Não
por acaso, o Senador Ted Cruz é por vezes
comparado a distante colega seu, que gozou da dúbia honra de carimbar uma era
com o seu sobrenome. Com efeito, Joe McCarthy marcara época com a sua
demagógica perseguição à suposta esquerda responsável pela 'entrega' da China
aos comunistas, assim como pela paranóia da ameaça comunista na Terra do Tio Sam.
Talvez nenhum demagogo tenha chegado
tão longe no seu domínio de uma época, junto com um incontável sofrimento e as perseguições que
provocou. Desapareceria em meados da década de cinquenta, como surgira - como
nuvem ruim que termina pela própria inanidade.
O começo de seu fim surgiria em
audiência de seu comitê que estavava na busca de traidores no exército
americano. 'O senhor acaso não tem
vergonha de o que está fazendo? Não tem qualquer senso de decência, Senador?'
Essas palavras do Conselheiro especial
do Exército americano Joseph Nye Welch[1], soariam
a nove de junho de 1954, como o dobre da nefasta carreira do Senador e do próprio movimento. Se há
demagogos que foram mais longe do que McCarthy, que de fato deu nome à época
infame (o macartismo) ilustra bem o quanto uma sociedade democrática
possa cair presa das piores pulsões psicológicas. McCarthy merece atenção quase
não por si mesmo, mas por dar ocasião às piores expressões do preconceito e da
leviandade de carimbar grupos de pessoas por supostos desvios políticos. É o
medo do diverso que, explorado por demagogos sem qualquer senso de medida, leva
a episódios deploráveis, em termos de perseguição à liberdade individual de
pensamento.
Não sei se Ted Cruz se enquadrará em
algum maldito círculo da demagogia política. De qualquer forma, ele já é
enquadrado nesta faixa, por certos repórteres. Consumido pela ambição, ele pode
ser autor de comportamentos lamentáveis,
como o da última noite no show televisivo da Convenção republicana de
Cleveland.
A exemplo do emboaba, Donald Trump
decerto já chegou muito mais longe de o que prognosticaram os xamanes
republicanos como o "candidato do
verão". Para surpresa de muitos
e raiva de poucos, ele continua avançando, deixando para trás os que se julgaram
mais merecedores do que ele. Agora, é o candidato do Grand Old Party, e será para valer, seja no sucesso surpreendente,
seja no temido desastre.
Trump, como o escolhido para
candidato ter-se-á esquecido das palavras e, sobretudo, da grave falta de
vencer nas primárias aos seus contendores republicanos. Pensando homenageá-lo,
escolheu o Senador Ted Cruz como o orador da véspera, aquele que é suposto
incensar o agraciado com a investidura.
Ted Cruz é um personagem da
direita do Partido Republicano. Essa definição não será pouca coisa, em grêmio
que, na prática, não tem mais ala moderada, como no século passado. A ambição -
não a dita normal em qualquer político, mas a raivosa e que ignora quaisquer peias
- o consome. Ter-se-á presente, por conseguinte, o quanto sofreu por não ter o seu
direito digamos de investidura
reconhecido pela turba das primárias, que concedeu, como se sabe, a primazia ao
aventureiro Trump.
Por tais personagens consumidos
pelo carreirismo, não se vá exigir bons modos. Trump, inebriado pela vitória na
Convenção, e pensando que o espetáculo se destinava a glorificá-lo, não terá
dado a devida atenção ao que poderia esperar de semelhante criatura. Pensou,
embalado pela própria euforia, que Ted Cruz lhe seria grato pela tribuna.
Infelizmente, quem não tem grandeza,
não possui condições de agir em consequência. Mas o Senador Cruz agiu de forma
ainda mais lamentável, porque utilizou o espaço que lhe fora concedido, não
para se mostrar à altura dele, mas para alinhar uma série de frases
propositalmente ambíguas que, como vasta caudal, desembocaria em um estuário de
desfazimento da cortesia alheia. Para usar linguagem que parece mais condizer com a mente do orador, ele
literalmente cuspiu no prato que lhe fora oferecido, estultamente decerto. O
mau-caratismo e a velhacaria podem levar os seus portadores a más paragens,
como foi a vaia merecida que recebeu, e a maneira precipitada com que se fez
escorraçar pela própria falta de dignidade e espírito partidário. Se além de merecer a comparação com aquele
senador de memória infausta, Ted Cruz perdeu boa ocasião de aparecer sob luzes
mais dignificantes do que o papel de um indivíduo que não tem sequer grandeza
de aparentar distinção diante do gesto do adversário, que o venceu na lisa
porfia dos sufrágios recebidos.
Com o plágio por Melanie Trump -
convenientemente assumido por uma assessora - de um parágrafo de alocução de
Michelle Obama em ocasião similar, falta apenas o dia de hoje para concluir a
Convenção de Cleveland, marcada pela descortesia e a má-vontade da elite do
GOP, descortesia essa que é assinada com força pelo governador do Ohio, John Kasich, que como senhor da Casa não
deveria ausentar-se da alegada festa de entronização do candidato do GOP.
( Fonte: The New York Times )
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