sabe, a primazia ao aventureiro Trump.
                Por tais personagens consumidos pelo carreirismo, não se vá exigir bons modos. Trump, inebriado pela vitória na Convenção, e pensando que o espetáculo se destinava a glorificá-lo, não terá dado a devida atenção ao que poderia esperar de semelhante criatura. Pensou, embalado pela própria euforia, que Ted Cruz lhe seria grato pela tribuna.
                Infelizmente, quem não tem grandeza, não possui condições de agir em consequência. Mas o Senador Cruz agiu de forma ainda mais lamentável, porque utilizou o espaço que lhe fora concedido, não para se mostrar à altura dele, mas para alinhar uma série de frases propositalmente ambíguas que, como vasta caudal, desembocaria em um estuário de desfazimento da cortesia alheia. Para usar linguagem que parece mais  condizer com a mente do orador, ele literalmente cuspiu no prato que lhe fora oferecido, estultamente decerto. O mau-caratismo e a velhacaria podem levar os seus portadores a más paragens, como foi a vaia merecida que recebeu, e a maneira precipitada com que se fez escorraçar pela própria falta de dignidade e espírito partidário.  Se além de merecer a comparação com aquele senador de memória infausta, Ted Cruz perdeu boa ocasião de aparecer sob luzes mais dignificantes do que o papel de um indivíduo que não tem sequer grandeza de aparentar distinção diante do gesto do adversário, que o venceu na lisa porfia dos sufrágios recebidos.
                   Com o plágio por Melanie Trump - convenientemente assumido por uma assessora - de um parágrafo de alocução de Michelle Obama em ocasião similar, falta apenas o dia de hoje para concluir a Convenção de Cleveland, marcada pela descortesia e a má-vontade da elite do GOP, descortesia essa que é assinada com força pelo governador do Ohio, John Kasich, que como senhor da Casa não deveria ausentar-se da alegada festa de entronização do candidato do GOP. 

( Fonte: The New York Times )                  




[1] Joseph Nye Welch (1890 - 1960)

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